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Comida

Em defesa dos sabores amargos

Amargo não é sinônimo de ruim. Ao contrário, o gosto ajuda a balancear, dar profundidade e realçar outros sabores. Esse é o ponto de partida do novo livro de Jennifer McLagan, autora que já defendeu a gordura animal e os ossos

Em defesa dos sabores amargosFoto:

Paladina de alimentos polêmicos ou deixados para escanteio, a escritora australiana Jennifer McLagan elegeu o amargo como a bola da vez em seu novo livro, Bitter – A Taste of The World’s Most Dangerous Flavor (Amargo – O sabor do gosto mais perigoso do mundo), publicado em setembro de 2014, ainda sem edição prevista em português.

Dá para entender um pouco da pegada de McLagan seguindo a trajetória de seus livros. Bones (2005) defende cortes de carne que incluam a parte dos ossos; Fat (2008) advoga a favor da gordura de origem animal; Odd Bits (2011) mostra como aproveitar todas as partes dos animais na cozinha.

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A missão da autora em sua última publicação é “se livrar da conotação negativa que a palavra amargo carrega”, como disse em entrevista por telefone ao Paladar.

McLagan explica, porém, que a repulsa a alimentos amargos já teve razão na história humana: alguns deles têm toxinas capazes de nos matar e essa rejeição tornou-se uma defesa natural importante.

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Mas hoje não corremos perigo comendo ingredientes como radicchio, chicória, rúcula e couve-de-bruxelas. Ainda assim, em algumas culturas, como a norte-americana, o amargo tem sido apagado ou substituído. “Temos açúcar onde não é necessário”, afirma ela.

Foi com essa percepção, aliás, que a ideia de escrever o livro nasceu: conversando com uma amiga, McLagan se deu conta de que sua variedade de grapefruit preferida, esbranquiçada e mais amarga, que costumava comer na infância, estava sumida dos supermercados. “Acho que eles (comerciantes) supõem que as pessoas não vão comprar frutas ou vegetais porque são mais amargos, então esses ingredientes são substituídos”, avalia ela.

Mas e se você quiser realmente comer menos amargo? Você pode, mas para McLagan sua refeição vai ficar menos interessante. Para exemplificar, ela fala de uma receita simples, o caramelo. Ela gosta de prepará-lo deixando o açúcar um pouco mais no fogo, até que fique ligeiramente mais escuro e amargo. “Você pode fazer um caramelo bem doce se quiser. Mas quando ganha um contraponto amargo, ele fica mais complexo”, diz.

É assim com outras receitas também. Para McLagan, o amargo ajuda a balancear, dar profundidade, diversidade e até a realçar outros sabores.

No livro, a autora explica que hoje a receptividade ao amargo depende de fatores como hábitos familiares e culturais. E quanto mais cedo estivermos expostos a alimentos amargos, mais chances temos de gostar deles. Isso acontece em países como China e Itália. Se não for seu caso, comece devagar. Ou step by step, como diz McLagan.

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Receitas. Além de pratos, a autora dá outras dicas de como aproveitar ingredientes amargos. FOTO: Aya Brackett/Divulgação

Entrevista: Jennifer McLagan, autora de livros de cozinha

Do inverno rigoroso de Toronto, no Canadá, Jennifer McLagan falou com o Paladar sobre a popularidade (ou falta de) do amargo e sobre suas diferentes nuances. Do frio e neve, ela brinca, a única vantagem é comer as folhas amargas, tradicionais desta estação.

Você diz, no livro, que o amargo é um sabor cheio de nuances. Pode falar um pouco sobre isso? Se sentarmos juntos, nós vamos concordar sobre o que é doce ou salgado, mas talvez não sobre o que é amargo. Existe uma variação enorme no que é amargo. Ele pode ser mais ou menos intenso e pode ser até pungente, tânico ou adstringente. Hoje é entendido que amargo é uma coleção de gostos. Gostaria que existissem mais palavras para poder descrevê-lo.

A ideia do livro nasceu da sua percepção de que grapefruits têm se tornado menos amargas do que você se lembra de comer na infância. O que aconteceu? Acho que eles (comerciantes) supõem que as pessoas não vão comprar frutas ou vegetais porque são mais amargos, então esses ingredientes são substituídos. Imagino que o componente amargo da fruta é “removido” com seleção genética, com a intenção de tornar a fruta mais “popular”.

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O que nós perdemos com isso? Acima de tudo, complexidade. Estamos deixando nossas refeições menos interessantes. Além disso, deixamos de consumir substâncias saudáveis, como antioxidantes. O amargo é um estimulante natural do apetite e também é um bom digestivo.

Alguém que cresceu sem apreciar sabores amargos pode gostar deles? Para dar uma chance, comece aos poucos. Experimente fazer uma trufa recoberta com chocolate amargo ou, então, coloque meia dúzia de folhas amargas na sua salada.

Você já escreveu livros polêmicos, como o que defende o uso de gordura animal. Como escolhe seus temas? São assuntos que precisam ser discutidos. Precisamos pensar mais sobre o que estamos comendo. Gordura animal pode ser bom para você. E você pode abraçar sabores amargos em vez de se livrar deles.

SERVIÇO| Bitter: A Taste Of The World’s Most Dangerous Flavor, With RecipesAutora: Jennifer McLaganEditora: Ten Speed (272 págs.,US$ 21,55, na Amazon)

>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 15/1/2015

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