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Um peixe bom eu vou trazer

Uma semana antes, o gestor do Terminal Pesqueiro Público de Santos (TPPS), principal ponto de desembarque de pescado paulista, Manuel de Santos Martins, deu a dica: eles estão para chegar. Na segunda-feira seguinte ao aviso, lá estavam as duas embarcações ancoradas. Era perto de 8h daquela manhã de janeiro e cerca de 25 toneladas de peixe começavam a ser içadas dos porões da parelha Olhos d’Água.

Um peixe bom eu vou trazerFoto:

O sol do verão já fustigava os oito homens que trabalhavam em razoável silêncio, em trajes comuns, de galocha, alguns pitando um cigarro. Dentro do barco, dois deles cavucavam com pás pilhas de gelo e peixe, que eram jogados em barris de plástico cortados ao meio. O semibarril era então içado por um rapaz e mais dois o empurravam por tábuas de madeira até o terminal pesqueiro.

No fim da linha, Luiz Carlos Cardoso, há 34 anos trabalhando como pescador, virava os peixes num tanque com água corrente, enquanto outro trabalhador despachava os bichos por uma esteira automática conectada ao tanque. Com a aproximação da reportagem, Luiz Carlos, alto e parrudo, mostrou-se desconfiado. Mas logo emendou: “Avisa lá para a Dilma Rousseff: a vida do pescador é mandar o peixe para a mesa do pessoal e, em troca, levar ferro”.

Sem Pausa. “É dia e noite, direto. Não tem feriado nem dia santo pra gente”, diz Djair Ramos sobre a vida do pescador. FOTO: Fernando Sciarra/Estadão

Do outro lado da esteira, oito mulheres de roupa e galochas brancas separavam as espécies em caixas. Corvina, pescada, peixe-galo, guaivira, olho-de-cão, robalo, bagre: o mestre do barco, Edgar Medeiros, vai apontando e listando algumas das espécies que tinha conseguido capturar nas duas semanas que tinha passado no mar, com mais cinco homens.

As embarcações Olhos d’Água I e II fazem pesca de parelha: dois barcos ficam emparelhados em alto mar, com uma rede esticada entre eles. Vão arrastando o que está embaixo. É um método tradicional e prolífico de pesca em São Paulo – e proibido em determinadas áreas de proteção ambiental, por ameaçar o estoque pesqueiro. Por isso Edgar tinha ido longe, até as proximidades de Santa Catarina, para capturar a mercadoria.

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“Sair com dois barcos desses para o mar custa quase R$ 60 mil, hoje. Diesel é o mais caro; aí tem a mão de obra, o rancho (alimento) dos pescadores”, diz Edgar. “É caro. Tem que fazer valer a pena, encher o barco.” Djair Ramos, condutor de um dos barcos, aproxima-se para se queixar das condições de trabalho na pesca. “É dia e noite, direto. Não tem feriado nem dia santo para a gente. Chegamos em terra e logo tem que ir para o mar de novo.” Outros dois pescadores fazem coro e reclamam do baixo salário com que vão se aposentar.

Entre os pescadores no TPPS não há muitos jovens. O esforço de passar vários dias no mar e a possibilidade de no auge da carreira, depois de uns 30 anos de serviço, ganhar cerca de R$ 2 mil como mestre não seduzem as novas gerações. Linha de produção. No TPPS foram descarregadas, em 2013, cerca de 11 mil toneladas de pescado. Muito do que se desembarca ali, fica na cidade litorânea mesmo – “pelo menos o mais fresco”, garante Edgar. Já de olho na mercadoria que estava sendo descarregada, donos de peixarias iam arrematando lotes de pescado nas caixas.

O TPPS é o terminal mais importante do Estado de São Paulo. Mas, historicamente, a pesca paulista vem desaquecendo. Se nos anos 1980 descarregavam-se mais de 100 mil toneladas em um ano no Estado, na última década a média ficou entre 20 e 30 mil toneladas.

De um lado, pesa a sobrepesca no litoral próximo. De outro, a diminuição do número de das embarcações é um dos fatores mais determinantes. Muitos dos barcos vão hoje para Rio de Janeiro e Santa Catarina – os maiores fornecedores da Ceagesp.

“O governo catarinense fez um grande investimento no setor pesqueiro. Em Itajaí, a infraestrutura facilita o desembarque da pesca. Além disso o pescador é bem visto na região: é uma profissão digna”, diz Roberto Imai, coordenador do Comitê da Cadeia Produtiva da Pesca e da Aquicultura da Fiesp. Já no Rio de Janeiro, embora também haja problemas de estrutura, a presença de uma forte indústria enlatadora e a isenção de ICMS é o que explica a maior força pesqueira, segundo Roberto.

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>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 13/2/2014

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