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Bebida

Reforma vinográfica

Falar simplesmente em ‘vinho chileno’ é desconhecer a riqueza das uvas desse país que nasceu desafiando o Pacífico e os Andes. Uma nova carta vinícola do Chile está surgindo para pôr cada terroir em seu justo lugar

Reforma vinográficaFoto:

Por Marcel MiwaEspecial para o Estado, do Chile

Num cenário vinícola sujeito a tantas influências como o chileno, seria tão impreciso definir um estilo de vinho apenas dos Andes como pensar que os vinhos do Maipo se encaixariam em um único gabarito. Quando se cruzam as zonas norte-sul com leste-oeste, entretanto, se consegue um retrato mais preciso de como será o vinho. Não se pode esquecer, porém, que a região é apenas uma parte do tripé para conhecer a bebida antes da compra. O produtor e a variedade da uva são os outros dois critérios básicos para avaliar.

No litoral, predominam as castas brancas Chardonnay, Sauvignon Blanc e Riesling, e as variedades tintas de clima frio, como Pinot Noir e Syrah (costuma-se usar o termo Syrah para descrever a expressão francesa da casta em clima frio, e Shiraz para a tipicidade australiana, de clima quente). Os brancos são normalmente cítricos, minerais (em alguns casos, salinos) e frescos. Já os tintos têm taninos marcantes, porém em menor volume. São frescos, pouco concentrados e têm notas florais. Bom exemplo do estilo é o Casa Silva Cool Coast Sauvignon Blanc 2012, Colchagua (R$ 112, na Vinhos do Mundo). O vinho é praticamente transparente, com toques cítricos, textura levemente untuosa e boa acidez. Outro representativo é o Volcanes de Chile Tectonia Pinot Noir 2012 – Bío-Bío (R$ 109, na Zahil), que tem fruta elegante, mais ácida que doce, textura delicada, com ótimo frescor e toque salino.

Na zona Entre Cordilheiras, calor e luminosidade resultam em vinhos potentes, com taninos austeros e menor acidez – em muitos casos, algum tempo na garrafa pode equacionar taninos e concentração. Bom exemplo ali é o Casa Lapostolle Canto de Apalta 2011, Colchagua (R$ 100,98, Mistral), frutado potente e maduro, com toques de especiarias, taninos finos e bastante intensos e boa acidez. Outro rótulo interessante produzido na região é o Santa Carolina Reserva de la Familia Carmenère 2010, Rapel (R$ 84,64, Casa Flora). Em vez das notas herbais que costumam incomodar nos Carmenères, aparecem frutas vermelhas maduras. Longe de ser um blockbuster, é límpido, com bom equilíbrio entre taninos-acidez-concentração.

Os vinhos produzidos nos Andes são geralmente aromáticos, com expressão da fruta bem definida, taninos redondos e acidez equilibrada. Exemplo? Ribera del Lago Sauvignon Blanc Cenizas 2011, Maule (R$ 85, Magnum). Esse Sauvignon Blanc é típico de clima frio, com notas de grapefruit e limão-siciliano, ervas aromáticas frescas e toque mineral. Tem ótimo frescor. Outro rótulo representativo da zona é o Undurraga T.H. Cabernet Sauvignon, Alto Maipo 2011, Maipo (tem previsão de chegada ao Brasil em novembro, importado pela Inovini).

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O projeto Terroir Hunter, de que o colunista Luiz Horta tratou em 28/2, é destaque ali. Floral, com taninos finos, reúne concentração e complexidade. Veja no mapa ao lado o que procurar nas regiões vinícolas do Chile.

Ilustração: Daniel Almeida/Estadão

ACONCAGUA

O vale de Aconcagua, cerca de 65 km ao norte de Santiago, faz vinhos de alta qualidade – a diferença de relevo é bem marcante entre as três subdivisões de Costa, Entre Cordilheiras e Andes. O desenvolvimento do vale foi comandado por um produtor, no caso, a Viña Errázuriz. A zona dá bons tintos de Cabernet Sauvignon e Syrah no centro e nos Andes. E bons Pinots e Sauvignons Blanc na Costa.

