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'Divirta-se!', recomenda o garçom no Eleven Madison Park

A experiência (de cinco horas) de comer no terceiro melhor restaurante do mundo harmonizado com tudo, menos vinho

Não canso de ouvir: “Crie pombos, crie unicórnios, mas não crie expectativa”. Mas, nesse caso, não dava. Estava prestes a ir jantar no atual terceiro melhor restaurante do mundo, carésimo, o Eleven Madison Park, em Nova York. Pela troca de e-mails de reserva, já senti que o serviço prometia. “Gostaríamos de saber o que podemos fazer para tornar a sua experiência especial. Nós adoramos encontrar maneiras de personalizar a sua experiência.” Achei isso demais e respondi: “Como estarei sozinha e sou uma profissional do serviço, gostaria de me sentar em algum lugar de onde possa assistir ao serviço de sala. E eu quero harmonizar com tudo, menos com vinho.”

Eu não tenho nada contra vinho. Gosto bastante, aliás. Mas sou contra a sua hegemonia nas harmonizações em restaurantes gastronômicos. Existe tanta bebida boa, tantos sabores diversos e incríveis nos destilados, fermentados e não alcoólicos que acho desperdício eles serem ignorados nas harmonizações e essas experiências acabarem sendo sempre monotemáticas. Obviamente, é muito difícil um restaurante ter um profissional para café, outro para cerveja, outro para vinho... Então, para realizar essa experiência de paridade líquida, somente com sommeliers que sigam o conceito de ser o profissional do serviço de bebidas.

Um time de 1 diretor de vinho, 5 sommeliers e 3 bartender comanda o serviço de bebidas do Eleven Madison Park Foto: Carolina Oda|Estadão

Eu acredito que esse interesse por bebidas diversas deveria ser natural. É tanto uma coerência – não dá pra defender a qualidade dos melhores vinhos e tomar os piores cafés nem degustar as melhores cervejas e fazer caipirinha com as piores cachaças – quanto um desenvolvimento de técnica de análise sensorial, de repertório de degustação. Quem liga uma chave para isso, quem presta atenção no que come e bebe pode até nunca ter tomado tal coisa na vida, mas vai saber avaliar qualidade de álcool, complexidade aromática, equilíbrio, notas, corpo, texturas e sabores em qualquer coisa, conseguindo se surpreender com a mesma intensidade seja com um chá ou uma sidra.

No EMP (i-êmi-pi, como eles dizem), há um time de 1 diretor de vinho, 5 sommeliers e 3 bartenders! Ok. Assim, claro, fica bem mais fácil ter as epifanias criativas. (Tá entendendo porque é caro comer nesses lugares?)

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Voltando ao jantar! Fui sozinha e cheguei, contrariando os conselhos da vida, com expectativas de orelha a orelha. Primeiro impacto: salão repleto de girassóis, a minha flor favorita. Sou bem recebida à porta e me levam para sentar à uma mesa na área do bar, local, inclusive, em que se pode ir sem reserva e pedir à la carte ou só beber um coquetel.

Após o serviço de água, o sommelier vem à mesa e se apresenta, com uma garrafa com cara de vinho e uma jarrinha de água com gás na mão, dizendo que será o responsável pela nossa festa das bebidas da noite. Jonathan é o nome do personagem principal do show daquela noite. Numa taça de champanhe ele coloca o xarope de flores de sabugueiro colhidas na única florada anual durante o período de três dias, quando as flores estão perfeitas, feito pela vinícola Nikolaihof, a mais antiga da Áustria. Completa com água a bebida não alcoólica que exala aromas florais e frutados. Começam surpreendendo! Duas mulheres comandam as coqueteleiras em frente a uma prateleira que contém até Cynar. Na carta, tinha coquetel com cachaça. Perguntei qual era e responderam: Amburana. Precisamos divulgar mais cachaça por lá. Madeira não é marca, mas tudo bem. Seguimos.

  Foto: Carolina Oda|Estadão

Me chama a atenção a informalidade da montagem da mesa, sem toalha nem porta-copos. O clima também é feliz, animado, tem criança jantando, ouve-se as pessoas conversando e se divertindo, e as roupas não são chiquérrimas, bem diferente do que muitos imaginam, sem sobriedade, constrangimento, ambiente que exija que fale baixo e não gargalhe para manter a finesse. Ufa! Prefiro muito mais assim!

