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Comida

Livro reúne cardápios de banquetes servidos ao imperador

Pedro II colecionava menus de banquetes oferecidos a ele. A coleção é tema do livro Banquetes do Imperador, que revela detalhes da cozinha da época, marcada por forte sotaque francês

Como os cozinheiros tinham acesso aos ingredientes citados nos banquetes?
Existiam bufês famosos na época, como Casa Paschoal, Castellões, Carceller. Nada difere muito de hoje: era uma batalha ter bons ingredientes, sobretudo porque eram importados. Foto: EstadãoFoto: Estadão

Ao que tudo indica, nosso último imperador, Pedro II, não era exatamente um glutão. Bastava-lhe uma canja de galinha. No mais, seu alimento, diz a historiografia a respeito do monarca, eram ideias, línguas, inventos, cultura. Com algum grau de mistificação, ficou para a história a imagem do imperador extremamente culto, viajado e frugal – tanto em relação às comidas como com as pompas que cercavam o ambiente régio.

Mas os banquetes e festins, por mais que não lhe fossem motivo de primeira alegria, Pedro II não podia evitar. Ele era, afinal, o imperador – e não por pouco tempo: de 1831 a 1889. A burguesia que crescia a lentos passos no século 19 no Brasil e os círculos de nobreza que tinham como centro a família real ofereciam ao imperador jantares quando de suas viagens ou visitas pelo Brasil. Da mesma forma, nas idas ao exterior – e foram diversas, do Egito à França –, Pedro II era recebido com faustosos banquetes.

Assim, se o imperador não era um gourmet, era um erudito: lançou mão do colecionismo em voga entre espíritos ilustrados da época e juntou os cardápios entregues nos jantares que lhe eram oferecidos. Formou coleção com nada menos que 1.050 cardápios.

Fig. 13 — Cardápio de jantar oferecido pelo Hotel do Globo para d. Pedro II

Desses, quase 300 foram extraviados ou furtados. Mas o resto foi doado à Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. E foi lá que o jornalista e editor de livros de gastronomia André Boccato e o escritor Francisco Lellis começaram a pesquisa que deu no livro Os Banquetes do Imperador, lançado em 2013 pela editora Senac – um volume caprichado, capa dura, repleto de ilustrações e 447 páginas, mas bem mais do que um livro para enfeitar mesas de centro. Ano passado, levou a segunda colocação no Prêmio Jabuti na categoria gastronomia.

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O coração do livro são, de fato, os cardápios. Foram escolhidos 130, segundo um critério estético – os cardápios eram bastante elaborados, em especial os do fim do século 19, a Belle Époque – e também pela importância histórica – encontram-se em alguns deles as primeiras menções a pratos hoje clássicos, como o churrasco do Rio Grande do Sul.

Os cardápios estão divididos não cronologicamente: há a seção dos menus de navio, a dos que foram coletados fora do Brasil e a dos usados em jantares oferecidos no País.

Tradição e tradução. O sotaque que permeia os menus é francês. E mesmo que se usasse o termo cardápio em vez de menu, como defende um divertido texto do dr. Castro Lopes, da Gazeta de Notícias, de 1889, reproduzido à página 32 do livro, as técnicas, processos, receitas e grande parte dos ingredientes usados nos banquetes eram de inspiração francesa.

Era do país gaulês afinal que vinha a tradição dos grandes jantares com várias etapas, dezenas de pratos e serviço pomposo que a elite brasileira tentava emular – ou macaquear, diria um modernista. Praticamente todos os cardápios brasileiros são escritos em francês, em rebuscada tipografia, acompanhados de belas e variadas imagens. A Casa Paschoal, confeitaria carioca, ofereceu em 1883 o Pick-Nick à l’Ile de Paquetá, com quatro hors-d’oeuvres, os petiscos, cinco pratos do service chaud, a comida quente, dois do service froid, os frios, três entremets, os entremeios (geralmente legumes) e, por fim, dessert assorti, sobremesas variadas, fromages, queijos, glacés, sorvetes, e cafés et liquers, café e licores.

Há ainda outros curiosos banquetes, em homenagem a Machado de Assis, em 1886, ou aos abolicionistas, comemorando o fim do tráfico de escravos – serviu-se nesse festim punch à l’abolition de l’esclavage, um ponche.

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Poucos jantares ocorreram em São Paulo. Um deles foi em 20 de outubro de 1886, quando d. Veridiana recebeu em sua casa (que hoje fica na esquina da rua que leva seu nome com a Avenida Higienópolis) o imperador com escalopes de peixe à italiana, vol-au-vent e jacú à la brésilienne.

Nos cardápios, notam-se algumas adaptações de receitas às carnes de caça (caso do jacu) ou ingredientes locais, que aparecem timidamente nos festins dedicados ao imperador.

Encerra a seção de cardápios do livro o banquete servido no Baile da Ilha Fiscal, em 9 de novembro de 1889, nos estertores da monarquia, que cairia quatro dias depois.

Ao fim do volume, os autores reúnem imagens e referências da bibliografia culinária, com manuais e receituários, que começava a ganhar corpo no século 19 – e seria a base para a formação mais institucionalizada da gastronomia brasileira, já menos francesa no século 20.

Os autores do livro estão preparando, para entre abril e maio de 2015, um jantar que vai reinterpretar o cardápio que foi servido no célebre Baile da Ilha Fiscal, último grande banquete da monarquia, no Rio de Janeiro. O jantar será servido no Palácio dos Cedros, construção de estilo eclético da década de 1920 que fica ao lado do Museu do Ipiranga, em São Paulo. Além da comida, será promovido um sarau que reproduz o que a princesa Isabel realizou em Petrópolis em 1878.

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Entrevista: André Bocatto

Como nasceu a ideia do livro e quanto tempo demorou para ser escrito? Quais as maiores dificuldades no processo de produção? Na década de 1980 eu era diretor do Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo e fui convidado por um bibliotecário para conhecer esse acervo de cardápios, com vistas a uma exposição. Passados anos eu me tornei colecionador de menus da Belle Époque e, conhecendo o Francisco Lellis, que era bolsista na Biblioteca Nacional, nos propusemos a passar quase quatro anos pesquisando. As dificuldades são as de sempre nesse território: escassez de referências, verbas, etc. Mas tudo valeu a pena quando nasceu a obra.

Em que medida os cardápios do século 19 informam sobre a gastronomia brasileira da época? Infelizmente, não muito. O chique era imitar a nobreza e a burguesia parisiense – e é estranho como tapioca não aparece nunca por aqui e, ao contrário, aparece em muitos menus franceses… O que os menus revelam com o passar do tempo é o maior aproveitamento da caça nacional, de aves e peixes como o beijupirá. É relevante a quantidade de galantine de jacú. E alguém hoje se animaria a comer um salmi de sabiá? Isso é um ragu de passarinho… Mas a técnica é sempre a francesa e só raramente aparece um vatapá – ainda assim, de porco.

É possível depreender dos cardápios de banquetes como era a comida cotidiana popular, fora da corte? Pouco ou quase nada. Na verdade, a palavra corte não se aplica ao Brasil. A monarquia não promovia banquetes e sim a burguesia nacional. O interessante é que o luxo da época é o nosso atual peru de Natal (dinde à brésilienne) e o famoso e onipresente jambon d’York, nosso atual tender! Mas existe um menu muito divertido, que fala de ‘angú de quitandeira, o autêntico do Largo da Sé’ e fala da galinha de cabidela, de cabo della…

Há algum marco cronológico a partir do qual se define a noção de gastronomia brasileira, com base nos cardápios? Nos cardápios dos banquetes existem datas antológicas que marcam a palavra churrasco, vatapá e outras, mas não chega a ser gastronomia brasileira. A não ser talvez nos menus da baronesa de Loretto (1849-1931), arquivo com o qual estamos trabalhando agora. Essa, sim, nitidamente, impõe uma valorização do doce nacional (e seus nomes brasileiros) – e em breve teremos essa pesquisa publicada. Em Banquetes do Imperador, também publicamos uma extensa e complexa pesquisa dos livros de culinária no Brasil do século 19. E neles sim vê-se a evolução e nacionalização do conceito de gastronomia. Há, por exemplo, o verdadeiro manifesto no início do Cozinheiro Nacional. O reflexo dessa educação por livros só se dará no século 20 – livros demoram, mas fazem efeito!

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Quais os pratos/ingredientes mais recorrentes nos menus ‘abrasileirados’? Além dos já citados acima posso falar do jacutinga et pigeon sauvage (pombo) à Guanabara; galantine à la Province de Minas; galinha à Morengo; e o meu preferido jacú à la brésilienne, servido em São Paulo em 20 de outubro de 1886.

Como os cozinheiros tinham acesso aos ingredientes citados nos banquetes? Existiam bufês famosos na época, como Casa Paschoal, Castellões, Carceller. Nada difere muito de hoje: era uma batalha ter bons ingredientes, sobretudo porque eram importados. Foto: Estadão

SERVIÇO | Os Banquetes do ImperadorAutores: André Boccato e Francisco LellisEditora: Senac (447 págs, R$ 239,90)

>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 22/1/2015

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