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Bebida

‘Madeira deve respeitar vinho’

O francês Nicolas Vivas é diretor do centro de pesquisa da tanoaria Demptos, criado em parceria com a Universidade de Bordeaux, e Ph.D. no uso de barricas de carvalho para vinhos. Desde 1991, dedica-se ao estudo das interações entre a madeira dos barris e a bebida. Uma das maiores autoridades no assunto, ele conversou com o Paladar em São Paulo, durante prova de cachaças envelhecidas em madeiras brasileiras.

‘Madeira deve respeitar vinho’Foto:

Muitos produtores estão abolindo o uso das barricas de carvalho. É só moda ou realmente há exagero no uso dessa madeira? O que as pessoas querem é que a madeira marque menos o vinho, que o carvalho respeite a expressão do vinho. A tendência atual é a integração entre madeira e vinho. O degustador não pode perceber onde está a madeira e onde está o vinho, deve haver um casamento. Hoje se usa pouco carvalho. Em média, apenas 3% dos vinhos produzidos no mundo passam por barricas de carvalho e cerca de 15% dos vinhos sofrem influência de chips (lascas de carvalho usadas como infusão no vinho), uma solução mais barata. Isto é, mais de 80% dos vinhos produzidos não passam por madeira.

Nicolas Vivas: “mais de 80% dos vinhos hoje não passam pelos barris”. FOTO: Marcel Miwa/Estadão

A origem do carvalho influencia as características do vinho? A barrica é a universidade do vinho. Uma boa universidade é capaz de formar bons profissionais. Uma boa barrica é capaz de aprimorar um bom vinho. Uma barrica de carvalho americano, por exemplo, ressalta um lado mais teatral e eloquente da bebida. O carvalho das grandes florestas da França é sério, austero, exige maior personalidade do vinho. Na Europa Oriental as madeiras são mais simples, fáceis de integrar, não causam profundas alterações.

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Outras madeiras substituem bem o carvalho? Sim. A amburana, por exemplo, deixou uma marca interessante na cachaça que estamos provando, a textura aveludada e bons aromas de especiarias. Acharia interessante testar essa madeira em vinhos. Entre as que já conhecemos, a acácia é bastante floral. Para um vinho branco ou de sobremesa, pode ser extraordinária. A Chardonnay e a Sémillon são variedades que ganham com o estágio em acácia. Já comprovamos isso. O problema é que as florestas de acácia são jovens e os troncos ainda não têm diâmetro suficiente para fazer as tábuas para barricas.

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A aplicação pode ser a mesma do carvalho? Assim como no caso do carvalho, é preciso saber usar a acácia: fazer a fermentação do mosto já nas barricas beneficia a integração entre os componentes, o vinho ganha tempo para “digerir” a madeira.

Que outras madeiras funcionariam? Além do carvalho e da acácia, o eucalipto tem se revelado interessante para amadurecer os vinhos, pois os taninos dessa madeira são muito semelhantes aos do vinho.

Quais as diferenças entre tintos e brancos na barrica? Um tinto, em geral, tem maior capacidade de integração com a madeira. Assim, pode-se fermentar o vinho em recipientes neutros e em seguida colocá-lo em barris de carvalho. Já com os brancos é diferente, pois sua composição é mais simples, menos rica. O potencial de absorção da madeira é menor. Assim, fermentar diretamente nas barricas facilita o trabalho.

É possível perceber numa degustação qual tanino é da uva e qual é da madeira? Só na vinícola, pois é possível distinguir os taninos apenas nos dois primeiros meses em que o vinho está em barrica – no início, há uma extração intensa dos taninos da madeira; depois disso eles serão oxidados e o lado duro vai desaparecer. Em um vinho engarrafado, não dá para distinguir taninos da madeira e da uva.

E num laboratório? Quimicamente, em um laboratório, é possível. Os dois taninos são de grupos moleculares completamente diferentes.

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A FAMÍLIA CARVALHO

Degradê. Carvalho pode ter diferentes níveis de tosta. FOTO: Marcel Miwa/Estadão

Dá próxima vez que você vir um sujeito levantar o nariz da taça e exclamar ‘chocolate!’ ou ‘baunilha!’, poderá deduzir que o vinho em questão amadureceu em barrica. E, dependendo da associação aromática que o sujeito fizer (como as duas acima), dará para saber até qual era o carvalho do barril.

As características – aromas e sabores – que a barrica empresta ao vinho dependem da espécie de carvalho, do local onde está plantado, do processo de secagem e tosta e até do tamanho do barril. Mas, acima de tudo, dependem do clima e da espécie.

O carvalho americano (espécie Quercus alba) dá ao vinho aromas de coco e baunilha. Já as espécies da Europa (dominam Quercus petraea e Quercus robu) aportam mais taninos e aromas de especiarias. No início dos anos 1990, em plena moda da madeira, algumas vinícolas adotaram o artifício de jogar pedaços de madeira (chips) no vinho para intensificar a “sensação” de madeira sem arcar com os custos da barrica. Por muito tempo a prática foi proibida, mas em 2005, a União Europeia liberou seu uso em vinhos com classificação de vinho regional (vin de pays).

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>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 06/11/2014

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