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Bebida

Nos EUA, paga-se caro pela 'água crua', sem tratamento

Americanos defensores da nova moda dizem que a 'água crua' contém bactérias benéficas, mais frescor e 'sensação agradável na boca'. Os opositores dizem que ela apenas traz risco de doenças e contaminação

A Opal Springs Water vende "água natural", sem tratamento, em galões. Foto: Leah Nash|NYTFoto: Leah Nash|NYT

The New York Times Na Rainbow Grocery, em São Francisco, Califórnia, um tipo de água é tão procurado que está frequentemente em falta. A embalagem de vidro de 10 litros dessa "raw water" ("água natural", ou "água crua", na tradução literal) – não tratada, não filtrada, não esterilizada, vinda diretamente da fonte, engarrafada por uma pequena empresa chamada Live Water – custa US$ 36,99, com refil, US$ 14,99.

"Ela tem uma suave ponta de doçura e dá uma sensação agradável na boca, mantendo o sabor natural", disse Kevin Freeman, gerente da loja. "Foge totalmente do padrão comum."  

Aqui na Costa Oeste, e em bolsões em todo o país, muita gente vem tentando sair da água canalizada ou industrializada. Startups como a Live Water, do Oregon, e a Tourmaline Spring, do Maine, surgidas em anos recentes, fornecem por encomenda água não tratada. Uma empresa do Arizona, Zero Mass Water, que instala sistemas domésticos para coleta de água diretamente da atmosfera, aceita pedidos de instalação de todo o país. Ela já levantou US$ 24 milhões em investimentos. 

A Opal Springs Water vende "água natural", sem tratamento, em galões. Foto: Leah Nash|NYT

Liquid Eden, uma loja especializada em águas que abriu em San Diego, Califórnia, há três anos, oferece uma variedade de opções que incluem água sem flúor, água sem cloro e uma água mineral “eletrolicamente alcalina”, vendida a US$ 2,5 o galão (3,8 litros). Trhsha Kulhmey, a proprietária, disse que sua loja já vende cerca de 900 galões de por dia e as vendas dobram ano a ano, à medida que cresce o "movimento de consciência pela água". 

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O que os adeptos da tendência têm em comum é a desconfiança com a água tratada, particularmente com o flúor que é adicionado e com os canos de chumbo pelos quais uma parte dela passa. Eles argumentam que a filtragem errada remove minerais benéficos e mesmo a tradicional água engarrafada de fonte é tratada com luz ultravioleta e ozônio, passando ainda por filtros para a eliminação de algas. Segundo eles, isso tudo mata bactérias úteis – "probióticos". 

A procura por água natural não é novidade. As pessoas bebem de fontes e coletam água de chuva desde tempos imemoriais. Já a cruzada contra a adição de flúor nas redes de água começou nos anos 1950, entre americanos que viam como perigosas as medidas adotadas para proteger a população de doenças e contágio. 

Mas o movimento pela água em estado natural deixou de ser o fenômeno marginal que já foi e hoje utiliza marketing sofisticado, tem endosso cultural, capta milhões de dólares em investimentos e reúne adeptos influentes no Vale do Silício. 

Numa manhã recente nas colinas de Berkeley, Califórnia, Cody Friesen, fundador e executivo da Zero Mass Water, inspecionava os painéis de coleta de água que instalou para um investidor de sua empresa, Spkit Battle, ex-professor que agora participa dos conselhos administrativos da Linkedln, da Netflix e da OpenTable.

Sistema de coleta da Zero Mass Water em uma casa em Oakland, na Califórnia. Foto: Jim Wilson|NYt

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O sistema de Friesen – chamado Source (Fonte) – é vendido por US$ 4.500, incluindo a instalação. Extrai umidade do ar (como os grãos de arroz fazem nos saleiro) e a filtra, produzindo cerca de 10 litros de água por dia e com capacidade de armazenamento de 60 litros. O objetivo, diz Friesen, é produzir "água de alta qualidade, totalmente desconectada da infraestrutura geral".  "Encha os pulmões de ar e pense um pouco", sugere Friesen, que lecionava ciência dos materiais na Universidade do Estado do Arizona. "Não importa se você é rico ou pobre, pode sempre respirar e ser dono do ar que respira. Á água, no entanto, tem de ser fornecida pelo governo."

A instalação montada para Battle usa energia de um pequeno painel solar anexo e a água produzida vai um reservatório no jardim, no qual Battle se abastece. Ele só bebe essa água e só cozinha com ela. Battle serve-se de um copo. "Água de torneira ou engarrafada não é tão refrescante", afirma. 

Um dos mais conhecidos defensores da água natural é Doug Evans, empresário do Vale do Silício. Em setembro, depois que suas produtora de sucos pararam de funcionar, ele entrou num processo autodexintoxicação de dez dias tomando apenas Live Water. "Desde então, não tomo água encanada", diz. 

Sistema de coleta da Zero Mass Water em uma casa em Oakland, na Califórnia. Foto: Jim Wilson|NYt

O fundador da Live Water, Mukhande Singh, acredita que toda água da rede pública está envenenada. "Ao tomar água encanada, você está tomando água de descarga acrescida de drogas anticoncepcionais, cloro e flúor", afirma. "Podem me chamar de teórico da conspiração, mas flúor é uma droga de controle mental que não traz nenhum benefício aos dentes." (Não há evidência científica de que o flúor atue no controle da mente e há muitas evidências de que ele ajuda a preservar a saúde dental.)

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"O que os defensores da água natural veem como perigo na verdade são importantes medidas de segurança", contra-argumenta o médico Donald Hensrud, diretor do Healthy Living Program da Clinica Mayo em Rochester, Minnesotta. "O não tratamento da água traz riscos agudos e crônicos para a população, entre eles a possível presença de bactérias E. coli, vírus, parasitas e componentes cancerígenos.”

/ TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

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