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Entre delis e neodelis de Nova York

Em 1931, havia 1.550 delis só em NY; hoje, são 150 em todos os Estados Unidos. O risco de extinção dessas casas de culinária judaica (uma nova leva está surgindo, mas ‘desguetizada’) é tema de documentário lançado nos EUA

Entre delis e neodelis de Nova YorkFoto:

De Nova York

As delis judaicas são parte do patrimônio gastronômico de Nova York – e assim acabaram se fazendo conhecidas pelo mundo. Mas a oferta de matzoball, lox, borscht e pastrami – comidas típicas das delis – vem diminuindo. Em 1931, apenas Nova York contava com 1.550 delis. Hoje são 150 em todos os Estados Unidos.

O risco de extinção das delis, e, com elas, da cultura iídiche, dos judeus do Leste Europeu, motivou um documentário, lançado este mês nos EUA. Deli Man, de Erik Greenberg Anjou, traça um panorama de ascensão e queda dessa instituição gastronômica nova-iorquina.

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O filme, no entanto, centra foco em como as novas gerações de donos de delis estão se virando para tocar o negócio. Em especial, acompanha a inusitada história de um neto de dono de deli, Ziggy Gruber, que abriu restaurante judaico no Texas e se vê como salvador de uma cultura em declínio. O documentário levanta a interessante questão de como uma cultura gastronômica pode minguar.

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História. As delis surgiram em Nova York em meados do século 19, com os imigrantes alemães. Eram as delikatessens, mercearias que vendiam coisas como embutidos, conservas, pães. Mais perto da virada do século, porém, passaram a funcionar como restaurantes simples, ou lanchonetes. Foi nesse período que judeus do Leste Europeu começaram a chegar em maior número à cidade e a emular as delis, mas adaptando-as ao gosto de seus fregueses: vendendo comida kosher.

Eles serviam coisas que os alemães não conheciam, como o pastrami – a carne curada, cozida e defumada que recheia hoje altíssimos sanduíches mundo afora e teria chegado a Nova York com judeus romenos, numa recriação da carne curada armênia, o basturmá.

Ao longo do século 20 os judeus europeus de Nova York foram se secularizando. E, como é comum acontecer com a gastronomia de comunidades imigrantes, sua comida deixou de ser restrita à comunidade (que se concentrava no Lower East Side de Manhattan) e entrou para a cultura nova-iorquina.

Assim, comidas como as sopas de matzoball, o lox no bagel com cream-cheese, o borscht e o schmaltz entraram no vocabulário gastronômico de Nova York. E de milhões de turistas.

Novo tempo. As delis chegam ao século 21 “desguetizadas” e com sucesso, mas, perderam a identidade. A tese de Deli Man para explicar a crise é que, enquanto as cozinhas imigrantes italiana ou japonesa têm uma matriz como referência, na Itália e no Japão, a judaica, que no caso é a dos judeus europeus do leste, não tem mais em que se mirar. A cultura iídiche foi despedaçada com as diásporas judaicas no século 20.

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Há as delis que resistem – casas tradicionais como a Katz’s, de 1887, a Barney Greengrass, de 1908, a Carnegie, de 1937, ou a Second Ave, de 1957, mantêm-se firmes e lotadas – de turistas, é verdade – e com preços salgados; e as que inovam, adaptando a comida ao gosto de seu tempo: orgânico, local, sazonal.

A nova leva de delis, discutida no filme, já foi exaltada em artigo no New York Times como a salvação da cozinha judaica. Restaurantes como o Mile End, Kutsher’s, Baz e Russ and Daughters atualizaram o menu – às vezes com releituras que fariam mães judias morrer de vergonha, como um rolinho primavera de pastrami.

Se você for a Nova York, prove das duas vertentes: as tradicionais e as novas – e decida qual é a melhor. Ou apenas se farte com uma comida que segue saborosa e reconfortante.

DELIS TRADICIONAIS

Katz’s Deli Ponto turístico da cidade, está nos guias e na boca do povo pelo mundo. O sanduíche de pastrami no pão de centeio, com picles e mostarda, vale a visita a esta que é a mais antiga deli funcionando na cidade, ainda no Lower East Side, primeiro reduto da imigração judaica. 205 E Houston St

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Pastrami. Turistas lotam a Kat’z atrás do sanduíche. FOTO: Divulgação

Second Ave Deli A óbvia pilha de pastrami equilibrada entre duas fatias de pão também estrela o cardápio desta deli. Mas a 2nd Ave é das poucas casas que ainda se mantêm kosher. Por isso, aqui, vale explorar outros pratos menos óbvios do menu, como o cholent (um cozido com feijão) e o kreplach (ravióli recheado com batata). 162 E 33rd St, Murray Hill