Costa. Com vinhedos bem perto da costa (entre 7-12 km do mar), como Zapallar e Concon, a névoa invade as encostas pela manhã, controlando o calor e a luminosidade. Com isso somado aos ventos do Pacífico, que mantêm as temperaturas baixas, criam-se excelentes condições para Sauvignon Blanc e Pinot Noir. As notas de limão, certa salinidade e boa estrutura caracterizam o Sauvignon Blanc ali, enquanto notas florais e de frutas ácidas e minerais tipificam a Pinot Noir dessa zona.

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Entre Cordilheiras. O clima local favorece o amadurecimento da Cabernet Sauvignon, evitando notas herbáceas típicas da uva colhida antes da hora e deixando a variedade manifestar suas notas de frutas vermelhas maduras. Petit Verdot e Syrah, também amadurecem bem ali, especialmente a Syrah que mostra sua faceta mais frutada, com traços de pimenta-do-reino e taninos aveludados.

Andes. Além do clima mais frio, o solo pobre em nutrientes , prolonga o ciclo de maturação da uva. A grande beneficiada é a Syrah, que mostra personalidade delicada, floral, cheia de especiarias e frutas frescas. Os taninos são discretos e há ótimo frescor. Experimentos vêm sendo conduzidos com as variedades Tempranillo e Grenache.

MAIPO

FOTOS: Marcel Miwa/Estadão

Bem próxima da capital, Santiago, essa é a região vinícola mais popular do país. Atualmente, suas zonas mais interessantes estão aos pés da Cordilheira dos Andes e nos terraços ao longo do Rio Maipo, onde as condições favorecem a Cabernet Sauvignon (recentemente descobriram ali também grande potencial para a Petit Verdot). Houve um tempo em que os vinhos da região eram excessivamente herbáceos. Mas eles melhoraram. Hoje são frutados e terrosos com discreto toque abaunilhado (mas em anos mais frios pode aparecer um mentolado…). Há pouco mais de 12 mil hectares de vinhedos, mais da metade com Cabernet Sauvignon e participações menores de Syrah, Chardonnay e Merlot.

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Entre Cordilheiras. A Cabernet Sauvignon ali é mais potente e alcoólica. Em direção à Cordilheira da Costa, Malbec, Syrah e Merlot oferecem bons resultados.

Andes. As zonas de Pirque e Puente Alto são conhecidas como a “Pauillac” do Chile. A grande amplitude térmica, pouca umidade e solos ricos em cascalho, com um pouco de argila e areia, criam condições ótimas para desenvolvimento da Cabernet Sauvignon e mais recentemente da Petit Verdot e da Cabernet Franc. Desta região saem muitos dos grandes vinhos chilenos como Don Melchor, Santa Rita Casa Real, Almaviva e Viñedo Chadwick.

ITATA

No sul do país, esse vale está sendo redescoberto – a região, que nos anos 1950 somava a maior superfície de vinhedos no Chile, ainda tem muitas vinhas velhas.

Costa. Zona de brancos frescos (e aromáticos, no caso da Moscatel), tem mostrado potencial para produzir vinho-base para espumantes e tintos elegantes das castas País e Cinsault.

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Entre Cordilheiras. Ainda se encontram vinhas velhas de País, Cabernet Sauvignon, Carignan e Moscatel. Mas a área está sendo replantada com vinhedos de Chardonnay, Sauvignon Blanc e Riesling, entre as brancas, Syrah e Pinot Noir, entre as tintas.

CASABLANCA

Costa. Esse foi o precursor dos chamados vales de clima frio do Chile: umidade alta e ventos frios do Pacífico penetram o vale, trazendo névoas com alguma frequência. Os brancos exuberantes de Sauvignon Blanc e Chardonnay, com notas de frutas tropicais seguindo o modelo neozelandês, começam a ceder espaço para uvas colhidas mais cedo, que dão vinhos mais cítricos e frescos. Quase metade dos vinhedos ali é de Chardonnay. Sauvignon Blanc e Pinot Noir também se destacam.

