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Catena: 'O primeiro Malbec que elaborei foi para agradar meu pai'

Ícone do vinho, proprietário da vinícola Catena Zapata fala sobre o passado e o futuro da bebida na Argentina

O argentino Nicolás Catena, o inventor do Malbec moderno, tem um novo projeto: aprender o português. Os vinhos de sua vinícola Catena Zapata estão no Brasil há 25 anos, mas não é por isso que ele quer aprender o idioma. É para conversar com o neto de quatro anos, filho do genro brasileiro com sua caçula Adrianna, cujo nome batiza seu vinhedo mais importante. O neto é “um corte”, como ele brinca, usando termo vinícola para definir a mistura de nacionalidades do menino, que, segundo ele, carrega o traço de personalidade mais marcante do Brasil, a “amabilidade inata”. Mas o que esse argentino de ascendência italiana, aos 76 anos, não se deu conta é que a característica está no DNA de sua cepa. Ao longo de uma longa entrevista na segunda-feira (22) em São Paulo, foi profundamente afável, ao resgatar histórias de gerações passadas e do vinho argentino. 

O argentino Nicolás Catena, que é economista de formação e pai do Malbec argentino moderno Foto: Gladstone Campos|Divulgação

O produtor veio celebrar os 25 anos de presença no Brasil e amizade com a família Lilla, da Mistral, que importa seus vinhos. O curioso é que o acordo entre ele e Ciro Lilla foi firmado de maneira tão informal que não há contrato, eles assinaram na etiqueta de uma garrafa. Na entrevista a seguir, ele fala sobre o passado e o futuro de seus vinhos e opina sobre o vinho argentino.

O que o Brasil representa para a Catena Zapata?  O Brasil é o nosso terceiro mercado, atrás de Estados Unidos e Reino Unido. Os brasileiros apreciam a fruta num vinho, que se destaca quando usamos menos carvalho. Acredito que estamos acertando em algo, porque vamos muito bem no Brasil. Todos os dias temos visitas de brasileiros na vinícola e se comportam de maneira séria nas degustações, são muito técnicos.

+ LEIA MAIS:Catena Zapata é responsável por três 'revoluções' no vinho argentino   Passados 30 anos desde que adotou mudanças na vinícola como vê o vinho argentino? Os californianos me ensinaram que havia de se imitar os franceses. Na Argentina, quase não havia Cabernet Sauvignon ou Chardonnay. Mas havia a Malbec, que naquela época não era usada nos grandes vinhos franceses. Acho que nesse ponto fui inovador: resolvi fazer algo distinto e usar a Malbec. O primeiro Malbec foi elaborado de modo semelhante ao Cabernet Sauvignon. Com o passar dos anos, fomos separando as duas cepas e hoje a Malbec tem seu próprio estilo. Hoje é um tinto diferente, sem conexão com Bordeaux. Toda a história do Malbec é muito interessante. Foi seu avô que a plantou primeiro na família, não? É uma anedota. Quando meu avô chega a Mendoza, havia duas variedades, a Bonarda italiana e a Malbec, chamada apenas de “francesa”. Seu vizinho o informa que a francesa era de melhor qualidade, mas que produzia menos quantidade por hectares. E que a Bonarda tinha menos qualidade, mas tinha mais quantidade. Bem, plantou a francesa. Mas me disse cinquenta anos depois que se equivocou. Do ponto de vista do rendimento, de pesos, a Bonarda era melhor porque produzia muito mais quantidade e se pagaria.  E nós ainda temos essa primeira vinha. Foi plantada em 1902, tem 115 anos. O que mudou na empresa com a entrada de sua filha Laura? Muito. Ela é bióloga, formada em Harvard, onde a investigação científica é a coisa mais importante. Entrou na empresa no fim do milênio e sua primeira preocupação foi explicar cientificamente do que depende a qualidade dos vinhos. Ela tem influência francesa forte e traz o conceito de que a qualidade depende do vinhedo, que depende do microclima do lugar e da composição física, química e microbiológica do solo. É o conceito do terroir, a bíblia dos franceses. Hoje nossa região toda – e não só nossa empresa – presta atenção no microclima e na composição do solo. Os melhores lugares podem chegar a ter cinco vezes o valor de um hectare normal. De maneira geral, Laura é a criadora da revolução do terroir na Argentina. O sr. mudou a Malbec mas é amante da Cabernet Sauvignon… Minha introdução à qualidade foi com a Cabernet Sauvignon de Napa Valley, onde vivi por três anos. Os californianos eram obcecados pela França. Queriam fazer igual ou melhor que o melhor francês. Eu tomava os vinhos de Napa e da França, principalmente Bordeaux, que eram Cabernet Sauvignon. Formei o meu gosto em torno da Cabernet Sauvignon e demorei a valorizar a Malbec. Mas o meu pai era um fanático da Malbec. A escolha da Malbec, admito, foi mais influência dele. O primeiro Malbec que elaborei (e que me surpreendeu!) foi para agradá-lo. Que outra cepa pode seguir os passos da Malbec na Argentina? Para mim, a Argentina produz um Chardonnay muito, bom. Se eu tivesse que fazer um ranking de qualidade da produção argentina, primeiro seria a Malbec e depois a Chardonnay. 

