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O destino da galinha que Paola Carosella doou em sua aula no Paladar Cozinha do Brasil

Confira a saga consciente da ave que fez participação especial em aula da chef

O destino da galinha que Paola Carosella doou em sua aula no Paladar Cozinha do BrasilFoto:

Especial para o Estado

Paola Carosella subiu ao palco do 9° Paladar Cozinha do Brasil, dia 27, para dar uma aula chamada “Assados, tostados e queimados”. Eu também estava lá, no auditório lotado. Ela então disse calmamente: “eu ia falar sobre assados, tostados e queimados, mas mudei de ideia”. Mostrou uma bandeja de isopor com filé de frango e perguntou para a plateia: “Quando vocês veem isso, vocês lembram o que é isso?” – e levantou pelo pescoço uma galinha-d’angola morta na véspera.

 Maria Capai recebeu de Paola Carosella, no 9° Paladar Cozinha do Brasil, uma galinha inteira. FOTOS: Maria Capai

Não pude ver os rostos para dizer se as pessoas ficaram muito, pouco ou nada chocadas, mas sua fala foi algumas vezes interrompida por intensos aplausos.

Vidrada, eu só sentia vontade de dar um abraço bem forte na Paola. É difícil imaginar uma maneira mais didática do que essa para falar de um assunto tão necessário e delicado – e que há algum tempo me inquieta.

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Nos últimos meses, construí um galinheiro em casa para acompanhar o processo inteiro, da criação da ave ao consumo de sua carne, mas até agora só comi ovos.

A importância da conexão com o alimento é assunto frequente no meu blog, o DigaMaria. Mas vinha querendo aprofundar as reflexões sobre a vida e a morte dos bichos que viram nosso alimento.

Maria ganhou a galinha das mãos de Paola Carosella. FOTO: Tiago Queiroz/Estadão

Matar um animal, ato que há duas gerações era cotidiano, virou tabu. E eu, que preciso por convicção ser capaz de matar meu próprio alimento, já fui dormir algumas vezes imaginando minhas mãos sujas de sangue. O mesmo sangue que eu tanto amo no molho pardo.

Paola e a galinha-d’angola caíram do céu: ao final da palestra, ela disse mais ou menos assim: “Quem quer levar para casa essa galinha-d’angola para aproveitá-la integralmente, dos pés à cabeça, incluindo as penas?”. Ela mal tinha terminado a frase quando, lá da última fileira, levantei meu braço, deixando claro que eu queria mais do ninguém aquela ave.

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Levei. E saí do auditório me sentindo amadrinhada. Além de ganhar a chance de fazer uma grande parte do processo (depenar, limpar, cozinhar), consegui me livrar por mais um tempo da primeira parte, o abate. (Desde então, Douglas, meu galo e número 1 na lista dos que irão para a panela, paga promessa diária para agradecer a morte adiada pela d’angola da Paola.)

No dia seguinte, galinha e eu viajamos para Ubatuba, onde moro. Estava apreensiva pelo cheiro nauseante que as pessoas relatam sobre o depenar. E querem saber? Tudo o que senti foi cheiro de bicho molhado, como cachorro em dia de chuva. Mas a hora que passei depenando pareceu demorar um dia inteiro, de tão entediante e minuciosa que é essa tarefa. Abri e limpei a galinha, e sofri ao lidar com seu intestino.

Ao fogo. Por fim, chegamos à panela, minha zona de conforto. Mas tudo estava diferente. Saber de onde veio a galinha, recebê-la inteira e deixá-la pronta para o consumo com minhas próprias mãos… isso mudou totalmente a experiência. Participar do ciclo quase completo não me trouxe culpa. Pelo contrário, senti satisfação. O bicho que matou minha fome teve uma vida livre e saudável, e eu tive a capacidade de preparar meu próprio alimento.

Em casa, Maria depenou, limpou, cortou e cozinhou a galinha, transformando-a em patê, caldo e assado

Não menos importante, conhecer a origem desse alimento permite que não compactue com um dos maiores problemas do mundo hoje: a produção de comida em escala industrial.

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A galinha-d’angola virou patê de fígado (para fazê-lo, usei também moela e coração). O peito, congelei, para fazer depois. No mais, cortei em pedaços e assei. Asas, pescoço e rabinho comi assim que saíram do forno. Coxa e sobrecoxa servi com um macarrão com manteiga e açafrão. Carcaça, pés e cabeça viraram um caldo. Quem quiser continuar essa conversa (ou conhecer essas receitas), sinta-se bem-vindo ao DigaMaria.com.

>> Veja a íntegra da edição de 22/10/2015

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