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Crustáceos sexagenários

Não consigo deixar de me espantar, positivamente, quando vejo um restaurante completar 60 anos de vida. No caso do La Paillote, é ainda mais admirável. Primeiro, pela própria cifra, quase épica, considerando um cenário complicado como o paulistano. Depois, pelo fato de sua reputação ter sido construída praticamente com um só prato, os camarões à provençal. E é notável, por fim, que 57 de todos esses anos tenham sido vividos no Ipiranga, longe da badalação. De 1953 para cá, pouca coisa se alterou, e as mudanças mais radicais só aconteceram recentemente. Ir para os Jardins, há três anos, e optar por um imóvel menor, foi uma delas. Passar o comando para Aline Valluis, bisneta dos fundadores, foi outra. Criar versões mais acessíveis de seus carros-chefes, também. De resto, a impressão que dá é que, para além dos crustáceos, a essência do trabalho do La Paillote é o tempo. Ou melhor: a tentativa de aprisioná-lo, de reproduzir, década após década, o mesmo receituário. É daí, a meu ver, que emanam as qualidades e as limitações.

La Paillote. Sessenta anos fiel aos camarões à provençal. FOTO: Sérgio Castro/Estadão

O serviço de manobrista continua sendo cortesia, uma raridade. O maître João de Deus, por sua vez, segue recebendo os comensais com a tradicional afabilidade. No entanto, observar o restaurante ali, encravado na R. Melo Alves, torna-se ainda mais curioso se repararmos que, quase em frente, está o Le Jazz, seu quase antípoda: agitado, sempre cheio, mais barato e bem mais à vontade na condição de bistrô. Quem frequenta o La Paillote? Aparentemente, os mesmos casais e famílias que se dirigiam ao Ipiranga. E que cumprem a incontornável sequência de couvert, crevettes à la provençale e marjolaine. Na última visita, eu tentei variar. Só que fui desaconselhado a escolher o filet au poivre vert. ?Prefira o linguado com champignons e alcaparras?, recomendou o maître, como quem divide um segredo. E, no fim, acabei pedindo também os camarões, em sua dose executiva (R$ 75), com quatro unidades e uma farta porção de arroz, finalizados à mesa, com a reverência de sempre. Continuo achando seu ponto de cozimento além do gastronomicamente elegante. E considero superestimado o papel da manteiga na construção de sabor do prato. Mas, sejamos justos: existe senso de padrão. O La Paillote, enfim, é rígido. Tanto no zelo pela regularidade da marjolaine (R$ 20), com suas generosas camadas de avelã, amêndoas e chocolate. Como na inflexibilidade de, por exemplo, não servir vinho em taça ? algo que, eu reparei, era solicitado em mesas diferentes. Talvez a casa viva aquele momento em que o passado deixa de ser um trunfo para se tornar um peso. Porém, vale pensar que toda essa história, no fundo, começou com uma concessão à clientela: nos anos 1950, o prato à provençal era feito com rãs; a pedidos, vieram então os camarões?

Por que este restaurante?

Porque é um clássico da cidade.

Vale?

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É difícil comer abaixo dos R$ 100 ? a menos que se peça o menu de almoço (R$ 75). Vale como viagem histórica.

>> Veja todas as notícias da edição do Paladar de 30/5/2013

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