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Comida

Netos dos coronéis do cacau voltam às fazendas para fazer chocolate

A região do sul da Bahia vive um momento particular, com a chegada de novas gerações que trocaram suas profissões e a vida na capital para se dedicar à produção do fruto de qualidade e a fazer a própria barra

O cacau brasileiro deixou de ser simplesmente uma commodity nos últimos anos. Foto: Ana LeeFoto: Ana Lee

Os produtores por trás do chocolate artesanal do sul da Bahia são netos e bisnetos dos coronéis do cacau, aqueles das histórias de Jorge Amado. Os mesmos que perderam tudo com a vassoura-de-bruxa. São quartas e quintas gerações de fazendeiros que estão deixando de lado suas profissões e casas nas grandes cidades e voltando às fazendas da família para beneficiar o cacau e produzir chocolate, verticalizando toda a produção.

Inicialmente, eles foram atraídos pelo valor que oferece o cacau fino – como é chamado o cacau de qualidade, produzido com atenção à todas as etapas da produção, da colheita, passando pela fermentação, à secagem, o que dura até 20 dias. Os preços podem chegar a sete vezes o do cacau commodity (que tem o ciclo total de apenas cinco dias e era a regra na região em outros tempos), destinado às grandes indústrias, que fazem chocolate massificado.

O cacau brasileiro deixou de ser simplesmente uma commodity nos últimos anos Foto: Ana Lee

O primeiro a apostar no valor da amêndoa de qualidade foi o produtor João Tavares. Ele conquistou o prêmio de melhor amêndoa em 2012, no Salon du Chocolat de Paris, o mais importante evento do ramo profissional de quem fabrica, come e vive de chocolate. Tavares não faz chocolate, dedica-se à produção do melhor cacau e se sai muito bem; os chocolates produzidos com suas amêndoas por outras marcas brasileiras, como Harald e Nugali, já receberam prêmios internacionais.

Mas existe romance também na história dos produtores do chocolate do sul da Bahia. Não é só o preço que os impulsiona a produzir as barras, mas a paixão pela terra e pelo produto, como contam por ali. Depois de começar a comercializar amêndoas de qualidade, Rogério Kamei, da Mestiço, diz que queria ele mesmo transformar o seu cacau fino em chocolate. “Você se apega ao cacau, é como um filho que você vê crescer e depois não quer mais soltar.” Kamei é um dos poucos que já têm a fábrica própria, recém-inaugurada em São Paulo. Ele traz as amêndoas da fazenda e produz as barras, vendidas na fábrica.

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Aqueles que ainda não têm a própria fábrica utilizam instalações que a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) oferece no centro de Ilhéus ou fábricas em Salvador. A situação lembra a das cervejarias ciganas, um modelo cada vez mais comum em que o produtor aluga a fábrica e faz sua própria receita. Nenhum deles, porém, esconde o sonho de montar uma fábrica e, se possível, em suas fazendas. É esse o modelo das marcas Coração Azul, Mendoá, Fazenda Sagarana, Maltez e Madoko, que fazem o chocolate do cacaueiro à barra e estampam com orgulho em suas embalagens o selo tree-to-bar (leia abaixo). Os produtores concordam que a única maneira do mercado de chocolate fino decolar, entretanto, é se o mercado interno começar a valorizar o produto de qualidade, o chocolate fino, produzido com ingredientes de excelência, com menos açúcar e mais sabor de cacau.

Retorno às raízes

O engenheiro mecânico Rogério Kamei, mineiro criado em Itabuna (BA), é o nome por trás da Mestiço, chocolate fino do sul da Bahia que chegou ao mercado há poucos meses. A história da Mestiço começou com o avô de Kamei, que nos anos 1940 saiu do sertão para trabalhar com cacau. Sua mãe foi estudar em Minas, quando conheceu seu pai, da colônia japonesa de Betim. Juntos voltaram à Bahia para tocar a fazenda da família. Kamei, que por muitos anos trabalhou em montadoras, decidiu no ano passado voltar à terra da mãe para ajudá-la na fazenda e melhorar o cacau produzido lá. Desde então, fez cursos e viajou aos EUA para visitar fábricas e chocolates bean-to-bar. Agora, traz suas amêndoas a São Paulo, onde inaugurou a fábrica e a loja na Vila Olímpia. Em breve, também dará cursos de como fazer chocolate bean-to-bar. Onde: Mestiço Chocolates. R. Baluarte, 528, V. Olímpia, 94343-4648.

Fábrica da marca de chocolates Mestiço Foto: Gabriela Bilo

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Amêndoas premiadas

As amêndoas de cacau da Fazenda Lagedo do Ouro, da família de Pedro Magalhães, já se transformam em chocolate há algum tempo. No início, só em receitas de outras marcas bean-to-bar, como a paulista Casa Lasevicius e a belga Benoit. Com tanta procura pelo cacau fino das terras deixadas por seu avô, em Ibirataia (a 130 km de Ilhéus), Magalhães começou a produzir as próprias barras. Depois de dois anos de muitos testes e cursos – incluindo um curso de degustação em Paris com a especialista Chloé Doutre-Roussel, e de bean-to-bar com Arcelia Gallardo –, a Var Chocolates nasceu no ano passado. Agora, já tem em linha mais de 15 produtos, entre eles nibs e barras com leite de cabra, que são entregues em todo o País. Duas amêndoas que produzem os chocolates Var representaram o Brasil no Salon du Chocolat em Paris em outubro. Onde: lajedodoouro.com.br.

  Foto: Divulgação

Cacau de quarta geração

Em 1917, Isidoro Peleteira deixou a Espanha para cultivar cacau no sul da Bahia. Cem anos após sua chegada ao Brasil, Matheus Gesteria, da quarta geração da família, coloca no mercado as barras de chocolate produzidas com o cacau da fazenda do bisavô – e com uma bela homenagem. Matheus, que tem 25 anos, nasceu em meio à crise da vassoura-de-bruxa e viu o esforço da família em se reinventar após a devastação da praga. O jovem, que estudou administração em São Paulo e ainda trabalha na área, percebeu a tendência da região e a necessidade de agregar valor à cadeia do cacau e de se desprender da dependência das grandes indústrias. A Isidoro começou, como outras marcas, investindo no cacau fino, seguindo João Tavares. Hoje, é possível encontrar as barras de 70% e de 55% com nibs de cacau nas lojas da PÃO – Padaria Artesanal Orgânica e em outros cafés de São Paulo.

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Barras da marca de chocolate baiano Isidoro Foto: Alex Silva|Esta~dao

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