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Comida

Vamos botar água no feijão

Foto: Felipe Rau/AE

Vamos botar água no feijãoFoto:

Por J.A. Dias Lopes

Nenhum país do mundo supera o Brasil em receitas de feijão. Seus grãos polivalentes deram origem a uma infinidade de pratos. Para começar, temos o feijão com arroz, a comfort food nacional. Uma das suas reinvenções é o baião de dois do Nordeste. O feijão e o arroz cozinham juntos e incorporam toucinho e linguiça defumada, carne-seca e queijo coalho. O prato ganhou popularidade a partir de 1950, quando Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira compuseram Baião de Dois: “Capitão que moda é essa, deixe a tripa e a cuié / Home não vai na cozinha, que é lugá só de mulhé / Vô juntá feijão de corda, numa panela de arroz / Capitão vai já pra sala, que hoje tem baião de dois”. O cearense Gustavo Barroso, no livro Liceu do Ceará (Editora Getúlio Costa, Rio de Janeiro, 1940), sustenta que a receita foi criada no seu Estado. Há também a feijoada. Como refeição completa, acompanhada de arroz, laranja, couve, carnes, farofa e farinha, foi inventada pelo restaurante G. Lobo, do Rio de Janeiro, que funcionou entre 1884 e 1905 na Rua General Câmara, 135, no centro velho. Com feijão preparamos o acarajé, quitute introduzido na Bahia por influência dos negros africanos escravizados no Brasil. Hoje atração turística de Salvador, leva feijão, cebola, sal e é frito no óleo de dendê. A palavra acarajé saiu do iorubá, da fusão de acará (bola de fogo) e jé (comer). Portanto, significa “comer bola de fogo”. Quem já o provou apimentado sabe o porquê. Existe ainda o virado à paulista, criado em tempos coloniais no Vale do Paraíba, a região entre São Paulo e Rio de Janeiro, para reaproveitar as sobras da comida. Refoga-se o feijão em gordura, tempera-se, coloca-se um pouco de água, engrossa-se com farinha de mandioca ou milho. Acompanha couve cortada fininha e refogada, ovos fritos, costeletas ou lombo de porco idem. Foi assim que o príncipe regente Dom Pedro comeu virado de feijão no dia 17 de agosto de 1822, na Fazenda Pau d’Alho, em São José do Barreiro, São Paulo. O futuro imperador do Brasil atravessava o Vale do Paraíba na viagem que culminaria com a proclamação da Independência do Brasil às margens do Riacho do Ipiranga. O virado recebeu em Minas Gerais o nome de tutu, onde é servido com pedaços de linguiça frita. Distingue-se do seu ancestral e do feijão-tropeiro, outro prato regional, por ter os grãos amassados, enquanto os deste ficam inteiros. Isso para lembrar apenas das receitas mais representativas, pois o feijão também é coadjuvante da dobradinha, do mocotó gaúcho e do picadinho carioca, além de participar de sopas, caldos, vinagretes, saladas, guisados e ensopados. Não por acaso, o Brasil é seu maior produtor mundial, com a média anual de 3,5 milhões de toneladas. O consumo chega perto. A música o estimula. Chico Buarque fez sua parte. Em 1977, compôs Feijoada Completa: “Mulher, você vai gostar / Tô levando uns amigos pra conversar / Eles vão com uma fome / Que nem me contem / Eles vão com uma sede de anteontem / Salta a cerveja estupidamente/ Gelada pr’um batalhão / E vamos botar água no feijão”. Enfim, temos uma diversidade enorme do Phaseolus vulgaris L., o nome científico do feijão que comemos: preto (feijoada carioca), mulatinho (feijoada nordestina), de corda (baião de dois), fradinho (acarajé), fradão, branco, vermelho, roxinho, verde, rajado, manteiguinha, bolinha, palhacinho, jalo, etc. A variedade mais popular ficou de fora. É o carioca, com grãos de cor creme e listras marrom-claras, surgido por mutação, cruzamento ou transgenia natural, não se sabe, e lançado há pouco mais de 40 anos em Campinas pelo Instituto Agronômico (IAC). Domina 85% do mercado e só não é majoritário no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que preferem o preto. Os cariocas têm direito ao desdém. O nome do feijão não se refere a eles. Veio dos porcos homônimos, rajados como seus grãos, criados na fazenda paulista onde a planta vicejou pela primeira vez no final da década de 60.

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