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Saul

"Salve, cavalheiro". Vou guardar para sempre a tradicional saudação de Saul Galvão. Saul, o grande expert em vinhos, o crítico de restaurantes, morreu nesta madrugada. Estava doente, lutando contra um câncer, fazia quase dois anos. Mas eu tive a honra de trabalhar com ele nestes últimos anos, no Guia e no Paladar. Saul não era uma figura intensa apenas como apaixonado pela gastronomia. Era um amigo generoso, um colega que estava sempre disposto a contribuir com sua experiência e seu notável conhecimento. Jamais vou esquecer de nosso primeiro encontro à mesa. Faz tempo. Eu trabalhava no Jornal da Tarde, estava começando a arriscar uns textos sobre comida e vinho (fiquei, depois, só na comida). Saul escrevia no Estado - portanto, éramos colegas de empresa. E nos conhecíamos de vista, de corredor, do café. Eu cheguei então para uma degustação de champanhe, grande champanhe aliás, num famoso restaurante. Estava cru de tudo (sem trocadilho enológico), era inexperiente, ainda não sabia a que evento ir ou não ir. Um "complete unknown", como diria Bob Dylan. E eis que me vi diante de uma mesa cheia de especialistas, gente cujos textos eu lia fazia tempo. Uns me olharam com uma certa curiosidade, outros nem me viram. Mas o Saul: "Ô, meu caro, senta aqui". Puxou uma cadeira ao lado dele, me explicou o que estava acontecendo - eu estava um pouco atrasado -, enfim, deu-me um chão. Os vinhos eram servidos, provados. E ele me perguntava: "E aí, o que está achando? Gostou mais de qual, deste ou do anterior". E eu pensava: mas como? O homem que escreveu "Tintos e Brancos" quer saber o que eu acho? O homem que já tinha produzido milhares de resenhas de vinhos e restaurantes está curioso pela minha opinião? E ele queria saber mesmo. O Saul era assim. Um crítico sem afetação, e o maior degustador brasileiro que eu já vi em ação. Jamais comentei com ele sobre aquele dia. Mas ele não devia fazer ideia como aquela hospitalidade foi importante para mim. Eu acabei de receber a notícia de sua morte, o telefone tocou às 6h. E me ocorreu esta história (na verdade, lembrei dela ontem, quando soube que a situação era extremamente grave). Há muitos outros episódios. Passagens divertidas, curiosas, sempre generosas. O Saul foi também um dos melhores frasistas que eu conheci mas, neste exato momento, não tenho nada muito inventivo para dizer. Porém, posso usar o idioma que ele tanto prezava: Monsieur Saul, merci beaucoup.

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