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Comida

Varênique ou pierogi. Não importa o nome, essa massa está com tudo

Poloneses e seus descendentes que vivem em São Paulo dão novo fôlego ao varênique – ou pierogi. A meia-lua do leste europeu, tradicionalmente recheada de purê de batata com cebola, virou estrela de quatro marcas artesanais

Sem água. Varêniques de Clarice Reichstul, que gosta de fritá-los com folhas frescas de louro e ghee. Foto: Codo Meletti|EstadãoFoto: Codo Meletti|Estadão

Varênique, pierogi. Chame como os judeus ou como os poloneses católicos, tanto faz o nome, a receita é a mesma – massa de farinha de trigo com ovo recheada com purê de batata e cebola caramelizada, dobrada em meia lua, depois cozida em água abundante ou frita (ou assada, como queira...). Para finalizar, molho de cebola caramelizada e, opcionalmente, creme azedo gelado, que vai dissolvendo devagarinho com o calor da massa.

A receita típica do leste europeu chegou a São Paulo com imigrantes judeus e poloneses – a maior afluência de oriundos da Polônia para cá se deu no século 19. Por décadas, o prato estava restrito a restaurantes típicos judaicos, como o Z Deli e o Shoshi Delishop. Agora, está ganhando outros pontos graças a poloneses e descendentes que resolveram colocar literalmente a mão na massa para fazer os pierogis – ou varêniques (como chamam a maioria dos judeus).

Sem água. Varêniques de Clarice Reichstul, que gosta de fritá-los com folhas frescas de louro e ghee Foto: Codo Meletti|Estadão

A crise econômica apertou para todo mundo, mas não foi só isso que levou uma cineasta, uma publicitária, uma agente de marketing, uma de turismo e um fotógrafo a mergulhar na cultura de seus pais e avós – seja de família judaica ou católica – e transformar a massa com batata em negócio.

Começaram sua produção para atender encomendas a cineasta Clarice Reichstul (da marca Paca Polaca), as primas Vic Jezierski, que atuava em marketing, e Ulla Szankowski, agente de turismo (ambas da Pierogueria), e o fotógrafo Alex Zabzon (da Totsza Lonya). Já a publicitária Veronica Bilyk, que trabalhou em várias empresas na área de alimentação no Brasil e no exterior, abriu há poucos meses a cafeteria Polska 295, em Pinheiros, onde serve pierogis feitos por Iliana Wroski, também de família polonesa.

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Apesar de a Polônia dominar o DNA acima, a origem do pierogi é ucraniana, diz Alan Davidson na Oxford Companion to Food. Mas a receita foi tão difundida pelo leste europeu – cujos países tiveram as fronteiras embaralhadas por muitos séculos – que é comum também ser reivindicada por poloneses e russos. Fato é que a massa é tão parte da cultura da Polônia que existe até o Festival do Pierogi na Cracóvia, que terminou na semana passada (e foi visitado pela Pierogueria).

Varênique ou pierogi, não importa, o tradicional é recheado com batata e cebola. Foto: Codo Meletti|Estadão

Aqui ou lá fora, o pierogi mais tradicional é o que traz purê de batata com cebola caramelizada, mas a nova leva de produtores artesanais da cidade aposta em recheios diversos, como ricota, cogumelos e carne. No leste europeu, a difusão do prato ganhou a ajuda da lavoura, já que Rússia e Ucrânia, por exemplo, estão entre os cinco maiores produtores mundiais de batata.

Manda a receita que o purê de batata agregue um pouco da mesma cebola caramelizada que depois vai por cima dos pierogis. Ele pode ter queijo ou não no purê – e aí entram várias particularidades nas receitas encontradas em São Paulo. São muitas, contando com as casas antigas, e o melhor mesmo é sair provando.

A tradição dentro (e fora) das comunidades

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Antes de saltarem a cerca das comunidades polonesa e judaica com novas marcas – Paca Polaca, Pierogueria, Polska 295 e Totsza Lonya –, os pierogis (ou varêniques) sempre foram encomendados de nomes certos (e poucos) na cidade. Um deles é o de Iliana Wroski, que ficou famosa entre descendentes de poloneses por conta do Clube 44, organização criada em 1947 para reunir imigrantes daquele país e onde ela trabalhou. “Depois que o clube acabou (em 2000), ela passou a fazer comida sob encomenda para antigos clientes”, conta Veronica Bilyk, que conheceu o trabalho de Iliana quatro anos atrás e hoje tem os pierogis feitos com exclusividade para o Polska 295.

Faça em casa:Veja a receita do varênique (ou pierogi, ou pirogue...)

Outra cozinheira de mão cheia, Bertília Miranda, a dona Bezinha, carrega fama na comunidade judaica, de clientela que transita em endereços como o Zilanna, empório com receitas judaicas comandado por descendentes de portugueses em Higienópolis desde 1972, e o Z Deli, restaurante fundado por judias na década de 1980.

A massa do novo Polska 295 em Pinheiros vem com cebolas (cozidas por 12h) e creme azedo Foto: Felipe Rau|Estadão

Fora desses círculos foi a chef Andrea Kaufmann, de família judaica, quem primeiro passou a servir varêniques com toques gastronômicos no AK Delicatessen, restaurante que funcionou de 2007 a 2010 em Higienópolis. Até quando se mudou para o AK Vila, na Vila Madalena, fechado em 2015, ela ainda mantinha no cardápio seus varêniques de mandioquinha com macadâmia e sálvia.

