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Comida

#gourmet

O que têm em comum um pastel, um saco de carvão, uma bolinha de brigadeiro, um pacote de ração para cachorro e uma varanda de edifício? São todos gourmet. Ou pelo menos têm sido vendidos como tal. E a lista vai longe: tem hambúrguer, P.F., café, pipoca, brownie, vinagre, azeite, cerveja, cortes de carne, fogão…

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De mãos dadas com a palavra de origem francesa, os produtos acima tentam acessar o panteão mágico da gastronomia. Gourmet, aleatória feito hashtag de rede social, virou curinga: basta acoplar ao que se quer promover, mesmo que não seja exatamente comida.

O termo banalizou-se. Mas afinal, o que é gourmet?

Originalmente, gourmet era um substantivo – referia-se ao “indivíduo que é bom apreciador e entendedor de boas mesas, de bons vinhos e se regala com finos acepipes e bebidas”, como está no Houaiss.

Mas virou adjetivo. Passou a qualificar não só pessoas como produtos. E foi adotado por um público sedento pela sensação de exclusividade.

“A ideia de ‘gourmet’ hoje está relacionada a boa comida, mas também a sofisticação, elitismo, algo para poucos. É muito usada para qualificar algo que não é encontrado em qualquer lugar – sem que o produto seja de fato especial”, analisa Wanessa Asfora, historiadora e professora de pós-graduação em gastronomia no Senac.

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Ilustrações: Daniel Almeida/Estadão

É que quando a comida se torna objeto de consumo, não apenas subsistência, o estrangeirismo dá um verniz de refinamento e impulsiona vendas. De quebra, borra fronteiras entre gastronomia e marketing.

“A gourmetização do mundo é fato. Mas se tudo é gourmet, nada é gourmet”, diz Juliana Motter, dona da Maria Brigadeiro, marca que, em 2007, foi a primeira a vender brigadeiro… gourmet. Depois dela, o filão proliferou e uma série de grifes de brigadeiro gourmet pipocou pelo Brasil. “Infelizmente, existe uma banalização. A indústria usa a palavra em tudo, para tentar colar ao produto a ideia de que é feito com ingredientes melhores, de que é um artigo de excelência”, diz.

A ideia do negócio, conta Juliana, veio da vontade de tornar o doce adulto: usar ingredientes de boa qualidade, em vez de margarina e achocolatado, fazer um produto menos doce. O termo gourmet era para marcar essa diferença. Mas ela afirma que, se fosse lançar seus brigadeiros hoje, não usaria o adjetivo, pois “ele se esvaziou e pode parecer arrogante. Eu criei um monstro”, ri. Juliana, no entanto, defende sua cria, que custa R$ 3,75 a unidade: “A gente faz uma coisa muito séria, coloca muita energia e dedicação para estar à altura do que vendemos como gourmet. E a prova final é o consumidor.”

Dono da pastelaria A Pastella, aberta no início do ano em São Paulo, Felipe Karvaski também aposta na satisfação do cliente como prova dos nove para seu pastel gourmet. “Realmente, hoje tudo virou gourmet, isso pode confundir as pessoas. Mas depois que elas provam nosso pastel, acho que entendem o que queremos dizer.” Felipe era diretor administrativo do grupo Fasano e uniu-se a Sandro Aires, ex-subchef do renomado conglomerado gastronômico, para tentar elevar o status da fritura. E enumera: “Usamos óleo de canola canadense, os melhores ingredientes, técnicas de corte e montamos tudo na hora”.

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Os sabores básicos – como mussarela, abobrinha ou linguiça toscana – custam R$ 4,90. Na feira do Pacaembu, um pastel de queijo custa R$ 3. “Mas o meu tem três vezes mais recheio. Além do ambiente”, diz Felipe, que, ao lançar A Pastella, foi alvo de chacota nas redes sociais por elitizar o corriqueiro pastel. “Só queremos mostrar que dá para fazer com qualidade.” Felipe diz ter em vista a abertura de mais três unidades, na capital paulista e em Jundiaí.

Mas nem só de substantivos comestíveis vive o adjetivo gourmet. “É uma tendência. É a evolução natural das coisas. Tudo é válido. Daqui a alguns anos, talvez não seja mais gourmet, seja caipira, não sei”, diz Alexandre Matos. Ele começou a vender no ano passado “carvão gourmet instantâneo”. Importa as pastilhas de carbono compactado do Texas e vende a R$ 28 o pacote de 3,3 kg. O carvão gourmet não acrescenta sabor ao churrasco. É feito com um produto químico que garante acendimento imediato, sem gerar fumaça. “Depois que acende, tem que esperar liberar o produto do acendimento para começar o churrasco. É destinado a varandas gourmet, para acender sem gerar tumulto”, diz Alexandre, que é comerciante do setor automotivo.

A varanda, por sinal, é outro expoente dos produtos gourmets não comestíveis. Febre no mercado imobiliário, atrai consumidores e empreiteiros que se aproveitam do fato de a varanda não ser computada como área construída na hora de regularizar a obra. Depois de pronta, basta colocar vidros, apetrechos de cozinha e a varanda é incorporada à casa – já transubstanciada em gourmet.

Continue lendo:+ No Brasil: Veja a evolução do termo gourmet pela história+ Na França: Sociólogo fala sobre a popularização do termo

O que de #gourmet está rolando no Instagram:

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>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 29/8/2013

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