PUBLICIDADE

Bebida

Gelo cristalino é lindo, mas não obrigatório

Por Daniel Telles Marques

Fotos: Thiago Queiroz/EstadãoFoto:

O gelo opaco virou o bode expiatório dos coquetéis. Faltou equilíbrio ali, sobrou sabor acolá e a pedra de gelo assume o ônus do bebedor insatisfeito. Aos fatos: gelo transparente é o ideal, mas um gelo opaco bem feito não estraga coquetéis.

Marco de La Roche, mixologista e consultor, vê um “preciosismo exagerado” em alguns casos sobre gelos. “No dia que eu vou tomar um bloody mary ou mojito, me interesso muito mais em ser bem atendido pelo bartender, com carisma, atenção e qualidade, do que saber se ele vai me servir um gelo com 30% de translucidez”, diz. “Usar o gelo mineral, translúcido, para fazer um dry martini, faz sentido, mas se você usa esse gelo para um bloody mary, que além do suco de tomate tem temperos, não vai fazer tanta diferença”.

Fotos: Thiago Queiroz/Estadão 

Gelo transparente dura mais tempo no copo, explica o bartender e químico Alex Mesquita, do Paris Bar, no Rio de Janeiro. Seus cristais são mais estáveis e como não há bolhas de oxigênio internas, tendem a não rachar, preservando a área de contato. A dissolução mais lenta gela o coquetel sem despejar muita água nele. E, gelado, o álcool fica menos perceptível na boca, dando a chance dos outros sabores aparecem mais. “A depender do drinque, eu preciso que o gelo transfira calor para o líquido sem diluir”.

A complexidade fugaz do dry martini, por exemplo, requer um gelo resistente o suficiente para gelar o gim com o mínimo de diluição, sem interferir no estrelismo dos ingredientes da bebida. Já em um mojito, o gelo de derretimento rápido é mais indicado porque o espírito do drinque é mais descontraído e refrescante.

PUBLICIDADE

Estratégia. “Um bom gelo depende do drinque em que ele vai”, diz Spencer Jr., do Frank. É o que os bartenders mundo a fora chamam de “estratégia de dissolução”. Ou seja, a intenção calculada do derretimento da pedra: se ela deve resistir até o final do drinque ou derreter mais rápido para diluir a bebida.

Maurício Barbosa, do Isola, tem um dos gelos mais transparentes e resistentes da cidade, feito ao longo de seis dias de congelamento a – 17°C. Cortados à mão, os cubos vão nos negronis e old fashioneds da casa, afinal, gelo de qualidade é questão de coerência. Se os clientes estão dispostos a pagar até R$ 40 por drinque, o gelo deve estar a altura.

“No Japão, Estados Unidos e Londres, o gelo cristalino virou um padrão. Aqui ainda não é”, diz Spencer. Fora casas dedicadas à coquetaleria, é comum ver gelo de posto (aquele cilíndrico, com um furo no meio) na grande maioria dos copos da cidade. “Só os clientes mais acostumados com drinques, reconhecem quando o gelo é bom”, diz Barbosa.

Há quem defenda a transparência por também associá-la à pureza, apesar de não haver consenso científico sobre o assunto. Mesmo com a argumentação sobre os benefícios da transparência, uma coisa é evidente: o cubo claro tem grande impacto visual – aspecto que todo bom barmen preza. Há também outro consenso: gelo bom vem de água boa. Ela é no mínimo filtrada, mas há quem defenda o uso de água mineral, para fugir do gosto do cloro. “A água de São Paulo está com mais gosto de cloro, é preciso fervê-la para ele evaporar um pouco”, explica Spencer.

>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 28/5/2015

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE