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Comida

Na prática, o 'from farm to table falhou'

Por Roberto Smeraldi, jornalista e gastrônomo, diretor da Oscip Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e vice-presidente do Instituto Atá

Alguma vez na vida você deve ter tomado um drinque com cerveja. Se esqueceu é porque talvez ele tenha sido bebido naquele momento da empolgação, quando alguém sugeriu fazer um submarino, famoso “embriagador” preparado com a cerveja que está à mão e o Jägermeister da prateleira. Essa história mudou. Coquetéis com cerveja estão na moda e evoluíram da empolgação sem juízo para receitas criadas por barmen mundo afora.Foto:
Alguma vez na vida você deve ter tomado um drinque com cerveja. Se esqueceu é porque talvez ele tenha sido bebido naquele momento da empolgação, quando alguém sugeriu fazer um submarino, famoso “embriagador” preparado com a cerveja que está à mão e o Jägermeister da prateleira. Essa história mudou. Coquetéis com cerveja estão na moda e evoluíram da empolgação sem juízo para receitas criadas por barmen mundo afora. 

FOTO: Fernando Sciarra/Estadão

Paradoxo ou apenas obviedade? Barber atribui os pífios resultados das compras politicamente corretas à “escolha da cerejinha”. A maioria dos restaurantes que adotam o discurso do From Farm to Table usa a estratégia de venda de um produto específico (‘a cerejinha’), em vez de aplicar essa filosofia ao conjunto da fazenda fornecedora, o que seria sustentável. Na prática, esses restaurantes incluem determinados produtos no cardápio, o que obriga o produtor a manter o fornecimento de brotos de mostarda, grãos de amaranto, minialcachofras ou microtangerinas, o que não favorece o pequeno produtor familiar orgânico ou agroflorestal que lida com o desafio de vender o conjunto de seus produtos.

E não é só mania de chef: na feira, o consumidor embebido em dicas de shows televisivos reproduz o mesmo modelo. Ele busca aquela cenoura e aquela folha, em vez de se pautar pelo que o conjunto da fazenda lhe proporciona no dia. Preocupa-se com o produto, mas esquece o sistema de produção. E acaba, assim, contribuindo para a especialização que contraria todos os esforços do produtor que busca a sustentabilidade. Porque não existe um produto sustentável dentro de um modo de produção insustentável.

Assim, perdem o produtor, o planeta e o cozinheiro, que desperdiça a chance de fomentar sua criatividade. A cozinha de mercado deveria ter nos ensinado, já há algumas décadas, que sazonalidade não é restrição, mas oportunidade. Lidar com diversidade é uma restrição desejável na cozinha.

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Recentemente passei um dia num dos melhores sistemas agroflorestais que já conheci em São Paulo, perto de Mococa. Comecei alimentando os porquinhos pretos com folhas de amoreira e me familiarizei com o leque de aromas que se reflete na carne. Observei a natureza, até para montar um molho para servir com as orelhas suaves e crocantes. Resolvi assim perguntar ao sistema, e ao produtor, o que estava no melhor momento: saiu um inusitado molho tártaro de jurubeba.

O From Farm to Table surgiu como reação aos extremos da cadeia agroindustrial norte-americana, mas muitos o adotaram como ferramenta de marketing. E esqueceram que o que faz a diferença é o sistema de produção, em vez do produto. Acho que o movimento precisa reencontrar Bocuse e sua cozinha de mercado. Pois se for verdade que tudo se copia, na hora de copiar nada é mais atrativo que o leque da diversidade.

>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 19/3/2015

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