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As novas receitas não ousam tanto como as de Andrea, mas cada uma carrega identidade própria, com detalhes no molho, no recheio ou no modo de servir. Apesar de todos os cozinheiros terem referência dos sabores da infância, dos pierogis que eram comidos em casa, nem todas as massas seguem à risca a receita familiar.

A NOVA GERAÇÃO

POLSKA 295

Prato único na cafeteria de Pinheiros

Fazia pelo menos quatro anos que a publicitária Veronica Bilyk encomendava os pierogis de Iliana Wroski quando, pulando de emprego em emprego, se perguntou: por que não abrir uma portinha para vender pierogi?

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Também formada em gastronomia, Veronica já passou pela cozinha do premiado chef Charlie Trotter, em Chicago (morto em 2013), deu consultorias para empresas de alimentação, ajudou a formatar o curso de gastronomia da Anhembi Morumbi, mas não queria colocar a mão na massa. “Eu gosto de socializar. Fazendo pierogi você não tem vida”, diverte-se ela falando do seu atual sustento – o pierogi é o único prato salgado da pequena casa aberta em maio em Pinheiros, que serve ainda café, doces e cervejas.

Verônica no pequeno Polska 295, aberto em Pinheiros, onde o pierogi é a estrela Foto: Felipe Rau|Estadão

Ali, a massa pode ser recheada de batata e cebola; ricota; carne bovina; e cogumelo com chucrute caseiro, servida com cebola cozida por até 12h (o creme azedo da confeiteira Dri Knapp é cobrado à parte).

SERVIÇO R. Simão Álvares, 295, Pinheiros TeL.: 3360-8090 Horário de funcionamento: 9h/22h (sáb., 10h/18h; fecha dom.) Prato com 5 pierogis (R$ 17) ou 8 (R$ 26); creme azedo (R$ 4)

TOTSZA LONYA

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Varêniques por quilo – e sem creme azedo

Pronuncia-se tótxa a palavra que em iídiche significa tia; Lonya é Leia. Esse é o nome do negócio de Alex Szabzon, polonês que chegou ao Brasil aos 2 anos de idade. Fotógrafo free-lancer, sentiu o aperto da crise no ano passado e passou a se dedicar mais a sua “segunda arte”, a cozinha. “Tem essa coisa de comida afetiva, e eu querendo que ela não se perca na história.” Ele começou com pratos para festas judaicas no fim de 2015 e passou a divulgar o trabalho para valer há cinco meses.

No menu, os varêniques nem são o carro-chefe – há gefilte fish, gravlax e pratos de fora do receituário judaico, como quiches. Para varêniques, é necessário encomendar alguns dias antes. “Só para se ter ideia, são 6kg de cebola para fazer 300g da cebola frita. Ficam 40 minutos na panela.” Os varêniques recheados de batata vêm com cebola bem frita (e sem creme azedo).

SERVIÇO alexszabzon@gmail.com ou 99988-5091 R$ 70 o kg (cerca de 20 unidades, mais frete)

PACA POLACA

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Cozido só, não: pode ser assado ou salteado

Neta de poloneses, a cineasta e escritora Clarice Reichstul quebra o padrão de “receitas familiares”. Sua avó, diz, nem sempre fazia varêniques. “Tinha preguiça. Dá o maior trabalho. Ela comprava no Zilanna”, diz, sobre o empório judaico. Para começar seu negócio, em julho de 2015, Clarice não pegou caderno de receitas da família – pesquisou na internet até chegar ao que queria, um varênique delicado, de massa fina.

Na receita, a batata é asterix, que tem menos amido; o recheio pode ser de batata, costela ou cavolo nero (tipo de couve) com ricota; e a cebola caramelizada é praticamente uma geleia, com 6h de cozimento. Para comer, nada de só cozinhar em água: dá para assar e saltear com ghee (manteiga clarificada) e folhas frescas de louro, como ela faz em casa. O creme azedo é feito com creme de leite fresco e keffir caseiro.

Neta de poloneses, a cineasta e escritora Clarice Reichstul com seus varêniques fritos com louro e ghee Foto: Codo Meletti|Estadão

SERVIÇO clarice@pacapolaca.com.br. Porção com 12 (R$ 25 a R$ 30, mais frete).

PIEROGUERIA

Em busca das raízes da família

Tem um toque de queijo brasileiro o purê de batata que vai dentro do pierogi das primas Vic Jezierski, egressa do marketing, e Ulla Szankowski, agente de turismo. Mas essa é uma intervenção das netas de poloneses, já que no caderno de receitas do pai de Ulla, de onde tiraram a receita da Pierogueria Cozinha Polonesa Afetiva, o queijo não está descrito – e dá um leve sabor azedinho.

Esse caderno de receitas é quase uma relíquia, já que o pai de Ulla comandou a cozinha do Clube 44 e depois teve uma confeitaria em Higienópolis, a Mazurka, onde praticava receituário polonês. Dali elas tiram outras receitas que servirão na casa a ser aberta em setembro, na Vila Mariana (R. Morgado de Mateus, 514, só no fim de semana sob reserva).

Primas. Ulla (à esq.) e Vic, da Pierogueria Cozinha Polonesa Afetiva Foto: Codo Meletti|Estadão

Tanto na casa nova como sob encomenda, o carro-chefe é o pierogi – recheado de batata com cebola, carne bovina, repolho com funghi e outros a combinar, é entregue com cebola frita (de 10 a 20 minutos, fica crocante), sem creme azedo.

SERVIÇO contato@pierogueria.com.br ou 99188-2620 25 unidades (R$ 50), porção de cebola (R$ 12), mais frete

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