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Comida

Precisamos falar sobre serviço: a nova ordem nos restaurantes

A onda de restaurantes informais, com cardápio simplificado e ambiente descontraído, deu nova cara ao serviço de salão. Por outro lado, o maior interesse por vinhos, cervejas e cafés exige profissionais especializados

Nova era. A ordem é combinar ambiente descontraído, serviço informal e cardápio simplificado. Foto: Felipe Rau|Estadão Foto: Felipe Rau|Estadão

Especial para o Estado 

Os restaurantes casuais estão em alta nas grandes cidades pelo mundo todo e essa tendência, confirmada por um dos principais escritórios de consultoria de comida e restaurantes nos Estados Unidos, o Baum+Whitman, em Nova York, está mudando também o serviço. O atendimento tende a ficar mais informal e, em muitos casos, com o cliente assumindo tarefas tradicionalmente executadas por garçons, no estilo “sirva-se você mesmo”, para o qual o paulistano ainda parece torcer o nariz. 

Nova era. A ordem é combinar ambiente descontraído, serviço informal e cardápio simplificado Foto: Felipe Rau|Estadão

E já há chefs subvertendo a ordem das coisas, como o dinamarquês Christian Puglisi, que decidiu fazer os próprios cozinheiros servirem a comida aos clientes quando abriu as portas do Relae, em Copenhague, em 2010. “Abrimos em meio a uma crise financeira e precisava cortar gastos. Eu queria fazer gastronomia acessível sem afetar a qualidade da comida”, conta o chef. Para ele, grande parte dos serviços no salão de casas de alta gastronomia são desnecessários, “como completar a água dos copos, puxar cadeiras, conduzir o cliente ao toalete”, diz. 

Se essa nova onda por um lado reduz a atuação de maîtres e garçons, no caso das bebidas o movimento segue em direção contrária. O serviço de copos está se qualificando, puxado pelo interesse crescente por vinhos, cervejas e café, pela procura por bebidas artesanais e pela febre mundial da coquetelaria. Sommelier, bartender e barista se tornaram profissionais quase obrigatórios – se não no atendimento diário, pelo menos como consultores das cartas.

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Por trás dessa nova cena no salão, toma corpo a discussão da cobrança da taxa de serviço. No Brasil, ela não é obrigatória, mas pagar 10% sobre o valor da conta é praxe. A gorjeta, entretanto, virou polêmica desde fevereiro quando um acordo coletivo entre o sindicato dos donos de bares e restaurantes e o dos trabalhadores de São Paulo indicou que a taxa de serviço poderia subir para até 15%. Alguns estabelecimentos aumentaram o porcentual de cobrança (que já era mais caro em casas como D.O.M. e Fasano, com 12% e 13%, respectivamente) sugerido em conta: o Bar da Dona Onça foi um deles, o que gerou algumas reclamações. “Não existe discussão sobre um serviço que não é obrigatório. O cliente pode pagar quanto achar que deve: 2%, 20%... É só uma sugestão que o cliente bem atendido não hesita em pagar”, afirma a proprietária Janaína Rueda. “Está na mão do consumidor: se o garçom estava de mau humor ou despreparado, basta não pagar o serviço. Você ajuda o garçom e o dono a melhorarem o atendimento”, diz. 

Eficiência. Serviço de bebidas exige técnica e conhecimento Foto: Fernando Sciarra|Estadão

Com ou sem taxa? Um dos mais célebres restaurateurs da atualidade, o americano Danny Meyer, dono do Union Square Hospitality Group, que tem entre outras casas o icônico Gramercy Tavern, em NY, provocou uma acirrada discussão (e puxou outros chefs como David Chang), quando resolveu acabar com a taxa de serviço, no fim do ano passado. Ele subiu os preços no cardápio – para garantir a porcentagem à equipe – e estampou a informação: serviço incluso. A justificativa? Serviço não envolve só o garçom, que fica com a gorjeta, mas toda a equipe, do porteiro ao lavador de pratos, incluindo equipe de cozinha e de salão. 

Outro caso, no começo do ano em Londres, também ganhou repercussão, depois que uma cliente do Bennet Café & Bistrô pediu uma xícara de água quente com uma rodela de limão, ficou indignada com o valor da conta e foi ao TripAdvisor registrar sua reclamação. A resposta do dono do lugar acusando a cliente de querer usar as instalações e o serviço da casa gratuitamente viralizou nas redes sociais.

“Temos que entender que restaurantes não vendem comida, eles vendem serviços”, explica Elvis Campello, professor do curso A arte de bem servir, do Senac. “Você chega a um restaurante e deixa o carro (serviço de manobrista); é recebido na porta (serviço de recepção), é encaminhado à mesa (serviço de garçom), pede uma bebida (serviço de bartender), pede o prato (serviço de cozinheiro), pede a conta (serviço de cobrança)... Tudo é serviço.”

