PUBLICIDADE

Comida

A internet como ingrediente da vez

Existem pratos e preparos que vêm para ficar. Outros, apesar de bons, viram moda... e somem. O que faz de algumas receitas, até modestas, ícones mundiais? Ninguém sabe, mas um esforçado jornalista de gastronomia tenta responder

A internet como ingrediente da vezFoto:

por Rafael Tonon Especial para o Estado

O que faz com que um alimento ou técnica vire tendência gastronômica mundial ou fique apenas num modismo? É essa a pergunta que o jornalista David Sax tenta responder em seu livro The Tastemakers – Why We’re Crazy About Cupcakes But Fed Up With Fondue (Os formadores do gosto – por que somos loucos por cupcakes, mas já enjoamos do fondue, em tradução livre), lançado ano passado na América do Norte, e que acaba de ter seus direitos comprados para tradução em cinco países da Europa (ainda sem previsão de lançamento no Brasil).

Jornalista de gastronomia há mais de dez anos, Sax investiga dos pratos citados no título do livro aos movimentos de popularização por trás do sushi e do bacon. Apresenta contextos culturais e históricos sobre o (in)sucesso de algumas receitas, como o fondue, que apareceu com mais força nos anos 1980, em plena epidemia de aids na Europa, quando compartilhar potes e garfinhos não era muito bem-visto. Ou o ceviche, que, ao cair nas graças do crítico de gastronomia do Los Angeles Times, Jonathan Gold, quando ele visitou um restaurante tradicional peruano, virou febre na Califórnia e se espalhou por outros Estados americanos.

David Sax. Autor tenta estabelecer os limites entre uma tendência gastronômica mundial e um simples modismo. FOTO: Divulgação

Sax vê com bons olhos a popularização da gastronomia. “Hoje, qualquer um pode saber em segundos o que os melhores restaurantes do mundo estão servindo, quais ingredientes os chefs estão usando e acessar receitas”, afirma.

PUBLICIDADE

O jornalista, que morou em 2005 no Brasil, falou com o Paladar (arranhando algumas palavras em português) sobre mídias sociais e tendências gastronômicas.

Entrevista: David Sax, jornalista de gastronomia

Hoje, a tônica da gastronomia é querer descobrir o que vem por aí: o novo chef, o novo restaurante, o novo ingrediente. Como você vê essa necessidade por buscar sempre o novo à mesa? Estamos muito mais abertos e famintos por novidades do que há cinco ou dez anos. As informações sobre comida estão mais acessíveis e democráticas que nunca. O Brasil é exemplo perfeito disso: o advento da nova classe média resultou em milhões de pessoas que agora têm tempo, dinheiro e interesse em viajar e provar novos alimentos, consumir artigos e receitas e dezenas de programas de culinária. Essa necessidade está diretamente relacionada a um maior poder aquisitivo e uma sofisticação do gosto. Como o interesse das pessoas em comida está indo além da necessidade de se nutrir, elas estão sempre procurando a próxima novidade.

A tendência se tornou mais importante que o próprio prato? Tendências alimentares são movidas por muito mais fatores que o simples gosto. Tanto um brigadeiro quanto um cupcake são sobremesas simples, mas o cupcake virou tendência porque se associou a moda, à mídia (apareceu em um episódio de Sex and the City), a uma aspiração de riqueza e a uma espécie de indulgência da classe média. É uma forma de se identificar com valores e ideais por trás do alimento, de vislumbrar o estilo de vida que ele carrega. A comida é só o pano de fundo para a tendência em si.

Você afirma que uma tendência gastronômica levava muito mais tempo para se dissipar há alguns anos do que hoje. Como vê o papel das mídias sociais na gastronomia? As mídias sociais têm trabalhado em duas grandes frentes. Primeiro, aceleram a propagação de ideias e tendências. O cupcake demorou mais de dez anos para migrar das grandes confeitarias para lojas especializadas. Ganhou os grandes jornais, foi parar nos blogs e depois foi catapultado pelas mídias sociais. Já o cronut, sobremesa criada por um chef pâtissier em Nova York, em poucas semanas foi parar em prateleiras do mundo todo graças a fotos nas redes sociais. Ao mesmo tempo, essas mesmas redes democratizam a cultura gastronômica. Antes, era preciso ler livros, comer nos melhores restaurantes, assinar revistas especializadas, viajar para a França, a Itália… Hoje, qualquer um pode acessar receitas e saber o que os melhores restaurantes do mundo estão servindo. Um garoto da Rocinha que quer ser cozinheiro tem o mesmo acesso ao que está sendo servido no Noma que um milionário foodie morador de uma cobertura no Leblon. E isso é ótimo!

PUBLICIDADE

O que determina que uma tendência se mantenha ou caia no esquecimento numa temporada? A força de uma tendência é determinada por alguns fatores. O primeiro: sua amplitude, se é algo realmente específico voltado para chefs, como espuma de nitrogênio líquido, ou facilmente replicável, como um capuccino ou mesmo um sushi. A produção em escala é outro fator. O açaí virou febre na América do Norte principalmente por seus antioxidantes e sua fama de saudável. Mas açaí só cresce na Amazônia, e você não pode fazer uma fazenda da fruta na Califórnia ou no Havaí. Portanto, é uma questão de oferta e demanda. Ao contrário do feijão-preto, por exemplo, que pode ser plantado com facilidade na China ou no Quênia caso a feijoada se torne uma tendência forte nesses países. Por fim, é quando a tendência é maior que a própria comida. A cultura do café expresso dominou a América a partir dos anos 1990 com as Starbucks porque a xícara de café virou um ritual que se tornou parte do nosso dia. É mais sobre o hábito de sentar para tomar um café, ou tomá-lo enquanto se caminha pela rua, que sobre o café em si. A tendência também está ligada a comportamentos regulares: do mate na praia à feijoada de sábado.

Chefs e cozinheiros são instados a criar coisas o tempo todo. Essa urgência por criações pode ironicamente nos levar a uma crise criativa? Acho impossível. Nós mal arranhamos a superfície de tudo que é possível comer no mundo, das combinações e interpretações que podem ser feitas. Especialmente em um país como o Brasil, onde a maioria das pessoas ainda tem uma dieta previsível e repetitiva. Há tantas culturas, sabores e influências que não acho que podemos estar próximos de esgotar as possibilidades à mesa.

Quais as próximas grandes tendências para 2015? Não tenho certeza do que vai ser mais forte no Brasil, mas arriscaria uma abordagem nova e mais descolada de comida chinesa por jovens chefs ocidentais. Já está acontecendo na América e acho que veremos isso em outros países, como no Brasil, onde o fluxo entre as duas nacionalidades tem se intensificado com relações comerciais e diplomáticas.

SERVIÇO | The Tastemakers – Why We’re Crazy About Cupcakes But Fed Up With FondueAutor: David SaxEditora: PublicAffairs (318 págs.)Quanto: US$ 18,92, na Amazon

>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 5/2/2015

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE