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Comida

Chawan... o quê?

- Shin, queria fazer chawanmushi. Você acha que eu acerto? - Você… chawanmushi? Hahaha. Não sei. - Não é tão difícil, é? Como você faz? - Primeiro tem que fazer o caldo. Hummm… Você… Melhor usar hondashi. - Não, Shin, eu quero fazer direito, o dashi com (alga) kombu e katsuobushi (raspa de bonito).

Chawanmushi (. Foto: Fernando Sciarra)Foto: Fernando Sciarra)
Chawanmushi ( Foto: Fernando Sciarra)

Depois de rir mais um pouco, provavelmente por achar que era melhor eu usar o tempero pronto, em pó, foi me explicando. E eu, do outro lado da linha, em plena sexta à noite, anotando num papelzinho que mais tarde se revelaria traiçoeiro.

Como a intenção era fazer o chawanmushi direito – um pretexto para estrear as cerâmicas novas que eu tinha me dado de presente –, os ovos tinham de ser os melhores disponíveis. Mas fazia tempo que não os encontrava na feirinha de produtores orgânicos. Por preguiça de acordar cedo e por uma suposta quarentena das galinhas. (É, a vendedora atribuiu o sumiço dos ovos a um “sabático” das galinhas, um período em que elas reduzem a produção e que, segundo ela, coincide com a Quaresma. Já perguntei para um monte de gente, e cada um diz uma coisa. Até agora não descobri se a história procede.)

O fato é que o relógio tocou às seis da manhã e, apesar daquele sábado cinzento que convidava à preguiça, consegui levantar. Comer é mais estimulante que se exercitar, daí conseguir acordar cedo para comprar ovos, e não para ir ao pilates.

Fui direto à barraca dos ovos e não vi nenhuma bandeja. Ia começar a blasfemar, a reclamar por ter madrugado inutilmente, quando fui surpreendida pelo sorriso da vendedora. Depois de semanas me vendo fazer cara de infeliz a cada negativa, avisou que naquele dia tinha ovos. Não os vi porque estavam escondidos sob a barraca. “Ai, finalmente! Quero uma dúzia. Uma dúzia não. Duas. Duas não. Três dúzias.” Parei por ali por temer que nas outras semanas, vai saber, ela decidisse estabelecer uma cota, sei lá, uma política de racionamento de ovos caipiras por comprador.

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Ovos caipiras da feirinha de orgânicos do Parque da Água Branca ( Foto: Fernando Sciarra)

É verdade que na mesma feira, no parque da Água Branca, há outros dois vendedores de ovos, de quem já comprei também. No início, suspeitei preferir os dela por uma questão estético-emocional. Aquele azul-esverdeado da casca – que parece, tem a ver com a raça da galinha (as da vendedora são “franga verde”) ­– faz com que eu me sinta em qualquer outro lugar, menos em São Paulo. Provavelmente não passa de uma coincidência, mas é que em qualquer escapada “rural” é com eles que me deparo. Talvez seja paranóia de ovólotra contumaz.

O fato é gosto de admirá-los, de reparar como são diferentes. Nenhum nunca é do mesmo tamanho. Nenhum nunca tem a mesma tonalidade. E, ao quebrá-los, aquela clara firme não se esparrama feito manteiga em panela quente (para não dizer, feito clara de ovo de mercado). A gema dá pra jogar para o alto, se você quiser. Ela não rompe. E, sobretudo, é deliciosa.

Bem, “ovogações” à parte, o propósito deste post é o chawanmushi, um pudim, um flan de ovos (chawan quer dizer tigela pequena e mushi, cozido no vapor). E foi por causa dele que o Shin ligou no dia seguinte para saber se tinha dado certo. Mas eu não tinha feito ainda, era para o almoço de domingo. Do alto de sua sabedoria japonesa, de chef japonês, reagiu de um jeito que eu entendi da seguinte forma: era impensável “estrear” uma receita que seria compartilhada com mais gente antes de testá-la. Ele está certo, é claro, mas não teria tempo para experimentações.