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E a Bonarda? Nós temos um vinhedo muito antigo que faz uma Bonarda realmente muito, muito boa. Mas parece que para produzir uma boa bonarda há de se encontrar o microclima. E nós estamos no processo de investigar qual é o ideal para se alcançar uma grande bonarda. Assim que encontramos, tivemos uma excelente pontuação de James Suckling, que lhe deu 94 pontos a essa Bonarda, de um vinhedo muito velho localizado em uma zona não muito fria. A Bonarda amadurece muito tarde. Então, minha resposta é que estamos esperando produzir uma boa bonarda, que possa competir internacionalmente. Que opinião tem sobre práticas como o biodinamismo?  Na minha família, meu filho é o representante do biodinamismo e ele está tendo muito êxito, tem um vinhedo biodinâmico bem importante em Mendoza. Mas na empresa familiar ainda não a adotamos. Vinculado a isso está a hipótese da minha filha, a bióloga, que seu instituto de investigação [Catena Wines Institute] descobriu que a composição microbiológica do solo tem influência sobre a saúde. Dizem que vivemos o fim da chamada era Parker, menos madeira e opulência. Como vê o movimento? Eu, pessoalmente, creio que mudei meu paladar na direção de vinhos menos opulentos – e opulento significa maior densidade, em termos tácteis, espessura. Nos tintos, o que tem menor densidade é a Pinot Noir. Com respeito ao passado, o meu paladar está demandando menos densidade e mais suavidade. E para atingir esses vinhos há de se fazer uma mudança na extração, que é a pele em contato com o líquido. Mas não creio que vá mudar muito a crítica sobre os vinhos ou que todos seguirão nesse rumo. Os franceses, para mim, vão nessa direção, com menos densidade e mais suavidade. Mas há a questão do clima. Com a mudança climática, a natureza faz vinhos mais opulentos… Se efetivamente o clima muda, temos que esperar mais opulência. Mas sempre se pode corrigir com tecnologia de extração. Que país produtor de vinhos hoje lhe chama a atenção? Eu sigo pensando que o vinho que ganha a preferência mundial é o francês. Não há quem ganhe de uma região francesa. Penso que essa preferência mundial vai continuar.Que prefere beber quando está em casa com a família? Na minha casa, tomo vinhos só no fim de semana e sempre de outras regiões do mundo, como um mecanismo de estudo, para descobrir algo desconhecido. Durante toda a semana provo nossos vinhos e os de outras vinícolas argentinas para compará-los. O sr. resolveu fazer grandes vinhos na Argentina e plantar em altitude. Que mais podemos esperar?  Agora chegou o momento dos meus filhos. Eu só posso escutar e dar alguma opinião, não penso em descobrir algo novo. Do momento em que se planta uma vinha até que se saiba se ela é boa ou não se passam pelo menos 15 anos. Então, creio que vai ser uma batalha dos meus filhos. Ou dos meus netos.

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