SAN ANTONIO

Costa. Tem condições mais radicais que a vizinha Casablanca, com relevo mais acidentado e vinhedos mais perto do mar – alguns a apenas 4 km. A influência dos ventos do mar é considerável e pode dar notas marinhas aos vinhos, além de manter as temperaturas baixas mesmo no verão. O solo de rocha granítica decomposta dá mineralidade a brancos e tintos, além de taninos mais agressivos aos tintos. Quase metade dos vinhedos catalogados é de Sauvignon Blanc. Chardonnay e Pinot Noir são também importantes.

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COLCHAGUA

Colchagua é uma das regiões mais versáteis do país. A variedade de excelência ali é a Syrah. A Cabernet Sauvignon (mais plantada) e a Carmenère também são expressivas nas diferentes denominações.

Costa. Os vinhedos nas escarpas da Cordilheira da Costa têm a temperatura controlada pelo Pacífico, menor luminosidade e maior ventilação. O solo ali favorece a complexidade e a mineralidade, especialmente no Sauvignon Blanc.

Entre Cordilheiras. Zona plana e central do vale, de solo mais fértil e temperatura mais elevada. Produz vinhos potentes, maduros, de variedades que pedem calor para amadurecer de maneira adequada, como a Carmenère. Em geral são tintos intensos, com menor acidez e grande concentração.

Andes. É a queridinha da vez em Colchagua, onde fica a sub-região de Apalta, sinônimo de Syrah cheio, mas elegante, com especiarias, frutas negras e violetas. Variedades como Grenache e Mourvèdre estão sendo testadas na região.

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BÍO-BÍO

Entre Cordilheiras. Cerca de 500 km ao sul de Santiago, o vale vai apresentando condições limítrofes para a produção vinícola conforme se aproxima da Patagônia, com temperaturas baixas e ventos constantes, que retardam o amadurecimento das uvas, mas dão ótimos resultados em variedades de clima frio, como a Pinot Noir, Sauvignon Blanc e Riesling. É uma área promissora.

ELQUI

Luz e vento frio caracterizam o Vale de Elqui. Perto do Deserto de Atacama, a zona não tem a subdivisão Entre Cordilheiras. A luminosidade é intensa e os ventos frios – dos Andes e da Costa – circulam facilmente. Nos vinhos, a nota de argila é a marca dessa região. Apesar de ter vinhedos há séculos, com predominância de Syrah e Sauvignon Blanc, o foco nesse vale sempre foi a produção de pisco.

Costa. Os vinhedos estão plantados em solos com argila, areia e quartzo, o que favorece o amadurecimento. O clima mais frio agrada às brancas Sauvignon Blanc e Chardonnay e à tinta Pinot Noir. Dá vinhos pouco alcoólicos, mais frutados e algo salinos.

Andes. O solo de cascalho e a amplitude térmica, maior do que na costa, favorecem Cabernet Sauvignon, Carmenère e Syrah. Mas é a última que se expressa de forma mais singular e com maior eloquência, com taninos muito finos, notas de violeta, frutas negras e algo terroso.

LIMARÍ

Dois fatores influenciam a produção desse vale: o solo calcário e uma pequena formação rochosa na costa, de norte à sul, chamada Altos de Talinay. As uvas mais plantadas são Chardonnay, Syrah, Cabernet Sauvignon e Sauvignon Blanc.

Costa. Em Altos de Talinay, zona de solo calcário e névoas matinais, se fazem vinhos minerais e com muita sapidez (intensidade de sabor). Têm ótimo equilíbrio entre álcool, taninos e acidez e notas frutadas frescas, com destaque para Sauvignon Blanc, Chardonnay e Pinot Noir.

