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Comida

Bisão selvagem ou bisão de pasto? Seja como for, a carne está cada vez mais popular nos EUA

O consumo da carne de bisão, animal icônico do estilo americano, tem aumentado. Com isso, dois tipos de consumidores se distinguem: os que querem carne acessível vinda de fazendas tradicionais e os que preferem a orgânica, de rebanhos selvagens

"O bisão é um símbolo icônico do estilo americano que representa força e poder.". Foto: Kristina Barker|NYTFoto: Kristina Barker|NYT

The New York Times De Atlanta, Geórgia (EUA)

O escritório de Ted Turner (sim, o empresários criador da CNN), acima do restaurante de bisão que leva seu nome, está cheio de troféus – alguns foram ganhos, outros, adquiridos. O da America's Cup (corrida de veleiros), que venceu em 1977, fica sobre um pedestal na sala de conferências; o Oscar de ...E o Vento Levou, que ficou com ele quando comprou a biblioteca de filmes da MGM, está sobre uma mesa de centro. Turner acabou de fazer 77 anos. Hoje, o bilionário que costumava ser chamado de "Mouth of the South" (A Boca do Sul) é uma versão muito mais tranquila de si mesmo, pensando menos sobre o canal de notícias 24 horas por dia que inventou e mais sobre seus 768.900 hectares de terra e no que fez para trazer o bisão – ele é o maior criador do planeta – para o prato dos americanos.

"O bisão é um símbolo icônico do estilo americano que representa força e poder." Foto: Kristina Barker|NYT

"Eu costumava satisfazer a fome de conhecimento do povo; agora, satisfaço sua fome de comida", disse ele ao se dirigir, juntamente com um repórter e uma pequena comitiva, ao Ted's Montana Grill (com casas em 16 estados norte-americanos) para mostrar os vários cortes de carne. Embora diga que come muita carne de bisão, ele optou por sopa de frango e uma saladinha. Turner, grande amante da natureza desde a infância, comprou seus primeiros bisões na década de 70, mas, por mais de dez anos, não os comia. "Eles eram meus animais de estimação. Nunca comeria meu cachorro." Na época, talvez houvesse 30 mil bisões americanos no mundo todo. (O termo búfalo, ou búfalo americano, muitas vezes usados equivocamente, são mais um apelido dado pelos exploradores franceses que chamavam os animais de "les boeufs"; no Brasil, são conhecidos como búfalos os animais domesticados de origem asiática.)

Hoje, há cerca de 500 mil bisões nos Estados Unidos. Foto: CreditKristina Barker|NYT

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Quando Turner começou a trazer de volta o bisão, a carne era mais consumida em fazendas particulares ou como um truque em restaurantes de carne de caça que não se importavam se vendiam cascavel ou iaque. Na década de 90, seu interesse fez os preços subirem, e dezenas de outros pecuaristas se juntaram a ele. Porém, uma mistura de condições de mercado e mau tempo contribuiu para a queda; a carne começou a se acumular nos freezers e muitos produtores fora à falência. Então, Turner bolou um conceito que Alice Waters e seus seguidores do Slow Food entendem bem: para salvar algo especial como o bisão americano, você tem que comê-lo. E abriu seu primeiro Ted's Montana Grill em Columbus, Ohio, em 2002, com George McKerrow Jr., o restaurateur de Atlanta que fundou o LongHorn Steakhouse. Depois de alguns tropeços (a empresa teve que fechar nove de suas 57 filiais em 2010), o restaurante de Turner voltou a se expandir, assim como o bisão. O americano médio come cerca de 25 kg de carne de vaca por ano, enquanto o consumo per capita de bisão mal chega a dois hambúrgueres. Mas hoje, um corte da carne desse animal pode valer duas vezes mais que a carne de vaca e os processadores dizem que não conseguem acompanhar a demanda.