Pouco tempo depois, fui sentar à mesa do jantar, que tinha um prato simples de cerâmica, um guardanapo de pano, uma caixinha de presente amarrada com um cordão, uma vela, nada de talheres e localizada entre os dois salões que são separados por dois degraus. Dali, conforme meu pedido, eu podia ver mesmo o restaurante inteiro. Pamela era a responsável pelo serviço da minha mesa. Apresentou-se e não terminou com “Bom apetite”. Terminou com “Divirta-se!” Na caixinha, um biscoitinho delicado de maçã e queijo cheddar.

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Ayinger Urweisse, uma weissbier alemã refrescante, é colocada no meu copo. Um garçom carregando uma estrutura linda de marchetaria também vinha em minha direção. Começou a desmontar em 4 partes, em que cada uma continua um snack. O formato da estrutura era o do lustre do restaurante. O mais marcante entre os quatro para a harmonização foi um melão recheado com queijo de cabra servido com tomate defumado.

Comia enquanto observava o serviço. Impressionada com o que via nas outras mesas e ansiosa pela minha vez. Com calma, curtia cada mordida. Pamela voltou cheia de perguntas. O EMP mudou a proposta. O menu agora é bem menor, não tem mais aquelas dezenas de etapas, e você pode escolher entre duas opções para cada uma das sequências. Não imaginava que seria assim e fui ficando com muita dúvida. Estava sendo sofrido saber do que abria mão e falei: ”Pense por mim, por favor. Tá muito difícil escolher.” Ela sorriu como quem diz “Deixa comigo”.

O sommelier colocou água de tomate carbonatada na minha cerveja. Assim, a olho, um líquido transparente, fazendo um shandy – cerveja + refrigerante/suco. Para acompanhar, uma salada de tomate e manjericão – sabores bem familiares numa harmonização divertida mesmo sendo por semelhança de sabores – e um pãozinho folhado quentinho com manteiga fermentada coberta com queijo desidratado que eu queria em todas as minhas manhãs eternamente!

Para a salada de caranguejo com abobrinha e limão, o “ma cherie cocktail”, bem refrescante feito com Green Chartreuse, limão, Falernum e vermute. Servido em copo alto, com gelo e uma fatia de pepino ao redor que fazia uma harmonização visual. As lâminas de abobrinha e o pepino combinavam.

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Em seguida, com a mesa limpa, é colocada uma cesta de piquenique na minha frente, dando a cara de um menu de verão. Vou abrindo e tem abridor de garrafa, colher de madrepérola, uma latinha de caviar, um vidro com ratatouille, um vidro com picles de cavalinha e ovas, uma fatia de pão torrado, guardanapo xadrez, prato de cerâmica que imitava um de papel e uma garrafa com a água de tomate carbonatada. Bem divertido e bem bom!

A próxima etapa é servida na cozinha. Passamos por dentro da sala de serviço. Grande, completa, com copos, taças, máquina de café, bandejas... Organizada, espaçosa e dos sonhos. Na cozinha, um púlpito de onde consegue-se ver toda a operação, os cozinheiros, a fila de garçons à espera dos pratos. Numa máquina antiga, linda, uma cozinheira faz uma raspadinha com gim e amora, servida numa casquinha de papel. Ficaria ali por horas.

Menu de verão. Uma cesta de piquenique é colocada na mesa, dentro em abridor de garrafa, colher de madrepérola, uma latinha de caviar, um vidro com ratouille, um vidro com pickles de cavalinha e ovas e uma fatia de pão torrado. Foto: Carolina Oda|Estadão

De volta ao meu sofá confortável e com almofadas, uma taça de Borgonha é trazida. Nela, é servido um chá Oolong GABA (Gamma Amino Butyric Acid), que é processado na presença de nitrogênio, de Taiwan, em temperatura ambiente para o prato de milho com gema de ovo curada e ameijôas, um molusco bivalve. Impressionante!

