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Comida

Com gosto de manhã de engenho

Por J.A. Dias Lopes

Com gosto de manhã de engenhoFoto:

Ninguém sabe por que, mas uma das sobremesas mais representativas da doçaria nordestina se chama cartola. O doce leva banana-prata madura cortada ao meio e frita na manteiga, uma camada de queijo do sertão e uma nuvem de açúcar e canela. Há duas hipóteses para a designação.

“O nome se deve provavelmente à cor escura da canela e ao formato alto do queijo sobre a banana – que remotamente lembra a cartola”, explica a escritora gastronômica Maria Lectícia Monteiro Cavalcanti, autora de A História dos Sabores Pernambucanos (Fundação Gilberto Freyre, 2009). Outra explicação: por ter sido criada na casa-grande dos engenhos de açúcar do Nordeste, era originalmente “doce de rico”.

A cartola (o chapéu) é associada à aristocracia. Nas caricaturas da imprensa comunista do século passado, simboliza o capitalismo americano. Tio Sam, figura criada na guerra anglo-americana de 1812, nunca tira da cabeça a cartola colorida. Na inauguração de Brasília, o presidente Juscelino Kubitschek se deixou fotografar levantando a cartola em direção ao céu. Até hoje arriscamos cruzar com homens que a exibem, sobretudo nos ambientes formais da Europa: em casamentos reais, corridas de cavalo, funerais da nobreza e portarias dos hotéis de luxo. Sem falar nos mágicos que tiram coelhos da cartola.

No Brasil, a palavra também designa o dirigente de clube ou entidade esportiva. Nesse caso, a origem é mais clara do que no doce. Nas décadas de 40 e 50, trabalhou no Rio de Janeiro o chargista argentino Lorenzo Mollas. Entre outros trabalhos, lançou a primeira leva dos mascotes de times de futebol. Para o Botafogo, escolheu o Pato Donald; para o Fluminense, na época um time de dândis, o Cartola. Dali o nome se espalhou, passando a designar todo dirigente de clube ou entidade esportiva. Por último, o maior sambista da música brasileira, Angenor de Oliveira, também era conhecido como Cartola. Ganhou o apelido dos colegas do tempo de pedreiro, quando usava um surrado chapéu-coco para se proteger do cimento.

Em 2009, a cartola (o doce) foi considerada Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco, pela Assembleia Legislativa do Estado. Mas, estranhamente, não apareceu entre os 199 doces regionais catalogados por Gilberto Freyre no livro Açúcar (Instituto do Açúcar e do Álcool – MIC, 2ª edição, 1969). Mas Luís da Câmara Cascudo dedicou-lhe um verbete de três linhas no Dicionário do Folclore Brasileiro (Instituto Nacional do Livro – MEC, 2ª edição, 1962).

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A jornalista Alice Granato, ao reunir informações para o livro Sabor do Brasil (Sextante, 2011), deparou-se com uma receita de cartola atribuída ao engenho Massangana, do século 16, às margens do Rio Ipojuca, em Cabo de Santo Agostinho, a 40 km do Recife. Valeu por um aval histórico. Joaquim Nabuco, no livro Minha Formação (Martin Claret, 2012) dedicou um capítulo ao Engenho Massangana, em que descreve o local, na época pertencente a sua madrinha, d. Ana Rosa Falcão de Carvalho. Só não falou da cartola.

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