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Cozinhando fora de casa

Criar (ou adaptar) um prato, chegar a seu formato definitivo, conseguir reproduzí-lo por infinitas vezes. Isso é parte obviamente da profissão de chef. O desafio da perfeição repetida ad eternum torna-se ainda maior quando o cozinheiro está fora de seu ambiente, sem muitos de seus produtos, longe de seus equipamentos, fornos e bancadas, distante do domínio dentro do qual ele é o mestre. Alguns conseguem bons resultados, outros nem tanto, o que varia conforme a receita, a técnica utilizada, os ingredientes. E depende muito da perspicácia em escolher o prato certo para executar em local muitas vezes absolutamente desconhecido. Quando vários mestres-cucas que nunca trabalharam juntos se juntam numa mesma noitada, observar como cada um se sai é uma das graças do programa. No último sábado, no jantar de gala do Masters of Food & Wine de Mendoza, reuniram-se nove deles, de diferentes nacionalidades. Cada um foi responsável por um item, ainda que todos acabassem se ajudando mutuamente: três prepararam os acepipes do coquetel, os demais providenciaram as entradas, pratos e doces servidos no salão do Park Hyatt. Foi uma refeição de cerca de três horas, para mais de duzentas pessoas. Para não ficar num listão de pratos, faço aqui algumas considerações. Entre os petiscos, destaco o peruano Coque Ossio, que não teve medo dos sabores potentes: usou considerável arsenal de condimentos e picantes no preparo de uma singela humita (espécie de pamonha) de milho, sem receio de desagradar. No duelo dos estrelados franceses, gostei mais da performance de Jean-François Rouquette, do Pur'Grill (uma estrela Michelin). Seu creme brûlée de foie gras foi feito com habilidade e sutileza, sem contar a eficácia: era queimar com o maçarico e levar à mesa. O mais graduado Philippe Labbé (duas estrelas), por sua vez, não foi mal, mas talvez tenha sido menos feliz na sua escolha, executando um filé mignon assado com azeitonas e trufas, acompanhado por um gratin de tomate e parmesão. Mas o prato mais enigmático da noite foi o do irlandês Kevin Thornton, uma estrela Michelin. Ele tentou, digamos, propor um ensaio sobre "crudités", apresentando vieiras (uma delas inteira, levemente grelhada; outras cruas, fatiadas) sobre ervilhas tortas, picadas e igualmente não-cozidas. Não percebi o sabor (não havia sequer sal), nem captei o jogo de texturas. Na combinação com o vinho proposto, um belo Angelica Zapata Chardonnay 2004, o resultado era um gosto de ferro na boca. Falhou. Cozinhar fora da própria cozinha e em grandes eventos, enfim, já envolve riscos inevitáveis. Para se lançar a riscos extras, é preciso sabedoria.

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