Um colega fazia tese sobre os terroirs do Rhône e ele era convidado para degustações, por pura camaradagem. Por razões que nem ele sabe explicar direito (tudo isso contou no ano passado, numa palestra aqui em São Paulo, onde ria e fazia rir de seus infortúnios) foi explorar buracos, ver o perfil geológico dos solos e sua influência nos vinhos, descobrindo sua importância.
Voltou para casa e, como uma gata borralheira do sax, tornou-se o mais respeitado consultor de terroirs do continente e um dos principais do mundo. Na verdade, ele praticamente inventou a profissão, intitulando-se wine terroir consultant.
Seu portfólio de clientes inclui grandes nomes de Mendoza (Chakana, Zuccardi, Las Hormigas, Flichmann) e do Chile (Montes, Lapostolle, Concha y Toro, Ventisquero, Amayna, De Martino). Quando estive em Mendoza, ano passado, encontrei-o com Sebastián Zuccardi, cobertos de terra. Passam os dias dentro de valas naturais ou que eles mesmos cavam. Plantam em todos os diferentes tipos de chão: argiloso, calcário, arenoso, argilo-calcário, todos. E experimentam o resultado. É trabalho duro, de tentativa e erro e muita paciência. Mais ou menos o que fizeram os monges cistercienses na Borgonha de muitos séculos atrás. A conclusão também é parecida: aquele pedacinho de terra ali é bom para brancos, este daqui para Pinot e uns metros adiante, Malbec. E o Pinot daqui é completamente diferente do que brota ali, mesmo que haja um espaço de meros centímetros entre uma planta e outra. O mistério das raízes em contato com o chão.
Inevitável que um apaixonado por tais nuances geológicas acabasse fazendo vinhos. Com três sócios fundou o Clos des Fous, algo como a vinícola dos doidões. E foram atrás de terroirs extremos do Chile, pouco explorados. As garrafas trazem nos rótulos: “Clos des Fous é a aventura de quatro amigos que decidiram plantar vinhedos em locais inóspitos, frios e imprevisíveis nas áreas do sul do Chile, ignoradas por outros vinicultores”.
Três desses rótulos chegam ao Brasil agora, importados pela Ravin (tel. 5574-5789) e foram os que provei para a coluna: um Cabernet Sauvignon de Alto Cachapoal (R$ 118), um ótimo Chardonnay de Alto Cachapoal (R$ 118) e Latuffa, um fantástico Pinot de Traiguén (R$ 198).
No seu site, Parra (cujo sobrenome traduzido quer dizer parreira, confirmando o destino que os nomes emprestam aos seus portadores) avisa que continua tocando sax. Ou seja, quem preferir música ao vinho, pode optar por ouvi-lo no trio de jazz. Eu fico com o Pinot.
Clos des Fous Latuffa 2010 Pinot Noir - Favorito Pinot não sabe brincar. Mesmo na Borgonha oscila bastante. O sonho do Novo Mundo é fazer bom Pinot. Raros conseguem, lembro de alguns da Nova Zelândia e uns poucos da Patagônia, com destaque para os da Chacra. Pois eis um Pinot que entra na lista dos bons. Muita tipicidade no nariz, acidez adequada, delicadeza e toque mineral e sanguinolento como deve ser. Um belo vinho.
Clos des Fous Chardonnay 2010 – Muito Bom Uma delícia, fermentado metade em inox e metade em carvalho, mantém o frescor e a mineralidade sem ficar gordo pela madeira. Muito fino, já entra para a lista dos grandes Chardonnays sul-americanos, bem longo na boca.
Clos des Fous Cabernet Sauvignon 2010 – Bom Nariz expressivo, notas de cacau e tostado. Um pouco decepcionante perto dos outros. É bom sem ser notável, levíssimo amargor final não atrapalha, dá até charme, mas, do trio, é o menos saboroso.
Veja todos os textos publicados na edição de 18/10/12 do Paladar