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  Foto: Filipe Araújo|Estadão

Em outros tempos, o serviço era feito à mesa, hoje os pratos já saem montados da cozinha. “Serviço à mesa como o nosso está em extinção”, afirma Fabrízio Tatini, do restaurante que há três gerações e cinco décadas carrega o sobrenome da família italiana. Ali, metade dos pratos do cardápio (como o steak à diana e o linguini ao molho de grana padano) são finalizados pelo garçom, que precisa dominar, além do atendimento, técnicas culinárias – uma mão-de-obra ainda mais qualificada. “O serviço em outras casas pode estar mais informal, nosso estilo está em extinção, mas uma coisa se manteve igual em todos: a exigência dos clientes. No restaurante o cliente se sente rei”, diz Tatini. 

Para a sommelière Gabriela Monteleone, casualidade não pode justificar falta de preparo. “Acho ótimo que o serviço esteja ficando informal em algumas casas. Mas não é porque eu não tenho toalha de linho ou taças de cristal que não preciso prestar um serviço técnico e de qualidade”, afirma. “O que diferencia a gastronomia de um ato fisiológico é a experiência. E o serviço é a forma mais efetiva de oferecer isso.”

ENTRE TAÇAS E COPOS

  Foto: Felipe Rau|Estadão

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O especialista em bebidas, até há pouco encontrado apenas em casas de alta gastronomia, está em alta nos restaurantes informais. O fato é que os clientes estão mais exigentes em relação ao que vai no copo, na taça e até na xícara de café que encerra a refeição. “É fundamental ter alguém cuidando das bebidas atualmente”, diz a sommelière Carolina Oda, colunista do Paladar. “Uma harmonização ruim, um café mal tirado, um vinho servido na temperatura errada ou um copo inadequado para a cerveja prejudicam a refeição”, afirma a especialista que se dedica ao treinamento de profissionais de bebida.

Cada vez mais interessados em cervejas artesanais, vinhos e outras bebidas, os clientes perderam a paciência com garçons que não sabem pronunciar nomes, com respostas do tipo “expresso”, se alguém pergunta qual o café servido na casa. Passou a exigir mais do que consome. Com isso, o serviço de bar também melhorou muito no que se refere aos restaurantes de alta gastronomia. “O aprimoramento é fruto da globalização, que permitiu maior diversidade de bebidas importadas com melhor logística, mas sobretudo é fruto do salto de capacidade profissional, com bartenders com melhores conhecimentos acadêmicos, culturais e sociais”, afirma o mixologista Marco De La Roche.

O resgate da coquetelaria clássica ultrapassou os balcões dos bares e ganhou as casas de alta gastronomia também. E, com ele, mais oportunidade de venda, como se diz no jargão. Hoje não se define mais um bom restaurante como aquele que serve boa comida. A casa tem de servir também bons vinhos, bons cafés, bons drinques. “O mercado valoriza muito os restaurantes que oferecem um bom serviço de bar, coquetéis bem feitos”, diz Marco

PROFISSIONALISMO 

Treinamento da equipe de salão é uma das chaves para o sucesso de uma casa e, por isso, os restaurantes começam a investir mais a sério na formação de seus profissionais. “O bom garçom faz a praça”, é o lema da sommelière Daniela Bravin. A frase vem sempre junto com a assinatura nos e-mails da profissional especializada em vinhos, que está à frente do serviço de bebidas da Casa do Porco e que por quatro anos comandou restaurante com seu nome. 

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Ricardo Garrido, um dos sócios da Companhia Tradicional de Comércio (de casas como a Bráz, o Astor e o ICI Brasserie), afirma que treinar equipe é um dos trabalhos ao que mais se dedica. O grupo chegou a pensar em fazer uma escola para treinar profissionais de salão, mas a ideia não vingou. “É inegável que o mau atendimento de sala tem o poder de estragar uma ótima comida, e um excepcional atendimento pode transformar uma comida correta numa experiência deliciosa”, diz. Para Garrido, o bom atendente é aquele que consegue ser técnico, elegante e carinhoso.

O restaurateur Rogerio Fasano, um craque quando o assunto é serviço, a frente do Grupo Fasano desde 1982, contou em entrevista ao Paladar, sobre sorviço e informalidade no atendimento. 

  Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Dicas para um bom atendimento 

Carolina Oda, sommelière e colunista do Paladar:

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“Seja claro no que você quer. Se pedir aos poucos, a conversa estica: – Me dá uma água.  – Com ou sem gás? – Sem.  - Gelo e limão?  - Sim.  - Espremido ou rodela?  – Rodela.  Diga de uma vez: “Me dá uma água sem gás com limão em rodela, por favor”.

Igor Piotto, docente do Senac:

“Clientes educados e receptivos melhoram a experiência de todo mundo, né?” 

José Jucá Sobrinho, o Juca, maître do Astor:

“Esteja disposto a ouvir o garçom, às vezes ele sabe de pratos ou drinques especiais que ainda não estão no cardápio. E não fique pedindo saideira, ela deve ser conquistada, não pedida.”

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