O problema foi que no domingo, quando fui olhar a receita porcamente anotada num post-it, não entendi a proporção de ovos em relação à de dashi. Algo constrangida, liguei de novo para o Shin. Tocou, tocou e nada. Fui fuçar a estante e achei uma receita no livro do Jun Sakamoto. Segui mais ou menos a proporção indicada: 250 ml de dashi e três ovos. O shoyu coloquei a olho – para falar a verdade, fico entendiada com essa coisa de seguir receita. Tomei cuidado para não enegrecer demais a mistura, como o Shin havia recomendado, e acertei o tempero com sal moído. Ficou amarelo bem intenso, por causa daquelas gemas incomparáveis – os que já provei em restaurante eram mais pálidos.

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Shin disse para usar shiitake, mas estava num dia propenso ao exagero e coloque todos os cogumelos que tinha: shiitake, shimeji, paris e eringue. E também camarão, peixe (robalo), frango (peito) e kamaboko (massa de peixe) cortados em cubinhos. (Puxa, acabei de lembrar que esqueci da cebolinha…)

Cogumelos shiitake, shimeji, paris e eringue ( Foto: Fernando Sciarra)

Demorou mais para ficar pronto do que o previsto. Quis cozinhar quatro ao mesmo tempo, e eles ficaram meio apertados na panela, no banho-maria. Ninguém aguentava mais esperar, mas ainda estavam molenga demais na superfície. Será que meu chawanmushi tinha aceitado a alcunha de sopinha? Cutuquei com a colher lá embaixo, no âmago do chawanmushi, e ele não me decepcionou: tinha cumprido seu destino de flan! Aquele surto de sopinha não resistiu à ação resoluta da concha.

Chawanmushi ( Foto: Fernando Sciarra)

Chawanmushi Rende 6 porções

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Para o dashi (caldo de peixe) 1 litro de água 7 g de alga kombu 20 g de katsuo bushi (lasca de peixe bonito)

Coloque a alga em uma panela com água e leve ao fogo, mas não deixe ferver. Junte as raspas de bonito e leve novamente ao fogo, sem, novamente, deixar que o caldo ferva. Mantenha por cerca de cinco minutos no fogo, desligue, coe e reserve o caldo.

Para o chawanmushi 9 ovos 750 ml de dashi 1 colher e meia de (sopa) de shoyu (esta é a indicação da receita do Jun… eu coloquei menos e depois acertei o sal) 6 camarões limpos 6 cubos pequenos de peito de frango 6 cubos pequenos de peixe (branco) 6 fatias de kamaboko (massa de peixe) 6 buquês pequenos de shimeji 12 fatias de shiitake 6 fatias de cogumelo Paris 6 pedaços de cogumelo eringue 6 talos pequenos (parte verde) de cebolinha

Bata os ovos com um garfo ou batedor de arame, coe e junte-os ao dashi (já frio). Em cada um dos copinhos de cerâmica, coloque um camarão partido ao meio e os pedaços de frango, peixe, kamaboko, shimeji, shiitake, Paris, eringue e cebolinha. Se as cerâmicas não tiverem tampa (o ideal é que tenham), tampe os copinhos com papel-filme, leve ao fogo e cozinhe em banho-maria. Os meus demoraram cerca de 25 minutos para ficarem prontos. O ideal é olhar de vez em quanto, até chegarem à consistência de flan (não devem ficar duros). Adoraria ter finalizado os chawanmushi com yuzu, um limão japonês delicioso e praticamente impossível de encontrar aqui, a não ser em pó (que está longe de ser a mesma coisa). Então, segui a orientação do Shin e pus raspas da casca de limão siciliano, que perfumaram de uma maneira que faz toda a diferença. E pus, por minha conta, duas gotinhas do sumo do limão também.

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