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Comida

Livro retrata a ‘refeição em família’

Fotógrafo e cofundador da revista 'Fool', Per-Anders Jörgensen passou dois anos registrando almoços e jantares de brigadas de restaurantes. Os registros estão reunidos no livro 'Eating with Chefs', recém-chegado ao Brasil

Livro retrata a ‘refeição em família’Foto:

Por Rafael TononEspecial para o Estado

O editor e fotógrafo sueco Per-Anders Jörgensen tem dedicado a carreira a fotografar restaurantes, chefs e, principalmente, os pratos elaborados que eles criam. Mas, nos últimos dois anos, ele pediu licença para entrar nas cozinhas e áreas privadas de 18 restaurantes e fotografar a comida que não chega aos clientes.

Meio como convidado, meio como uma presença imperceptível, registrou as family meals – expressão em inglês para as refeições de funcionários – de alguns dos mais importantes restaurantes do mundo hoje. “Como fotógrafo documentarista, sempre me interessei mais pelas histórias humanas. Quis fotografar esses momentos porque eles são como janelas para um lado escondido das pessoas que fazem a indústria de restaurantes acontecer.” Os registros estão reunidos no livro Eating with the Chefs – Family Meals from the World’s most Creative Restaurants (Comendo com os chefs – as refeições de funcionários dos mais criativos restaurantes do mundo), lançado no primeiro semestre e recém-chegado ao Brasil.

Mesa redonda. Na Osteria Francescana, do chef Massimo Bottura, as refeições da brigada são dominadas por papo de futebol. FOTOS: Per-Anders Jörgensen/Divulgação

A comida servida às brigadas mudou bastante nos últimos anos. “Muitos chefs têm histórias horríveis sobre como eram alimentados nos restaurantes em que trabalharam no começo de suas carreiras”, afirma Jörgensen. A situação começou a mudar na década passada. Com a profissionalização das brigadas, o trato passou a ser mais igualitário, e isso se tornou presente nas mesas dos refeitórios. Também porque os restaurantes passaram a ter um discurso mais ideológico – preocupação com a origem do ingrediente, com desperdício de alimento, etc. Falar em sustentabilidade e não travar uma relação humanista com funcionários seria contradição.

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LEIA MAIS: Entrevista com Per-Anders Jörgensen: “Comendo bem, eles vão cozinhar bem”

Quando Alice Waters abriu seu emblemático Chez Panisse em Berkeley, Califórnia, com a filosofia de produtos orgânicos locais e de servir os funcionários tão bem quanto os clientes, a ideia soava um pouco hippie até para os padrões da época, a libertária década de 1970. Hoje, a escolha nunca fez tanto sentido. “Mudamos o menu diariamente e servimos à equipe o mesmo que servimos nos jantares. Por que cozinhar algo diferente quando podemos apenas cozinhar algumas porções a mais?”, diz Jérôme Waag, à frente do restaurante.

Todos ajudam a preparar a comida no Chez Panisse (Califórnia)

A comida de brigada foi parar nas escolas de gastronomia: algumas delas, como o International Culinary Center, em Nova York, incluíram no currículo aulas de como preparar e calcular as refeições da equipe.

No El Bulli, o mítico restaurante do chef Ferran Adrià, a equipe tratava com rigor científico todo tipo de preparação feita ali, inclusive as feitas para a brigada. Durante três anos, uma equipe liderada pelo chef Eugeni de Diego estabeleceu as receitas a serem servidas aos funcionários e reuniu em um compêndio, depois lançado como livro. A Refeição em Família apresenta toda a precisão el-bulliana em receitas equilibradas e econômicas para atender grandes contingentes: de molhos a sobremesas, de massas a arrozes. “A comida que gostamos de comer no El Bulli é a mesma que a maioria das pessoas aprecia”, afirma Adrià no prefácio. “As pessoas sempre se surpreendem quando contamos que comemos comida comum.”

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O jantar dos sommeliers do Maison Pic (Valence, França)

Em todos os restaurantes apresentados por Jörgensen, aliás, as refeições são mais parecidas com aquelas que nossa mãe costuma fazer do que com as dos chefs. O caráter familiar não está só no fato de reunir toda a equipe em volta da mesa como em um almoço de domingo: os pratos são pura comfort food – de sopa a frango na manteiga no Attica, na Austrália; de foccacias a cookies com gotas de chocolate no Noma. Assados, massas, flãs, tudo que não se imaginaria ver em restaurantes como esses.

Talvez em nenhum outro restaurante isso seja tão claro quanto no El Celler de Can Roca, o 2º melhor do mundo no ranking 50 Best. Na hora das refeições, toda a equipe segue em direção ao Can Roca, o bistrô quase homônimo, também da família Roca. Ali, Montserrat, a mãe de Joan, Jordi e Josep, faz suas receitas para a brigada, como o estufado de carne com batatas, prato que dá saudade ao chef Daniel Redondo, do Maní, que trabalhou ali por 13 anos. “Antigamente, a equipe do restaurante ocupava só uma mesa do bistrô da Montserrat. Hoje, ocupa o salão todo”, conta Redondo. “É curioso porque não é só comer comida que soa familiar, é comer pura comida de família. Como se os irmãos levassem os amigos para comer na casa da mãe num fim de semana”, acrescenta Jörgensen – que é também cofundador da Fool, eleita a melhor revista de gastronomia pelo Gourmand Book Award.

A animada conversa no Le Chateaubriand (Paris)

Na ausência de uma “mamma Roca”, os próprios funcionários assumem as panelas, se revezando – isso quando não há uma equipe dedicada só a isso. No Noma, os estrangeiros são incentivados a cozinhar as receitas típicas de suas regiões, para que todos conheçam outras tradições culinárias. No Asador Etxebarri, no País Basco, não importa de onde você venha, é possível cozinhar o que quiser, desde que se faça “comida de vó”. No Il Canto, em Siena, o chef Paolo Lopriori cozinha para sua enxuta equipe de cinco. “Você precisa mostrar à equipe que se importa com ela”, diz.

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A “refeição em família” é um momento de interação da equipe: enquanto alguns usam o tempo para discutir futebol, como na Osteria Francescana, outros aproveitam para conhecer novos produtos, como no Blue Hill at Stone Barn, na região de Nova York. Muitas vezes é a própria equipe que decide fazer um prato, como a paella do Mugaritz ou a galinhada do D.O.M. “Um dos membros da equipe disse que ia comprar de uma vizinha umas galinhas para fazermos uma galinhada. Ele trouxe as galinhas e eu fiz o prato para todos”, conta o subchef Geovane Carneiro. A galinhada ganhou fama e começou a atrair a equipe de restaurantes próximos, como o Fasano. “É uma comida que agrega as pessoas, né?” Tanto que, desde 2011, a galinhada virou programa no Dalva e Dito, que fica lotado aos sábados de gente que vai comer a ex-comida de brigada.

Eating with chefsAutor: Per-Anders JörgensenEditora: Phaidon (316 págs.)Preço: R$ 125

>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 16/10/2014

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