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Comida

Produção de maple syrup nos Estados Unidos segue tradição familiar

Consumido frequentemente com panquecas e waffles, o xarope é feito a partir da seiva da árvore de bordo, recolhida durante apenas três ou quatro semanas por ano, no início da primavera

Garrafas de maple syrup, o xarope da árvore de bordo, em Vermont, EUA. Foto: Christiane Kokubo|EstadãoFoto: Christiane Kokubo|Estadão

Especial para o Estado Kelly Norris amiúda os olhos. E resgata doces memórias: “meu pai sempre estava à frente da fervura. Não havia eletricidade, fazia frio e todo mundo, com exceção dele, ia pra floresta coletar seiva. Quando a gente terminava, corria de volta pra cabana. Eu tinha uns sete anos e minha parte preferida era tostar torradas de manteiga de amendoim com geleia sobre a brasa que caía embaixo da caldeira, enquanto a seiva fervia”.

Norris tem 59 anos e é a terceira geração de sua família a se dedicar à produção do maple syrup (diz-se “meipou”), o xarope da árvore de bordo, também conhecida como ácer, no Estado de Vermont, na região nordeste dos Estados Unidos. Pequeno na população de 626,5 mil habitantes, Vermont é grandioso na produção do xarope, a maior do país. O Quebec, no Canadá, leva o título mundial.

Ingrediente popular consumido com panquecas, waffles e rabanadas ao redor da América do Norte, o maple tem produção restrita à região que vai do nordeste estadunidense ao sudeste do Canadá, durante apenas três ou quatro semanas no início da primavera, em abril. O Paladar acompanhou de perto com pequenos produtores a safra deste ano, que agora chega aos mercados pelo mundo.

Para os produtores, a primavera sempre traz grandes expectativas. “A gente mal pode esperar a temporada de açúcar começar. Fica no ar aquela dúvida: será que a seiva já começou a escorrer? Vai ser um bom ano? Tudo depende da natureza”, diz George Crane, 68 anos, cuja produção é a mais manual possível em New Haven.

Garrafas de maple syrup, o xarope da árvore de bordo, em Vermont, EUA Foto: Christiane Kokubo|Estadão

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São muitos os fatores para que a árvore de bordo produza seiva em abundância. Alguns dizem que o tipo de solo, mais rochoso, é essencial. “A temperatura, no entanto, é o que mais importa. À noite, precisa fazer de -6,5°C a -3,5°C. No dia seguinte, tem que esquentar de preferência até as 10h, de 5°C a no máximo 7,5°C. Essa diferença de temperatura faz com que a árvore produza seiva.

No fim da tarde, quando esfria novamente, coletamos antes que congele e começamos a produção na cabana de açúcar”, diz Norris. Na sugar house, à qual Norris se refere, a seiva é fervida por horas até a concentração de açúcar saltar dos originais 2% de quando sai da árvore para os 67% de um xarope doce, espesso, de diferentes nuances de dourado, na proporção de 40 litros de seiva para 1 litro de xarope. O maple syrup é a seiva bruta pura da natureza simplesmente fervida, sem adição de conservantes.

Na cozinha. “A primeira vez que visitei uma sugar house foi quase uma experiência religiosa”, lembra Doug Mack, chef de cozinha local. “Você entra numa pequena cabana de madeira e é acolhido por um vapor de cheiro inesquecível. Te servem um copinho com aquele líquido espesso, quente, que parece um licor. É diferente de tudo o que poderia imaginar.”

No restaurante de Mack, a filha mais velha, Martha, premiada bartender, utiliza maple syrup em muitos de seus drinques, e a caçula, Laura, usa o xarope no preparo de sorvetes. 

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A cada ano, no início de maio, Mack e as filhas recebem a visita de Kurt Kling, produtor de 62 anos de Starksboro, que chega com inúmeras garrafinhas para a degustação. “O sabor do conteúdo de um barril para outro nunca é o mesmo. As diferenças são sutis, mas notáveis. Conforme a estação se desenrola, o nível de frutose, glicose, sacarose, aminoácidos e antioxidantes varia. A gente planeja ao máximo, mas no final apenas reage às condições naturais”, afirma Kling.

Em Vermont, é praticamente obrigatório o uso do xarope de bordo na cozinha. “Os clientes esperam por isso. Para mim, o melhor jeito de consumi-lo é puro, em cima do sorvete. Mas uso para marinar carne de porco, temperar frango, adoçar o café. É preciso ter cuidado, é um ingrediente poderoso, muito doce, com sabor da terra bem característico, diferente do mel”, diz Bill Snell, chef de um bistrô em New Haven. 

“Em casa, só tínhamos maple syrup em ocasião especial. Era um requinte ter o verdadeiro maple em cima da panqueca, e não os de milho com sabor artificial”, diz Ammy Martinez, bartender no restaurante de Snell. Ela resolveu, há três anos, fazer seu xarope, coletando seiva de 20 furos em árvores centenárias do sítio onde vive. Faz para consumo próprio e presenteia amigos e familiares.

História. “Imagine que um longo inverno está prestes a terminar na América do Norte. Você faz parte do grupo indígena Abenaki, ou Iroquois, e está cansado de comer sementes e carne de veado seca. A primavera se aproxima, você resolve sair à caça. Enquanto caminha pela floresta, sente uma gota no ombro. Acredita ser um ganso voltando da longa jornada ao sul, e mira arco e flecha para o céu. Nada. De boca aberta, recebe outro pingo, diretamente na língua. Percebe, então, que a tempestade de neve da noite anterior havia quebrado um galho daquela árvore gigantesca, e que dela caem muitas gotas levemente adocicadas. Volta para casa e anuncia que encontrou a árvore da vida! No outro dia, coleta o suficiente para armazenar numa panela sobre o fogo. Um tempo depois, vê que o que restou é algo delicioso, muito doce. É uma epifania, passada de geração a geração”, conta Crane.

A história é boa, mas refutada em Sweet Maple, de James Lawrence e Rux Martin. Os índios não teriam ferramentas nem motivação para fazer xarope. Teriam sido conquistadores franceses, com gosto pela sacarose, os responsáveis pela descoberta do doce maple, no século 16.

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Panqueca com maple syrup em restaurante de Vermont, onde a produção do xarope é a maior dos EUA Foto: Christiane Kokubo|Estadão

Tá pensando que maple dá em árvore? Dá sim!

Com neve até o joelho e temperaturas muito abaixo de zero, é no inverno, em fevereiro e março, que se dá o trabalho árduo de furar as árvores e instalar tubos e baldes. A árvore deve ter no mínimo 20 anos e ser das espécies sugar ou soft. 

Depois que a seiva é retirada, a produção tem de começar logo, para aproveitar o frescor do líquido, que é altamente perecível. As cabanas trabalham noite adentro, para processar toda a seiva de uma vez. Ela é coletada em baldes de metal ou tubos de plástico ligados a um tanque.

Produções modernas fazem osmose reversa no líquido, que chega a eliminar até 75% da água. Os mais puristas e de menor escala, como George Crane, são contra a técnica. Ele colhe a seiva de seus 400 furos balde a balde, com ajuda de dois cavalos e uma charrete. Em Vermont, há fazendas com 400 mil furos.

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