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Veio gente do mundo inteiro conhecer o cacau brasileiro

Veio gente do mundo inteiro conhecer o cacau brasileiroFoto:

Por Cíntia Bertolino Especial para o Estado

Por três dias a Bahia atraiu a atenção de chocolateiros do mundo todo. Dezenas de milhares de pessoas participaram do Salon du Chocolat Bahia, de 6 a 8 de julho. A programação incluiu visitas à região de Ilhéus e Itacaré, no sul da Bahia, conferências no fórum que discutiu o futuro do cacau e do chocolate no mundo (leia mais abaixo), palestras e workshops.

Foi a primeira vez que o maior evento de chocolate do mundo foi realizado em um país produtor de cacau. E aproveitando o ditado “baiano não nasce, estreia”, o Salon du Chocolat Bahia nem bem começou já virou marco e entrou para o calendário de atividades de Salvador. O coordenador do evento, Diego Badaró, do chocolate Amma, tem contrato para mais cinco edições do evento por aqui e já marcou a data do encontro no ano que vem: de 11 a 14 de julho.

A estreia baiana foi bem longe do ambiente climatizado dos centros de convenções, com uma volta às origens que levou um bocado de gente para a lavoura. A ideia era ficar frente a frente com o cacaueiro e ver onde é que começa a história de um bombom fino, a vida da barra de chocolate assinada por aquele chocolatier tão bom.

Na lavoura. Durante a visita às fazendas, mas também em todos os momentos do evento, prevaleceu o mesmo tom: a despeito do abandono da lavoura cacaueira por muitos anos no Sul da Bahia, há um movimento muito claro para que a região volte a produzir – e com mais qualidade. O Salon foi uma oportunidade para muita gente conhecer o chocolate artesanal. E para muitos chocolatiers serem apresentados ao cacau. Um dos pontos altos, a visita à fazenda Santa Cruz, causou surpresa até mesmo a profissionais experientes, como o francês Sébastien Bouillet.

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Com lojas em Lyon e Tóquio, ele nunca tinha estado numa fazenda de cacau. “Foi uma experiência memorável, vai mudar a forma como faço chocolate”, disse. A especialista em chocolate e autora do livro The Chocolate Connoisseur, Chloé Doutre-Roussel, foi além: “Levar as pessoas para conhecer as fazendas de cacau é algo inédito num evento como o Salon du Chocolat. Além de ser uma oportunidade para que chocolatiers encontrem novos fornecedores, é também a realização de um sonho para quem trabalha com chocolate”.

No dia da visita às fazendas, a chuva deu uma breve trégua para que chocolateiros, palestrantes e visitantes pudessem se misturar à paisagem, caminhar sob o sol forte e provar o fruto tantas vezes descrito na obra de Jorge Amado – no ano em que se comemora o centenário de nascimento do escritor, nada mais apropriado do que começar a conversa sobre chocolate em uma fazenda de cacau.

Pela estrada da fazenda Santa Cruz, em Taboquinhas, cidade próxima a Itacaré na direção do interior, cercada de cacaueiros a perder de vista, com frutos de diferentes cores e tamanhos, uma romaria caminhou por alguns quilômetros até a plantação. Ali um grupo de funcionários da fazenda abria os frutos, retirava a polpa de cacau e separava a cibira (parte fibrosa que prende os gomos) para fazer doce.

O cacau é um desses frutos pródigos dos quais tudo se aproveita: a casca vira adubo e a montanha branca de polpa antes de ser levada para fermentar verte um líquido quase transparente de doçura e sabor ainda mais delicados que a polpa do cacau. E quem trabalha na lavoura sabe e vai logo avisando: não se pode exagerar na polpa, toda essa doçura dá um sono danado. Depois de tanto cacau e mel, era hora de encarar os corredores abarrotados do Centro de Convenções da Bahia, em Salvador, que em três dias recebeu 30 mil visitantes, segundo a organização do evento.

