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À sombra da figueira

Há dez anos, quando a novíssima Figueira Rubaiyat era um dos endereços mais efervescentes da cidade, eu me lembro de ter tentado conseguir uma mesa por três vezes, em dias diferentes. Nas duas primeiras, nem consegui entrar. Só deu certo na terceira investida, ainda assim, com demora. Naquela época (eu nem escrevia sobre comida), as filas eram inevitáveis. A árvore colossal de mais de um século, o ambiente de pretensões cenográficas, a cozinha de temperaturas altíssimas do argentino Francis Mallmann respaldada pela grife Rubaiyat, tudo era novidade. Naquela fase, quando o D.O.M. ainda se consolidava e o Fasano nem tinha hotel, o então recém-aberto restaurante virou o preferido de quem desejava impressionar amigos estrangeiros. Entrando agora num devaneio, podemos dizer que a figueira (agora, falando da árvore), com seus mais de 130 ano, foi testemunha de muitas coisas. Viu o Brasil virar República e São Paulo virar metrópole. Acompanhou a forte expansão (internacional, inclusive) do Grupo Rubaiyat, que abriu-fechou-reabriu outras casas. E presenciou os altos e baixos do restaurante que ela abriga desde 2001 sob sua gigantesca copa. A linguagem gastronômica foi mantida ao longo do tempo. É a brasa das grelhas que dá o tom na maioria das carnes e peixes, notória expertise do Grupo Rubaiyat. Assim como o calor (por vezes agressivo) de 500°C, 600°C dos fornos é o elemento chave de vários pratos. Mas a cozinha andou oscilando - ainda que, a meu ver, as variações mais graves tenham acontecido no serviço. A atenção constante e a sequência infalível, aspectos que, enfim, sempre fizeram parte do estilo de trabalho da família Iglesias, andaram comprometidos nos últimos anos. E a perda do ritmo da refeição, para mim, foi o ponto mais sensível. A casa se tornou mais uma figueira, menos o Rubaiyat. De uns meses para cá, o restaurante iniciou uma reação. Trouxe como consultora a chef Paola Carosella (integrante da brigada de Mallmann, há dez anos), que implantou alguns pratos novos. Passou a servir carnes de outras origens, como os cortes australianos. E parece estar recuperando a harmonia entre salão e cozinha. Em minha última visita, logo que me acomodei, foi interessante notar que nenhuma (sem exagero) das mesas à volta falava português. E sim inglês, japonês, espanhol e francês. Certo, o endereço é um dos favoritos dos turistas, não é de hoje. Mas eu quase senti ímpetos de cumprimentar o único grupo de clientes nativos que eu identificava, lá longe, ao estilo de viajantes brasileiros que se reconhecem numa estação de metrô da Europa. E foi bom constatar que os pãezinhos do couvert (R$ 23,50) estão em forma. Tanto o pão de queijo tradicional, denso e saboroso, como o de polvilho, mais leve e aerado. E que há boas entradas, como o palmito pupunha assado, servido com coalhada e rúcula (R$ 42), receita de Paola Carosella. Assim como atestar o preparo competente da fraldinha australiana (R$ 95, com batata suflê e farofa), valorizando a fibra longa do corte e preservando sua umidade. Contudo, o melhor foi fazer uma refeição com começo, meio e fim, como se deve. Já no encerramento, quando pedi a conta, o garçom me perguntou se meu carro estava com o manobrista. Eu estava a pé e até me diverti com a possibilidade de inventar que também não era de São Paulo, e que meu hotel seria ali do lado. Mas não fiz isso e saí andando, na condição quase rara de um cliente brasileiro. Por que este restaurante? Porque a casa faz dez anos. E, depois de uma fase complicada, parece estar retomando um caminho melhor. Vale? Com o real forte, até seu amigo gringo vai tomar um susto. R$ 200 por pessoa, sem vinho, deveria ser patamar de altíssima gastronomia.  A Figueira Rubaiyat R. Haddock Lobo, 1.738, J. Paulista, 3087-1399. 12h/0h30 (sáb., até 1h; dom., até 0h). Cc.: A e V. Cardápio: Variado, com predominância dos grelhados e suas guarnições

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