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Janeiro de 2004

Há exatos dez anos eu publicava meu primeiro texto sobre restaurantes. Foi no finado Jornal da Tarde, na editoria de Variedades. A página ? em formato standard, jornalão, mesmo ? se chamava Garfo & Faca e se estruturava assim. No alto, uma pequena reportagem, sobre temas ligados à comida em SP; depois, uma resenha; e o roteiro de restaurantes (que eu checava no braço, pelo telefone, um a um; isso tudo, acumulando com o trabalho de subeditor da Geral; vou confessar: era pesado. ). Quem cuidava do assunto no Grupo Estado era Saul Galvão (tenho saudades dele; é uma lembrança constante) que, por uma questão contratual, passaria a escrever apenas no Estadão. Estava aberta a vaga de crítico para o JT, era fim de 2003. Fui convidado pelo Ilan Kow, à época editor de Variedades, para exercer a função. Ele sabia que eu gostava do assunto (assim como ele, pois estávamos sempre falando a respeito), ia muito a restaurantes dos mais variados estilos, e estudava o tema. Sem contar que, desde 2002, vinha escrevendo algumas coisas sobre esse universo ? particularmente sobre vinhos. Eu não tinha ideia do que fazer, mas obviamente topei. O que me restava? Estudar mais, buscar referências, comer mais. Comecei. Minha primeira resenha saiu em 16 de janeiro de 2004. E tratando de um restaurante que não tinha sido abordado ainda pelo jornal: o Euclydes, no Tatuapé. A casa nem existe mais, faz alguns anos. Era um lugar bem montado, com cardápio variado, transitando por um estilo meio contemporâneo, com alguns pratos apaulistados. O que fazer? Como agir? Anoto impressões à mesa ou não? Eu me lembro que comi um monte de coisas, muito além da minha capacidade. E que não foi fácil estruturar o texto (do que tratar, como abordar, como descrever?). Mas saiu e, reconheço, ainda era tímido, titubeante. Embora feito com muita seriedade, pensando essencialmente no público, nos leitores ? o que sempre fiz, e faço até hoje. Não vou publica-lo aqui, acho que não é o caso. Entretanto, confesso que fui atrás do original, que eu nem tinha mais (minto, eu tenho uma folha impressa, guardada, que eu demoraria a encontrar; pedi ajuda da Lucineia Nunes, do Paladar, sempre por perto em boa parte desses muitos anos, e ela me enviou uma versão digital). Não nego o que fiz, é óbvio. Mas, se é para ter alguma, vá lá, uma ponta de orgulho, prefiro pensar neste texto aqui, de 2008, como marco inicial. Quem sabe como uma espécie de símbolo de uma fase mais madura nessa função que venho ocupando há uma década. Mas voltemos a 2004. O jornalismo especializado em comida, assim sendo, estava virando uma alternativa profissional. Não mais um mero hobby, que eu vinha cultivando desde os anos 90, particularmente. Meses depois, a Garfo & Faca deixaria de ser publicada no Variedades para ser incorporada ao recém-lançado Divirta-se, o guia de fim de semana do JT. E, logo depois, eusairia da Geral para integrar a equipe que fundou o Guia do Estado, também liderada pelo Ilan. Aí fizemos o Paladar (o caderno nasceu em 2005; a coluna Eu só queria jantar, em 2008), e depois seus eventos, sua revista anual? Em dez anos, ganhei muitos cabelos brancos. Mas o peso, estranhamente, não oscilou muito. Quando eu comecei, o Saul me avisou: "Eu era assim como você. Olha agora", dizia, sorrindo e batendo na pança. A previsão não se confirmou. E o Saul foi embora bem antes do que deveria, em 2009. Em todo esse tempo, busquei construir um estilo, uma espécie de fusão entre review e criticism; com rigor, com isenção, com decoro e compostura, com respeito (tanto pela audiência como por quem exerce seu trabalho na cozinha); algo que fosse útil para o leitor e, ao mesmo tempo, colocasse a informação em perspectiva, construísse um contexto. Se eu pudesse prestar um serviço, mas fazendo o leitor pensar (sobre a comida, sobre o estabelecimento, sobre o cenário gastronômico no qual o restaurante se insere), já ficaria bastante satisfeito. Olhando o conjunto do trabalho, percebo claramente que tive fases. Já falei mais de comida. Já abordei mais a experiência como um todo, inclusive observando os personagens à volta (como brincava o Luiz Horta, era o meu momento de colunismo à Jacinto de Thormes). Já busquei ser mais técnico, mais analítico. Já falei muito de preços (talvez eu tenha me tornado até chato; mas acho que foi necessário). E, de uns anos para cá, venho contando até as razões da escolha do restaurante resenhado (Por quê?) e se a brincadeira compensa o que se gasta (Vale?). Sempre em deferência ao distinto público. Contudo, nada disso faria sentido se a narrativa não fosse agradável, o texto não fosse fluente. Se deu certo ou não, os leitores é que sabem dizer. Mas as intenções sempre foram mais ou menos essas. De resto, para além de lembrar desse curioso aniversário, vim aqui mesmo para agradecer. A quem leu no Variedades do JT, no Divirta-se JT, no Guia (que virou o Divirta-se do Estadão), no Paladar impresso, no blog, muito obrigado.

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