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Comida

Um quibe que aspira ser kibbeh

Fazia já algum tempo que andava com vontade de comer quibe feito com cordeiro. Um pouco por culpa de um post do Luiz Américo sobre outro da Anissa Helou em que ela diz que há mil e uma maneiras de preparar “kibbeh” – frito, assado, cozido na coalhada, em tahine, no molho de sumac e até em suco de romã – desde que a carne seja de cordeiro. “Nunca deixe ninguém convencê-lo de que fica melhor com carne bovina”, diz.

Um quibe que aspira ser kibbehFoto:

E ela tem toda razão. Até hoje sonho com o sabor e a “feição” de um “kibbeh” de cordeiro de um restaurante em Alepo, na Síria. Era diferente de todos os outros que já havia experimentado. Aquele gosto inconfundível de cordeiro, algo adocicado e perfumado, se misturava com um toque de canela e com grãos de snoubar que pareciam ter sido jogados ali sem o conhecimento da palavra parcimônia (coisa de um lugar onde você pode comprar quilos de snoubar como se estivesse comprando farinha de trigo). Era delicado, leve, a fritura não deixava rastro de óleo na boca; e o recheio dançava, livre e solto, dentro de uma casca tão fina que, desconfio (agora ainda mais), não levava carne, só trigo moído.

Era com esse sabor que eu sonhava quando resolvi, finalmente, comprar um pernil de cordeiro no último sábado, para fazer um quibe que se aproximasse daquele “kibbeb”. Queria testar o moedor de carne novo, então pedi para o açougueiro só desossar o pernil.

Quando cheguei em casa e fui ler de novo a receita da Anissa, notei o tamanho da encrenca em que havia me metido. Pensei em meter a carne na geladeira de novo e decidir depois o que faria com ela. A receita era clara: não bastava moê-la. Antes, tinha de ser perfeitamente limpa, até não restar um trisco de gordura. Até não haver sinal de pele, nervuras ou tendões.

Que grande burrada a minha. Poderia muito bem ter monopolizado a atenção e o tempo do açougueiro, como Anissa faz quando decide preparar seu “kibbeh”. (Ela até faz piada disso no post. Conta que tem de se desculpar com os outros clientes da fila por tomar tanto tempo do açougueiro.) Por que raios eu quis dar uma de ás da “moeção” de carne bem com o pernil de cordeiro, que tem um monte de gordurinhas entremeadas?

Não tinha jeito, o mal já estava feito, e as lombrigas já tinham se apoderado do meu estômago. Era afiar muito bem a faca e dar uma de Dario Cecchini. Tentei não olhar muito para o relógio, evitando me sentir mais estúpida ainda. Só sei que foram longas horas até dar conta de limpar aquilo tudo, enquanto o sol se encarregava de torrar as minhas panturrilhas, ali, de pé diante da pia.

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Quando terminei, já havia destroçado a carne em pedaços tão pequenos, que quase não precisei usar o moedor… No final, há males que vêm para o bem. Tive bastante tempo para refletir sobre a ideia infeliz de comprar um ingrediente sem ler a receita antes. Mas, pensando bem, apesar de toda a sua destreza de profissional, o açougueiro não teria o mesmo saco (nem o mesmo tempo) para limpar tão bem a carne.

Uma tarde inteira na cozinha depois (bem, na verdade já era noite quando comecei a fritá-los), finalmente os quibes ficaram prontos. O aroma e o sabor são incomparáveis, apesar de os meus terem ficado mais para quibes do que para kibbehs (como aqueles de Alepo). Ainda não foi desta vez que fui transportada para as ruelas de um souq sírio, mas não desisti. Tentarei outras vezes, reduzindo a quantidade de carne na massa, quem sabe descobrindo outro jeito de dar liga ao trigo moído.

Eis aqui a receita. É a da Anissa, de um quibe de forno, com pequenas alterações. Como eu queria o recheado e frito, aumentei a quantidade de recheio (e não usei tanta cebola, porque não tinha). O recheio acabou sobrando, não que seja um sacrifício comê-lo puro…

Um quibe que ser “kibbeb”

Para o recheio Derreta 3 colheres (sopa) rasas de manteiga e refogue 4 cebolas grandes bem picadinhas. Quando estiverem transparentes, junte 1 kg de carne de cordeiro (pernil) bem limpo e moído. Cozinhe até a carne perder a cor rosada (não é para esturricar), desfazendo os grumos. Desligue o fogo, junte 2 colheres (chá) de canela em pó, 2 colheres (chá) de pimenta da jamaíca moída, 1/2 colher (chá) de pimenta-do-reino moída e sal a gosto. Adicione 3 colheres (sopa) bem cheias de snoubar (pignoli) tostado e reserve.

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Para a massa Misture 1 cebola bem picadinha, 500g de cordeiro bem limpo moído finamente, 2 colheres (chá) de canela em pó, 2 colheres (chá) de pimenta da jamaíca moída, 1/2 colher (chá) de pimenta-do-reino moída e sal a gosto. (Anissa diz para usar o processador, tomando cuidado para não quebrar demais as fibras da carne, para não virar uma “papa”, uma pasta muito molenga. Não usei porque não tenho; misturei na mão mesmo). Lave 200 g de trigo moído (fino) duas ou três vezes em água fria, escorra bem (é melhor torcer com um pano, para tirar o excesso de água) e adicione à carne. Acerte o sal, modele os quibes, recheando com a carne refogada e frite em óleo quente.

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