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Comida

O primeiro Pessach de uma goy

Um dia perguntei a uma amiga se poderia participar de uma festa judaica na casa dela. Corei de vergonha no instante seguinte, mas a matraca solta já tinha feito o estrago. Ela respondeu com um “duplo-sim”, aquele que sai do olhar ao mesmo tempo que sai da boca, o que me alegrou e diluiu a sensação do por-que-não-te-calas? Foi no fim do ano passado. Ontem agradeci minha indiscrição e a amiga que carinhosamente convidou para o jantar de Pessach, a Páscoa judaica, na casa dela. Na verdade, a gentileza (e hospitalidade) foi da família inteira, em especial dos pais dela.

No fim do jantar, cada convidado ganhou da avó da amiga, a mesma de quem pretendo conseguir a receita e as explicações de como fazer matzá ball, esta caixa forrada com um tecido delicado e recheada de macadâmias com capa de chocolate (. Foto: Janaina Fidalgo/AE)Foto: Janaina Fidalgo/AE)

Quando chegamos, eu e ela, estavam à nossa espera, já à mesa. Estávamos atrasadas; e eu, envergonhada e atrapalhada com bolsa, sacola e um maço de flores que, minutos antes, tive de submeter a um ritual de “desembregamento” na floricultura rococó-quanto-mais-laçarotes-melhor. Queria ter levado algo de comer, mas, temendo cometer uma gafe, perguntei à amiga se havia restrição alimentar específica nesta data. A ansiedade de saber o que poderia preparar me fez ir atrás de resposta instantânea, antes de ela responder ao meu e-mail. Foi quando soube de outro judeu que no Pessach não se come nada com farinha. Hum. Melhor levar flores? “Melhor”, disse ele. Mais tarde, a amiga explicou: “É uma história de que não havia pão, pelo jeito você ouviu dizer, né? E eu, avoada, tinha esquecido (de avisar)”.

Antes de o jantar começar, o avô da amiga leu trechos da Torá. E o que se seguiu não vou ter competência para compartilhar em detalhes, porque foram muitos os ensinamentos e histórias sobre a saída dos judeus escravizados do Egito (às pressas, daí o fato de só comerem pão ázimo – sem fermentação -, o matzá, nesta época); a importância de Moisés (salvo da morte ao ser resgatado do rio pela filha do faraó) na condução do povo judeu na travessia pelo deserto e tantos outros detalhes que, de um jeito bonito, a família toda foi acrescentando e detalhando ao longo do jantar.

Saí de lá me sentindo mais burra. E mais feliz. Mais burra porque essa cozinha, tão cheia de simbologias, é um mistério para mim – dá para contar nos dedos de uma mão quantas vezes comi guefilte fish (e, não sei como, lembrei de ter lido em algum lugar, talvez num livro da Ruth Reichl, sobre avós que punham as carpas para nadar na banheira nesta época, para que a carne depurasse antes de o guefilte fish ser feito). E mais feliz por ter sido tão bem recebida e sentir aquela inquietação boa que a curiosidade dá. De querer saber o que e por que se come isto, como se faz aquilo.

Ir embora flutuando no aroma e na leveza do caldo do matzá ball me deu uma pista de por onde vou começar minha “pesquisa” de aproximação com a cozinha judaica. Prometo aprender e voltar aqui para compartilhar, porque quem flutua com comida nunca quer voar sozinho.

No fim do jantar, cada convidado ganhou da avó da amiga, a mesma de quem pretendo conseguir a receita e as explicações de como fazer matzá ball, esta caixa forrada com um tecido delicado e recheada de macadâmias com capa de chocolate ( Foto: Janaina Fidalgo/AE)

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