FOTO: Divulgação

Barney Greengrass Deli Com mais de 100 anos, esta deli segue com aparência sujona e algo decadente. Esse ambiente faria pensar em preços miúdos, mas não se anime, não é o caso. Ainda assim, o sanduíche de fígado de galinha e os ovos mexidos com lox valem a pena. 541 Amsterdam Ave, Upper West Side

Sanduíche. Na Barney Greengrass pode ser de pastrami, fígado de galinha, lox… FOTO: Chester Higgins Jr./NYT

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Carnegie Deli É a mais turisticona de todas – fica na região mais turística da cidade, Midtown. Movimentada, concorrida, fez fama com seus ridiculamente altos sanduíches de pastrami. Mas o borscht, gelado, também é ótima pedida ali. O ambiente é marcado pelas fotos de presidentes e celebridades, que se espalham pelas paredes. 854 7th Ave, Theater District 

Pop. A Carnegie é a mais turística das delis tradicionais. FOTO: Divulgação

NEODELIS

Mile End Os donos canadenses trouxeram de Montreal uma tradição de delis menos exageradas que as clássicas nova-iorquinas e suas torres de pastrami. Contrariando puristas e tradicionalistas, caiu no gosto da cidade e multiplicou-se para além do Brooklyn, onde começou, em 2010. Sinal dos tempos, tem boas saladas, e tudo é menos gorduroso que nas tradicionais – das sopas aos sanduíches. 97 Hoyt St, Brooklyn

Russ and Daughters Esta é a mais nova das novas delis. Inaugurada em maio do ano passado, ela é na verdade o desdobramento de uma das mais antigas mercearias judaicas de Nova York, também chamada Russ & Daughters, aberta em 1914 e famosa pelo lox, arenque e caviar que vende. O restaurante, instalado a poucas quadras da loja original, tem ambiente classudo e serve os clássicos da cozinha judaica, mas em versão mais leve que as antigas delis. O sanduíche de lox, fatiado finíssimo, é óbvia e ótima pedida. 127 Orchard St, Lower East Side

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Neo. A mais nova e festejada é a Russ & Daughters. FOTO: Sasha Maslov/NYT

Black Seed A pedida na casa aberta há um ano são bagels, enrolados à mão e assados na lenha. O cliente escolhe os recheios, que vão além do tradicional lox: tem ovas de peixe-voador, abacate e cream-cheese de tofu! 170 Elizabeth St, Nolita

Bagel. Com recheio até de tofu, na Black Seed Deli. FOTO: Sasha Maslov/NYT

Baz Assim como na Black Seed, os bagels são a atração desta deli, que também inaugurou em abril do ano passado. Mas o cardápio vai além, abraçando outros pratos clássicos da cozinha judaica, como os ótimos latkes ou a sopa de matzoball. Um dos donos trabalhou na tradicional Barney Greengrass. 181 Grand St, Nolita

Herança. Dono da Baz trabalhou na Barney. FOTO: Sasha Maslov/NYT

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O bê-a-bá das especialidades das delis judaicas

Lox. FOTO: Luna Garcia/Divulgação

Lox Salmão curado com sal apenas ou em salmoura (não é defumado). Geralmente servido em forma de sanduíche com bagel, cream-cheese e rodelas de cebola crua.

Kreplach Massa preparada com farinha, ovos e água e recheada como um ravióli. Os recheios de carne ou de purê de batata são os mais populares, mas pode ser recheada também com vegetais variados. Costuma ser servida em caldo de galinha. É um prato típico de Rosh-Hashanah.

Matzoball (kneidl) Bolinho à base de farinha de matzá (o pão ázimo judaico), servido cozido em sopa de caldo de galinha.

Schmaltz Gordura clarificada de galinha ou ganso usada no lugar das proibidas manteiga e banha de porco.

Cholent Cozido de longo tempo de preparo que leva carne, feijão-branco e diversos outros ingredientes (as receitas variam muito).

Latkes Espécie de panqueca feita com batata ralada, ovos e farinha de trigo e fritas em óleo vegetal. Prato popular nas comunidades judaicas asquenazitas e em Israel.

Borscht Sopa à base de beterraba, que pode ser servida quente ou fria, com creme azedo. É popular em países do Leste Europeu como Ucrânia, Polônia, Rússia e Romênia.

Pastrami Carne de peito bovino condimentada, curada, cozida e defumada. Surgiu para conservar um corte menos nobre da carne bovina e acabou virando prato muito apreciado. É servido em sanduíches, sempre fartos, com mostarda. Ou, às vezes, com salada de ovos.

>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 16/4/2015

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