Hambúrguer de bisão servido no Ted's Montana Grill. A carne está se tornando cada vez mais popular nos EUA. Foto: Kristina Barker|NYT

No Whole Foods (grande rede de norte-americana de supermercados que só vende produtos sem gorduras e conservantes), a carne de bisão moída é um segmento pequeno, mas de crescimento rápido, e custa US$ 24,23/kg. O filé sai por US$ 57,30/kg. O Sam's Club e os principais supermercados oferecem opções de bife, salsicha e moída. Nos pubs na Califórnia e no Colorado, hambúrgueres de bisão são quase tão comuns quanto asas de frango. Essa carne também conquistou novos fãs entre chefs sofisticados, entusiastas de caldo de ossos e os inúmeros adeptos da dieta paleo, além de pessoas menos dogmáticas que preferem uma carne saudável e com um histórico ambientalmente mais consciente. O bisão tem menos gordura do que frango ou peixe, e, se for criado em pastos, tem uma quantidade significativa de ácidos graxos ômega 3. Um novo tipo de consumidor está criando uma espécie de guerra geracional: de um lado, há a marca de Turner – fazendeiros tradicionais que alimentam sua criação com grãos e adotam o abate convencional dos animais. De outro, há aqueles que procuram a carne vermelha original dos EUA, criada com métodos o mais selvagem possível, e abatida o mais humanamente possível. Eles veem o bisão como uma fonte de proteína especial e o animal deve ser criado como parte de um sistema que restaura e preserva a pastagem. Sean Lenihan é especialista em marketing de Los Angeles que voltou sua atenção para o bisão criado livremente. Sua marca, a Honest Bison, vende carne on-line ao consumidor e para a Epic Provisions, que faz barrinhas de carne voltadas para a geração Y. Dois ex-veganos de Austin, no Texas, Taylor Collins e Katie Forrest, abriram a Epic, em 2013, produzindo barras de carnes de animais de pasto e de frutas. Em janeiro, eles a venderam para a General Mills, em um acordo avaliado em aproximadamente US$ 100 milhões.

A Epic Provisions faz barrinhas de carnes de animais de pasto e de frutas. A carne do bisão tem pouca gordura e alto teor de ômega 3. Foto: Kristina Barker|NYT

"O bisão é um símbolo icônico do estilo americano que representa força e poder", disse Katie. E sua empresa não está interessada em comprar carne de animais criados com grãos. "Parece uma coisa errada. Não queremos animais criados em confinamento", disse ela. Porém, Turner deixa claro que não tem intenção de mudar. E a carne de bisão não dá sinais de que possa ultrapassar a de vaca. Há aproximadamente 90 milhões de cabeças de gado nos Estados Unidos e apenas cerca de 500 mil bisões, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA. Desses, cerca de 60 mil são processados por ano. O gado é processado a uma taxa de 125 mil por dia, disse Dave Carter, diretor da Associação Nacional do Bisão. O bisão cresce muito mais lentamente do que o gado, mas se puderem ser engordados em pastos anuais em vez de pastagem selvagens, e depois com uma dieta de grãos nos últimos três a seis meses de suas vidas, isso ajudaria a acelerar o processo. Asseguraria também que a carne e a gordura tivessem um sabor mais homogêneo, o que ajuda os consumidores que querem um produto tão bom quanto a carne, mas com um perfil muito mais nutritivo.

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O empresário Ted Turner e o restaurateur George McKerrow Jr. Foto: Kristina Barker|NYT

Kyle Mendenhall é chef da Kitchen, que começou em Boulder, no Colorado, e agora tem restaurantes em Chicago e está prestes a se expandir para Memphis, no Tennessee. Quando recebe carne de bisão orgânico de um produtor do Colorado, trata-a como ingrediente especial. Ele pode transformar cortes suculentos em tartare, ou refogar costelas com zimbro, alecrim e pimenta e fazer um ragu. O coração às vezes vira pastrame. "Queremos que as pessoas saboreiem a pureza e a doçura. Queremos destacar a preciosidade", disse ele. No final, existirão dois tipos de bisão: um para satisfazer aqueles que querem uma refeição centrada em cerca de 100 gramas de carne de búfalo alimentado e abatido no pasto, e outro para aqueles que preferem o bisão a preço acessível, que pode ser transformado em um hambúrguer decente e saudável. Pode parecer um pouco com o mercado do salmão, onde a oferta, o preço e a preferência do consumidor deram espaço para os criados em fazendas de peixes e os selvagens. Mas, qualquer que seja o sistema, o futuro parece ser bom.

Bife de bisão servido no Ted’s Montana Grill, em Atlanta. Foto: Dustin Chambers|NYT

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