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Bebida

Nova safra de enólogos brasileiros: jovens, eles querem trazer o vinho para o dia a dia

Na casa dos 30 e 20 anos a nova geração de enólogos brasileiros comanda os trabalhos nas grandes vinícolas nacionais, eles apostam no terroir nacional e querem trazer o vinho para o dia a dia do brasileiro, conheça a suas trajetórias

Frescor. Monica Rossetti, 33 anos, que se divide entre a Itália e o Brasil. Foto: Daniel Teixeira|Estadão Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Idade é documento no mundo do vinho. Para começar, a bebida é milenar. Têm prestígio as uvas que vêm de videiras velhas, os vinhos que envelhecem antes de entrar na garrafa e os de longo potencial de guarda. Para conhecer bem os vinhos, é preciso litragem, algo que se acumula com o tempo; os maiores entusiastas da bebida ostentam décadas de prática – e copo. Assim, é comum ouvir que o universo do vinho é “velho”, sem a efervescência – com o perdão do trocadilho – da cerveja. 

Mas não se engane, isso está mudando no mundo todo e também no Brasil: há uma juventude tomando de assalto a produção vitivinícola nacional. Num giro pelo Sul do País, a reportagem conheceu diversos profissionais na casa dos 20 e 30 anos, muitos com já quase uma década de experiência, ocupando posições-chave em vinícolas.

Frescor. Monica Rossetti, 33 anos, que se divide entre a Itália e o Brasil Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Essa nova geração tem como missão primeiro tornar o vinho mais acessível, mais cotidiano, menos empolado. Depois, fortalecer a personalidade de tintos, brancos e espumantes, ao buscar autenticidade de cepas e terroirs. 

Mas qual é o mistério do rejuvenescimento do vinho nacional? Parte se explica por uma escola técnica da cidade gaúcha de Bento Gonçalves, onde muitos integrantes da nova geração de enólogos brasileiros iniciaram seus estudos aos 15 anos, antes mesmo de ter a idade legal para beber. De lá, foram para cursos superiores de enologia – já há oito no País, sendo seis no Rio Grande do Sul – e para estágios no exterior. Ao voltar, tornaram-se a mão de obra especializada que faltava para que produtores de uvas passassem a vinificar seus próprios vinhos. 

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É o caso de Monica Rossetti (33 anos), da Lídio Carraro, de Bruna Cristófoli (29 anos), da Cristófoli Vinhos, e André Larentis (26 anos), da Larentis, cujas histórias você vai ler nesta edição. 

Há também no cenário a passagem natural do comando de algumas vinícolas familiares para as novas gerações, algo bastante comum no exterior. A Valduga anunciou o início da transição administrativa neste ano. Já na Salton, a nova geração atua também no que vai dentro da garrafa: Gregório Salton, 27 anos, após estudar e trabalhar na Argentina, passou a integrar a trinca de enólogos-chefes da casa.

A nova safra do vinho brasileiro Foto: Alex Silva|Estadão

E há também as vinícolas que já nasceram com jovens no comando, como a recém-lançada Capoani, que tem Tiago Tonini, 34 anos, à frente de sua cantina, ou as empresas tradicionais que contratam jovens para projetos específicos, como a Miolo, que colocou o português Miguel Angelo Vicente Almeida, 37 anos, à frente da Quinta do Seival, na Campanha Gaúcha.

Para a Associação Brasileira de Enologia (ABE), esse rejuvenescimento está ligado ao desenvolvimento do setor. “Há uma renovação na enologia brasileira pela necessidade das empresas por maiores controles e cuidados. O enólogo não se dedica só à elaboração do vinho, pode assumir outras funções – o controle analítico e de insumos”, diz o presidente da ABE, Juliano Perin.

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Por frequentemente estagiarem no exterior, os jovens enólogos trazem conhecimento teórico-acadêmico e experiência prática do que é feito noutras partes do mundo. “Vivemos uma fermentação fora dos tanques no Brasil: jovens com poder de decisão, desenvolvendo um trabalho sério”, diz Monica Rossetti, da Lídio Carraro.

AS CARAS DA NOVA SAFRA

MONICA ROSSETTI, 33 anos e 31 vidimas 

Aos 33 anos, Monica Rossetti já tem 31 vindimas no currículo. O número, comum a enólogos na faixa dos 50, 60 anos, é explicado por uma matemática simples: desde os 18 anos ela trabalha no Novo Mundo e no Velho Mundo, num total de duas safras por ano. Monica é da turma que tirou o passaporte para o universo vitivinícola cedo, aos 15 anos, quando entrou no ensino médio técnico em enologia.

Aos 17, foi fazer graduação na área e conseguiu o primeiro emprego: integrante do controle analítico da Chandon, em Garibaldi (RS). No último ano de faculdade, viajou pela Europa e pela América do Sul para fazer vindimas, numa imersão total. Ao voltar, concluiu o curso com um projeto que indicava uma vinificação específica para diferentes parcelas de um mesmo terreno e que lhe rendeu não só o primeiro cargo de enóloga-chefe, mas o conceito de uma vinícola, a Lídio Carraro, que ela ajudou a fundar seguindo a ideia do que chama de “filosofia purista”. “Não fazemos correções químicas, e buscamos a essência do território numa viticultura de precisão”, afirma. Lá, nem barricas são permitidas. “Se a gente cozinhar um vitelo como fazem os franceses, não vamos nos destacar. Eles já são grandes. Agora, se fizermos o nosso churrasco, aí, sim, vamos ser diferentes e ganhar respeito”, diz.

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O trabalho de conclusão de curso a levou também à Itália, à badalada Ferrari Trento, produtora de espumantes que adotou os parâmetros definidos pela pesquisa de Monica e a inseriu no mercado europeu. Dez anos depois, ela mantém a consultoria, assina os vinhos de autor da Cascina Eugenia, no noroeste italiano, e da Lídio Carraro, seu “xodó”. Toca ainda outros cinco projetos na Itália.

Sua vida é dividida entre o Vêneto, onde tem uma casa, e Bento Gonçalves, no Brasil. Mas não pense que foi fácil. Por ser jovem, mulher e brasileira, ela encontrou resistência em diferentes momentos da carreira. Ainda neste mês, em uma apresentação em Roma, foi recebida com desconfiança. “Até que eles assistiram a toda a explicação sobre a nossa história de produção de vinhos. Ficaram impressionados.”

Monica hoje faz mestrado na Itália em viticultura, enologia e mercados vitivinícolas. Nesta semana, no estande da Lídio Carraro da Expovinis, em São Paulo, apresenta pela primeira vez o projeto do Pax, vinho de guarda da Olimpíada, e lança o Coletânea, um corte de cinco cepas de 2008.

BRUNA CRISTÓFOLI, 29 anos

Bruna Cristófoli impressiona. Aos 29 anos toca com mão de ferro a vinícola que tem o sobrenome da família. Além de assinar o catálogo, cuida de toda a parte administrativa da casa e a transformou em endereço do roteiro de charme do enoturismo de Faria Lemos, no Rio Grande do Sul. Como se tivesse algumas décadas a mais de vida, já prepara “a nova geração”, o irmão e a prima, para assumir algumas de suas funções. 

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Cansa só de pensar, mas tem mais: Bruna toca outra empresa, a Four Trees, que representa célebres fabricantes de rolha e de barricas, como as portuguesas Amorim e a J.M. Gonçalves, no Brasil. Entre seus clientes estão gigantes como a Ambev e a Pernod Ricard.

Bruna Cristófoli, 29 anos toca com mão de ferro a vinícola que tem o sobrenome da família Foto: Divulgação

Bruna começou cedo. Acompanhava o trabalho na vinícola “caseira” da família, ajudava a limpar as pipas e tudo o mais. Aos 14, prestou “vestibulinho” para a escola técnica de enologia de Bento Gonçalves e saiu de casa. Fez faculdade, estagiou na Itália e na Alemanha, viajou pela América do Sul.

O resto é história e muito conflito de gerações: tudo o que aprendia tentava implementar na vinícola familiar e a coisa ficava feia. “Por sorte eu grito bem alto”, afirma. Hoje, ela garante, tem a palavra final. “Eu meto o nariz em tudo e estou lá até o pescoço”, conta.

Para o futuro, diz sonhar em começar do zero a própria vinícola.“Cada idade tem seu prazer”, afirma ela, com ares de sábia vovozinha entre os ferros de seu aparelho ortodôntico.

