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Nem doce, nem azedo. Conheça o maracujá da Caatinga

Desde 2006 o suco do maracujá da Caatinga está na merenda escolar da região

Teve um tempo em que na Caatinga não havia outro maracujá que não aquele que nascia tutorado por um pé de pau, também conhecido como maracujá-do-mato ou maracujá-de-boi, da espécie Passiflora cincinnata. As crianças abriam o fruto, polvilhavam açúcar e comiam como passatempo. Para o suco, bastava passar a polpa por uma peneira, amassando com a colher para soltar das sementes o suco quase leitoso. Então, era só juntar água e açúcar para um refresco no calorão do sertão.

 

Do mato. Quando amadurece, ele não amarela, fica verde-claro. FOTOS: Neide Rigo/Estadão

Ele nunca recebeu muita atenção porque estava ali, sempre por perto. Quase ninguém se preocupava em cultivar, manejar, vender nas feiras. Depois do surgimento da espécie de maracujá mais suculenta, amarela e produtiva – que todo mundo conhece dos supermercados e feiras de todo o País, o Passiflora edulis –, aí é que a fruta foi relegada de vez ao papel de comida de boi ou brinquedo de criança (de casca frágil, é comum ver crianças jogarem o fruto para vê-lo se espatifando contra qualquer alvo, vivo ou não).

Os maracujás nativos são tantos e tão variados na forma e sabor que é uma pena que só os dois tipos melhorados, o amarelo azedo e o doce, dominem as gôndolas de quitandas.

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Felizmente um grupo de mulheres em Uauá, na Bahia (sim, fui pra lá de novo para a festa do Umbu) percebeu que tinha nas mãos uma raridade e passou a fazer geleias e polpa para suco. Hoje, cultivo e manejo são incentivados por elas que, com outros produtores, pertencem à Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá – a Coopercuc, que trabalha também com o umbu.

 

Suco pronto. A polpa, passada na peneira, vira bebida de aparência leitosa

Agora a fruta é reconhecida como produto de forte identidade cultural com o bioma Caatinga. Por isso é um dos produtos abrigados na Arca do Gosto, projeto do Slow Food que identifica, cataloga e divulga alimentos ameaçados de desaparecer – nesse caso, pela imposição da variedade comercial padronizadas e a substituição da biodiversidade.

Desde 2006 o suco do maracujá da Caatinga está na merenda escolar da região. Já não se vê mais criança desperdiçando a fruta e na safra, que vai de julho a setembro, bacias do maracujá podem ser encontradas nas feiras. Aliás, a safra só vale para a planta que cresce naturalmente nos fundos ou fechos de pasto, áreas de uso comum entre as comunidades na Caatinga, com vegetação nativa. Esses maracujás recebem selo de orgânico. Para o maracujá cultivado, com alguma irrigação, e muita gente já cultiva, a produção se dá o ano todo e muitas propriedades também são orgânicas. É com essas frutas certificadas que trabalha a cooperativa.

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É lógico, não vai ser fácil encontrar a fruta fresca nas feiras fora da Caatinga, mas podemos comprar a geleia em alguns supermercados da rede Pão de Açúcar ou na mercearia Chiapetta, em São Paulo. E a cooperativa faz vendas diretas. Fora o suco, a geleia ou o doce, que inclui a polpa da casca e se parece com doce de batata-doce, pouco uso se faz da fruta na cozinha, mas o potencial é enorme. Não só com a parte suculenta, chamada de arilo, que fica grudada à semente, mas também com a camada macilenta que separa a polpa da fina casca.

 

Combina. Cordeiro, hortelã e fruta deram certo juntos. Veja a receita

A coloração da casca será sempre verde, mesmo quando a fruta amadurece. Muda um pouco do verde-escuro para o claro e às vezes apresenta uma nuança meio arroxeada, mas o ponto de maturação só se percebe pelo peso aumentado, pelo toque da casca, mais macia, e pelo perfume. Apesar da fragilidade da casca, a polpa se mantém íntegra e suculenta por muito tempo mesmo fora da geladeira.

Já fiz muitas experiências com esse maracujá, pois sempre trago geleia e a fruta fresca, mas desta vez voltei encafifada com a ideia de misturá-la à carne de cabrito ou de cordeiro, prato muito comum no dia a dia do sertanejo. Poderia ter usado a polpa fresca, mas a geleia é mais prática pois já vem concentrada e com açúcar, ingrediente desejável nesse molho. E é infinitamente mais acessível que a fruta fresca para quem não vive no sertão. Se estivesse lá, usaria o alecrim-do-campo como erva, que tem aroma meio menta, meio tomilho; mas com hortelã, que já é um clássico complemento para essas carnes, não ficou nada mau.

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>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 1/5/2014

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