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Sandor Katz, o guru dos fermentos

Sandor Katz foi chamado de guru, queridinho e até fetichista da fermentação depois de publicar nos EUA o livro A Arte da Fermentação – cuja tradução para o português acaba de ser lançada pelas Edições Tapioca.

Sandor Katz, o guru dos fermentosFoto:

Apenas um ano depois de publicar o livro, em 2013, Katz, que não é chef e nem cientista, já estava no palco do MAD, evento gastronômico organizado por René Redzepi, chef do restaurante dinamarquês Noma.

O sucesso veio na esteira da publicação, que passeia por um sem-número de fermentados: de clássicos como cerveja, vinho e pão a exemplos quase impronunciáveis, como kwass ou smreka, dois tipos de bebida.

De sua casa no Tennessee, Katz falou ao Paladar sobre seu trabalho, a riqueza de sabores que a fermentação possibilita e o descompasso entre lei e gastronomia.

Ele hoje viaja para dar palestras e cursos em países como Índia, Austrália, Suíça e Nova Zelândia. Com o ritmo intenso, o único inconveniente, ele conta, é ficar longe de sua horta. Afinal, foi ali que tudo começou: com uma porção de repolhos e nabos e a ideia de fermentá-los para que não estragassem.

Sandor Ellix Katz, escritor e especialista em fermentação. FOTO: Angel Franco/NYT

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Nos anos 1980 e 90 você morava em Nova York, era ativista dos direitos gays, da não intervenção dos EUA em outros países e ensaiava sair candidato a senador. Como começou a fermentar? Sempre tive interesse em cozinha. Mas a mudança aconteceu mesmo em 1993, quando mudei para uma comunidade no Tennessee e me envolvi com a horta. Comecei a fazer conservas com os alimentos porque tinha a necessidade prática de preservá-los e isso me levou à fermentação.

A fermentação é, antes de tudo, um método de conservação. Mas está ganhando popularidade também pelas possibilidades de sabor que proporciona. Por que acha que isso está acontecendo? A fermentação resulta em sabores intensos, complexos e profundos e as pessoas estão percebendo isso. Quando paramos para observar produtos em lojas gourmet em qualquer lugar do mundo, da América à Europa, quase tudo à venda passou por fermentação.

Em A Arte da Fermentação você reforça essa dimensão do gosto. Mas como, especificamente, a fermentação imprime a um alimento características de sabor e textura? Não há um único sabor da fermentação; eles são vários, não existe uma equação fixa. Os métodos, temperaturas e durações possíveis podem criar uma enorme variedade de sabores, texturas e intensidades. Podem produzir alimentos crocantes ou com textura rica e cremosa, como a de alguns queijos e a do tofu.

Importantes chefs em todo o mundo estão usando a fermentação. O que explica isso? Chefs não apenas têm trabalhado com produtos fermentados (como queijos, missô, molho de soja e de peixe), mas têm percebido que podem usar a fermentação para produzir sabores autênticos e únicos, dos quais as pessoas vão se recordar. Mas acredito que mais chefs poderiam fermentar.

Katz aprendeu a fermentar para preservar repolhos. O livro veio da falta de referências no assunto. FOTO: Felipe Rau/Estadão

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Por quê? Eles não fermentam mais porque precisam esconder seus produtos da vigilância sanitária. Esses órgãos deveriam reconhecer a importância e a segurança desse processo. O dogma central para a segurança alimentar é a refrigeração da comida. Ele é, realmente, um parâmetro razoável. Mas em muitos lugares do mundo, antes de a refrigeração existir, a fermentação era um método de conservação. As leis precisam reconhecer que existem outras estratégias para conservar alimentos.

Você menciona, no seu livro, uma infinidade de processos de fermentação ao redor do mundo. Como teve contato com eles? Sempre pesquiso novos fermentos. Pode ser em viagens, em livros, na internet. Também aprendo muito com pessoas vindas de outros países e suas receitas.

Pode falar sobre aqueles que mais chamam sua atenção? Todos eles me impressionam, é difícil escolher. Mas posso falar sobre a dosa, uma espécie de panqueca fermentada típica da Índia que você pode rechear com tudo. Também gosto da maneira como, nesse país, se faz picles, com óleo de mostarda e incluindo especiarias como pimenta em pó, cominho, anis, cúrcuma. Gosto de fazer country wine, que é usar qualquer fruta abundante e adicionar a uma mistura de água e açúcar para fermentar. No último verão, por exemplo, fiz com amoras.

Você também fala sobre acarajé, mas em vez de fermentar o feijão por quatro horas, o faz por quatro dias. Por quê? Eu preciso fermentar mais porque estou em um local com temperatura menor. Mas, quanto mais se fermenta, mais se desenvolve sabor distinto e nítido, que aprecio. Fiz dessa maneira recentemente em um curso que dei em uma pequena escola. Fez sucesso.

Seu livro é um manifesto para incentivar as pessoas a fermentar em suas casa. Isso está acontecendo? Sim, diria que muita gente está começando a fermentar em casa. Está havendo uma enorme explosão de curiosidade sobre as origens da comida, sobre como ela é feita. E a fermentação passa por isso.

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Seu livro não apresenta receitas específicas para um processo. Você optou por apresentar linhas gerais. Por que escolheu esse formato? Meu interesse é ajudar as pessoas a entender o processo de fermentação, criar condições para que elas fermentem. Essa questão é mais importante do que dizer se determinada receita precisa de uma ou duas colheres de sal.

Por quê? Quando comecei minha jornada, havia pouco material sobre o assunto. Tudo que estou fazendo é disponibilizar o que colhi e oferecer para que outros possam fermentar.

O que anda fazendo? Há planos para um livro? Além de aulas, viajo e fermento o que tenho à mão e compartilho com vizinhos. Ainda não tive tempo para escrever um novo livro.

A arte da fermentaçãoAutor: Sandor Ellix KatzEditora: Tapioca e Sesi-SP (632 págs.)Preço: R$ 164

>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 9/10/2014

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