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Frequência modulada

Antes de entrar na comida, vou passar pela música. Num dia desses, escutando rádio no carro, dei sorte, pulando de estação em estação: ouvi Under Pressure, com David Bowie (e o Queen), logo depois caí no último movimento da Pastoral, de Beethoven, e mudei em tempo de pegar Cheek to Cheek com Fred Astaire. Não é bom poder gostar de tudo isso automaticamente, naturalmente? Sem precisar de nenhum seletor mental que nos avise: agora você está ouvindo música popular; agora, é música erudita. Temos, felizmente, e quando queremos, uma máquina de fruição admirável, um mecanismo estético muito bem azeitado. De forma análoga, como é prazeroso poder comer tantas coisas diferentes. Provar comida de autor num dia, um prato trivial em outro. Um quitute de manhã, uma coisa mais complexa à noite. Sinto cada vez mais estranhamento quando percebo que boa parte da discussão sobre gastronomia passa por uma espécie de óptica conflitiva. Como se o menu-degustação fosse o vilão da feijoada. Como se o sushi fosse o algoz do churrasco. Um não elimina o outro. Moderno, clássico? Há coisas boas, há coisas ruins, ponto. O pensamento binário funciona assim: ou isso, ou aquilo. Sem concessões. Eu prefiro isso; e aquilo; e aquilo outro... Parafraseando o ditado, a saúde de um apetite se mede pela capacidade de conviver com sabores diametralmente opostos. Basta que sejam bons. Natural como gostar de músicas diferentes, em momentos diferentes.

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