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Comida

Da Quaresma para os cardápios

HISTÓRIAS DA MESAna última quinta-feira de cada mês

Da Quaresma  para os cardápiosFoto:

Por Dias Lopes

Até meados do século passado, os católicos comiam mal e muito pouco na Quaresma – o período litúrgico de 40 dias (sem contar os domingos) que começou na Quarta-feira de Cinzas e terminará na véspera da Páscoa. Em seu transcurso, eles deviam jejuar e se abster de carnes, laticínios, ovos (especialmente gemas) e gordura animal, para lembrar os 40 dias passados por Jesus no deserto antes de iniciar a pregação.

Peixes, legumes, verduras, frutas e frutos secos estavam liberados, obviamente fora das longas horas de penitência, quando os fiéis não podiam comer nada. Com o tempo, a severidade foi relaxada. Hoje, o jejum se tornou opcional e a abstinência ficou limitada a Quarta-Feira de Cinzas e Sexta-Feira Santa. Mas a mesa de muitas famílias adeptas da religião continua regulada e monótona.

Católicos de alguns países europeus, porém, souberam mitigar as proibições, sem quebrar as regras do jejum e da abstinência. Os italianos, por exemplo. Usando legumes, verduras, frutos do mar, peixes salgados ou não, temperos, amêndoas e mel, entre outros ingredientes liberados, eles criaram receitas tão boas que acabaram incorporadas ao cardápio secular.

A palavra ‘tempurá’ é uma adaptação do termo latino ‘tempore’, que vem da expressão ‘tempo de Quaresma’. FOTO: Rafael Arbex/Estadão

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A primeira lembrada: carciofi alla cavour. O nome homenageia o político e estadista que ajudou a unificar a Itália no século 19. Também se denomina carciofi alla torinese, numa referência à cidade de Turim, onde Cavour nasceu. São alcachofras pequenas e tenras, cozidas em água com sal, depois polvilhadas com farinha, transferidas ao forno e servidas com molho de anchova e salsinha.

Na Espanha, uma das receitas do período foi o ajoblanco, sopa fria de ascendência greco-romana, típica da cozinha da Andaluzia. Leva amêndoas picadas, alho, às vezes um pouco de vinagre, pão dormido empapado em água. Os ingredientes são esmagados em almofariz de pedra até formar uma pasta branca. Então incorpora-se água, sal e se bate com azeite. Hoje, os espanhóis consideram o ajoblanco um tipo de gazpacho.

A receita mais famosa da Quaresma, porém, não surgiu na Europa, mas na Ásia, por influência dos padres jesuítas de Portugal. Foi a tempurá, bastante conhecida no Brasil. Consiste em leves e crocantes frutos do mar, peixes e vegetais envoltos em polme fino e fritos em óleo muito quente. Segundo o espanhol L. Jacinto García, no livro Comer como Dios Manda (Ediciones Destino, Barcelona, 1999), “a palavra tempurá é uma adaptação em japonês do termo latino tempore, que provém da expressão in tempore cuaresmae, ou seja, em tempo de Quaresma”.

Fontes divergentes afirmam que o nome viria na verdade das têmporas – quatro períodos de jejum e abstinência durante o ano prescritos pela Igreja Católica, um dos quais observado na sexta-feira e sábado anteriores à Quarta-Feira de Cinzas. O que vem a ser mais ou menos a mesma coisa.

Entre os séculos 16 e 17, padres jesuítas portugueses aportaram no Japão para converter xintoístas e budistas à fé cristã. Exerceram grande influência no país, inclusive na culinária. Durante a Quaresma ou nas têmporas, como deviam comer peixes e frutos do mar mandavam fritá-los, pois abominavam a tradição nipônica de comê-los crus. Os japoneses acharam que o nome do prato era tempurá e o exportaram para o mundo inteiro com essa designação. Portanto, uma das receitas mais representativas do rico e delicioso acervo culinário nipônico nasceu cristã.

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>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 26/2/2015

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