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GREGÓRIO SALTON, 27 anos

Não se espante: embora ele tenha o rosto de quem não tem idade legal para beber, já faz vinhos há pelo menos quatro anos. Aos 27, Gregório Bircke Salton é um dos três enólogos-chefes da empresa que leva seu sobrenome. É dele o projeto do recém-lançado Malbec Classic, feito em colaboração com o grupo argentino Peñaflor.

A influência é clara: Gregório formou-se em Mendoza, na Universidad Juan Agustín Maza, e trabalhou em duas vinícolas da região antes de voltar à da família. Diz que não “chegou chegando” à Salton; passou por um processo lento de prospecção de todas as áreas antes de assumir posição de destaque. “Não é porque tu é Salton de sobrenome que tu vai chegar e ter tudo na mão”, conta ele, com sotaque gaúcho marcado.

Aos 27, Gregório Bircke Salton é um dos três enólogos-chefes da empresa que leva seu sobrenome. Foto: Divulgação

Por um ano, trabalhou em diferentes projetos ainda a serem lançados (entre eles, o de chás gelados) e saiu para fazer mestrado em gestão de vinícolas na Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) em conjunto com a Universidade de Montpellier, na França. Viajou por mais de 20 países onde visitou vinícolas icônicas como a Opus One, nos Estados Unidos, e o Château Cheval Blanc, na França.

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Voltou com a certeza de que o Brasil precisa se especializar mais. “Não estou dizendo que é para termos denominações de origem de cinco hectares, mas precisamos entender cada terroir para dar ao consumidor brasileiro e ao estrangeiro vinhos específicos, bem pensados e trabalhados.”

ANDRÉ LARENTIS, 26 anos

O primeiro vinho que André Larentis fez, aos 12 anos, foi fruto de um furto. Sem que os adultos notassem, com a ajuda do irmão caçula surrupiou uvas e leveduras e promoveu a fermentação em duas garrafas pet. Uma delas foi aberta na formatura da graduação em enologia. A outra ainda estagia em plástico.

André Larentis, aos 26, assina os vinhos produzidos pela vinícola da família, a Larentis, no Vale dos Vinhedo Foto: Divulgação

Hoje, aos 26, assina os vinhos produzidos pela vinícola da família, a Larentis, no Vale dos Vinhedos. Faz desde o Merlot e os espumantes famosos na região até varietais de uvas menos célebres, como Ancellotta e Teroldego, comum no Trento, região italiana de onde vem a família.

Larentis faz o caminho de muitos de sua geração: cursos e visitas técnicas a vinícolas pelo mundo. Mas falta um passo, o estágio no exterior. “Busco um mentor.” No mundo ideal, o passo seria dado em Champagne, na França.

Enquanto a hora não chega, segue na rotina da vinícola, com o pai e tios, supervisionados pelo avô Cilo, 84 anos, 70 safras. “Peguei o bonde andando”, diz, sobre a relação da família com as uvas, produtores históricos que passaram a vinificar quando André tinha 11 anos. “Tenho uma responsabilidade maior.” Afinal, é ele quem hoje dá destino à matéria-prima cultivada por gerações anteriores.

SEM MODÉSTIA ELES INDICAM SEUS VINHOS

Conheça alguns rótulos produzidos pela nova geração

PARA FICAR DE OLHO

JOVENS QUE PROMETEM 

Aos 25, Jhonatan Marini, comemora 10 anos de Casa Valduga. Entrou no ano em que começou o ensino técnico de enologia, passou por todas as áreas imagináveis na empresa, da rotulagem à recepção dos turistas. Hoje, montou e toca o núcleo de pesquisa e desenvolvimento da Valduga, além de manter produção caseira de vinhos. Já conta seis safras trabalhadas no apartamento de 121 m2 que divide com um amigo – também enólogo, claro.

Aos 25, Jhonatan Marini, comemora 10 anos de Casa Valduga. Foto: Divulgação

Tiago Tonini, de Farroupilha (RS), acaba de assumir o maior desafio de sua vida profissional, a assinatura dos vinhos da recém-lançada Capoani. Nascido em família produtora de uvas de Farroupilha, fez o mesmo caminho de muitos de sua geração: ensino técnico e graduação em enologia. Aos 29, foi chamado para fazer vinhos em Monte Belo; tem dado foco a espumantes e ao Tannat, “melhor surpresa da região”.

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