O sommelier serve uma cerveja ácida, que lembra as Ales de Flandres, da Crooked Stave, do Colorado. E, agora, é a vez do serviço ser feito por um cozinheiro, de avental e com uma panela de cobre e uma escumadeira em punho. Escorre diversos frutos do mar e coloca numa tábua de madeira. No meu prato, feijão branco, bacon e batata como acompanhamento. Frutos do mar e esse estilo de cerveja? Sem erro.

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Seguimos com o coquetel “whisky to wine”, feito com bourbon, vinho Cabernet Franc, Kumel e amaro e um gelo translúcido com o logotipo do restaurante em relevo. Saboroso, potente, mas muito equilibrado. Para ele, um magret de pato com mel, lavanda e cereja, tomates assados e um purê de batatas de fazer chorar, coberto com mini batatinhas cozinhas e outras souflées. Eram três texturas de batata com manteiga noisette. Com o coquetel, o sabor de avelã da manteiga explodia na boca.

Não sei se notaram, mas os vegetais estão bem presentes e em foco no menu, sendo bem aproveitados antes de a neve chegar e acabar com essa variedade, além de trazerem leveza para um período em que faz 30ºC de madrugada. Acredito que o menu de inverno seja bastante diferente.

Comecei a achar que era muita comida nessa etapa: três pãezinhos recheados de queijo camembert acompanhados de geleia de ameixa e pasta de manjericão harmonizados com sidra produzida na região. Que bom que ela apareceu, já que sidra é bastante vista pela cidade.

Enquanto comia os pães, que de tão bons me impediam de deixá-los no prato, Jonathan chega com uma estrutura de madeira japonesa usada para extrair café a frio. Mas não é isso que ele ia fazer. Ele fez, ali, em cima da mesa, um milk punch – coquetel à base de leite que é clarificado até ficar transparente - feito com rum, uísque e chá Darjeeling. Olhava para cima e achava aquilo incrível, enquanto mal sabia que aquela sensação seria intensificada com a chegada de uma mini churrasqueira. Com o fogo da vela da mesa, acendem e colocam uma metade de um pêssego. Viram com a pinça, grelham o outro lado, e colocam no prato da sobremesa que tinha sido trazido montado, com calda de ameixa, sorvete de ricota e aveias, só esperando aquela fruta suculenta se encaixar na composição. Durante meu deleite, a responsável por aquilo chega toda simpática e falando em português. Sim! A chefe de confeitaria do EMP, Renata Ameni, é brasileira! Fiquei orgulhosa em saber.

Para finalizar, um brandy de maçã da casa e um jogo: quatro barras de chocolate para adivinhar de qual leite era feito cada uma: vaca, búfala, cabra ou ovelha. Nada fácil, ainda mais depois da boca já estar com a memória de tantos sabores. Pedi um café para ajudar no longo caminho até em casa. Eram 2h da manhã e os trens do metrô demoram a passar. Vem um guéridon (aquele carrinho de serviço), com sifão, termômetro, cronômetro, um perfumado café do Quênia e a chefe de sala faz o serviço mais bonito de café de que já tive notícias. 

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Quatro barras de chocolate para adivinhar de qual leite era feito cada uma: vaca, búfala, cabra ou ovelha. Foto: Carolina Oda|Estadão

Fiquei lá cinco horas, sozinha, vivenciando aquele espetáculo. Para descrever o que eu sentia, uma apaixonada por serviço e bebidas, eu só consigo comparar à sensação de quem assiste ao show da banda favorita da primeira fileira. A comida é boa? Sim, claro. Excelente. Mas a equipe do salão cria uma atmosfera, compõe o intangível de uma maneira impressionante e concretiza a ideia de que é dela a grande parcela de responsabilidade pela experiência fantástica da noite.

A conta? US$ 521 (cerca de R$ 1.688). Valeu? Para mim, valeu cada centavo! Não só pela experiência, como também porque, nessa área de gastronomia pouco acadêmica e muito mais de vivência e experiência, esse jantar é um investimento profissional, é como se fizesse um curso, uma imersão.

No caminho da porta, pedi um girassol e saí pela rua rumo ao metrô, inebriada, me achando a pessoa mais feliz com quem alguém poderia cruzar naquela noite. E a vontade que tinha era de um dia poder realizar isso em algum lugar, ter isso no Brasil, com a oportunidade de encantar alguém como eles me encantaram.

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