Entre Cordilheiras. Com vinhedos mais baixos, solo arenoso e clima mais quente, a região dá tintos mais potentes, sustentados por taninos finos e mineralidade. Além da Chardonnay, Cabernet Sauvignon e Syrah se destacam.

Andes. Zona ainda pouco explorada para vinhedos, é vastamente dedicada à extração de cobre. Aguardemos.

CURICÓ

Esse é o vale dos vinhos brancos, que abriga o maior vinhedo de Sauvignon Blanc do Chile e o segundo maior de Chardonnay (só perde para Casablanca). Foi o espanhol Miguel Torres que, nos anos 1980, apostou que esse vale úmido poderia originar vinhos elegantes. A Sauvignon Blanc ali tem destaque, com estilo frutado cítrico e herbal. Entre as tintas, predominam Cabernet Sauvignon, Merlot e Carmenère.

Costa. Solo granítico e clima frio reforçam a vocação para os brancos, com Sauvignons Blanc frutados e de álcool moderado. Entre os tintos, Pinots Noir bem frescos.

Entre Cordilheiras. Desse vale é a região com maior vocação para tintos. A maior insolação permite bom amadurecimento da Merlot e expressão elegante da Cabernet Sauvignon. A sub-região de Lontué é uma boa referência.

Andes. Solo vulcânico e clima frio fazem com que as atenções estejam concentradas nas variedades brancas, como Sauvignon Blanc, Chardonnay, Gewürztraminer e Riesling.

CACHAPOAL

A 85 km ao sul de Santiago, é uma região de menor destaque que Colchagua. Recebe ventos do oceano vindos pela Cordilheira da Costa. Tem ótimas zonas de Carmenère e de Cabernet Sauvignon. Entre as brancas, Chardonnay e Sauvignon Blanc encontram condições privilegiadas.

Entre Cordilheiras. É lugar dos mais reconhecidos Carmenères do Chile, especialmente em Peumo, sub-região próxima à Cordilheira da Costa. Os ventos da costa permitem o amadurecimento lento que essa variedade pede, sem a ocorrência de chuvas, e os solos ricos em argila suportam o vigor natural da planta.

Andes. O clima frio e seco com boa luminosidade produz Cabernets refinados, com taninos finos, bom frescor e (potencialmente) sem sobrematuração. Da mesma forma que em Bordeaux a Sauvignon Blanc também se destaca entre as variedades brancas.

MAULE

Maule tem sido cultuado pela “redescoberta” de suas vinhas velhas na região de Cauquenes. Lá, Carignan, País e Cinsault centenárias, cultivadas sem irrigação, dão o caráter da região: vinhos de “calor” – potentes, mas com deliciosa acidez e taninos marcantes e agradável rusticidade.

Costa. Variedades de clima frio, como Merlot e Pinot Noir e castas brancas se expressam melhor e com maior delicadeza.

Entre Cordilheiras. Vinhas antigas com raízes profundas se beneficiam do clima mediterrâneo extremo e conseguem produzir uvas na mesma sintonia – com intensidade de concentração, cor, taninos e acidez.

Andes. O solo vulcânico e os ventos dos Andes criam condições interessantes para brancos e tintos. Com calor moderado e ciclo das videiras prolongado, tintos com Cabernet Sauvignon e Merlot chegam em ponto ótimo de maturação, com taninos e acidez suficientes para evoluir por alguns anos. E os brancos, com Chardonnay e Sauvignon Blanc, mantêm frutado elegante, exibindo mineralidade e frescor.

MALLECO

Entre Cordilheiras. No vale mais austral do país, as condições são extremas, com muita umidade e frio intenso. Variedades que amadurecem rápido se saem melhor. Ainda assim, granizo e geada ameaçam a safra. Nas zonas mais quentes, com face norte, há ótima luminosidade, que faz aparecer a tipicidade da região: vinhos frutados ou florais, delicados, muito frescos e aromáticos. Felipe de Solminihac, da Viña Aquitania (Maipo) foi o grande empreendedor da região.

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>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 24/10/2013

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