Acabou o chocolate no meio do salão

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O Salon du Chocolat Bahia foi consideravelmente menor que o parisiense – o mais tradicional – e se mostrou pequeno para toda a atenção que despertou. O evento reuniu alguns dos grandes chocolatiers da atualidade, como o japonês Sadaharu Aoki, o dinamarquês Rasmus Bo Bojensen, da Oialla, e o belga Pierre Marcolini. Marcolini é conhecido por produzir chocolate de excelência. Ele compra o cacau de diversas origens, diretamente do produtor. Na Bahia, estava visivelmente orgulhoso de seu Grand Cru de Propriété feito com cacau da Fazenda São Pedro, do produtor João Tavares. “Quando comecei a trabalhar com chocolate notei que para fazer um bom produto, e para não ser mais um chocolatier belga, precisava trabalhar a partir das amêndoas, conhecer toda a cadeia produtiva.” Apesar dos preços altos na feira, a demanda dos visitantes superou muito a oferta de chocolates. No segundo dia do evento, muitos profissionais já não tinham chocolate. No domingo, os estandes de Pralus, Bonnat e Larher estavam vazios. Vender todo o estoque não foi privilégio dos estrangeiros. A Nugali, de Santa Catarina, que faz chocolate diretamente das amêndoas de cacau, vendeu tudo. “O consumidor está interessado em provar e saber mais sobre o que estamos fazendo. Quem passou por aqui e provou tanta diversidade de chocolates saiu diferente”, disse Maitê Lang, da Nugali. Apesar de alguns problemas de organização, para alguns, como o especialista italiano Gianluca Franzoni, da Domori, este já é seu Salon favorito. “Não conheço todos os Salons du Chocolat, mas já acho que este é o melhor do mundo.”

Davos encontra a Bahia

Além do Salon du Chocolat, Salvador também sediou o Fórum du Chocolat, no Palácio Rio Branco, em 4 e 5 de julho. O Fórum foi descrito como a “Davos do Chocolate” pelos criadores Sylvie Douce e François Jeannet. O coordenador do evento brasileiro, Diego Badaró, foi mais eloquente: “Aqui, na primeira sede do governo brasileiro, vamos redefinir o futuro do cacau”. Filipa Secretin, presidente da Federation of Cocoa Commerce, e Jean-Pierre Bensaïd, cônsul de São Tomé e Príncipe em Marselha, falaram sobre os Desafios e Perspectivas na Economia Internacional do Cacau. O moçambicano Miguel Martins, do Banco Mundial, tratou de Sustentabilidade e Ativos Sociais e Ambientais na Cadeia Produtiva de Cacau. O fórum terminou com a proposta de criação da Aliança dos Países Produtores de Cacau da América Latina e Caribe. A ideia é reunir os 21 países produtores para estabelecer uma relação de cooperação tecnológica e fortalecer a presença da região nas decisões internacionais, junto à Icco (International Cocoa Organization). O encontro deu origem à Carta de Salvador – Fórum Salon du Chocolat. Terminada a conferência, os participantes se reuniram na Praça Tomé de Sousa, em frente ao Palácio. Para que todos tivessem certeza de que estavam na Bahia e não na Suíça, músicos de um cortejo afro embalaram palestrantes, chocolateiros e convidados. De repente, à guisa de uma Xochiquetzal baiana, surge uma moça coberta de chocolate, dos pés à cabeça, com uma bacia de chocolate Amma derretido para o prazer dos chocólatras e horror de quem não queria se sujar. Embalado pelos batuques, o ritual pagão da deusa do chocolate seguiu pelas ruas do centro histórico de Salvador até as portas do Convento do Carmo.

Ainda há reflexos da vassoura-de-bruxa

O Salon du Chocolat foi também um evento político. Produtores lembraram o abandono que a região cacaueira vive desde a década de 1990 quando a vassoura-de-bruxa, destruiu as plantações. Muitos produtores não têm crédito há mais de 20 anos por causa do endividamento na crise. Parte deles pleiteia a renegociação da dívida. Outra parte luta pela extinção do débito, pois responsabiliza o governo pela dívida (contraída para adotar práticas ineficazes recomendadas pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacacaueira, a Ceplac). O reflexo da vassoura-de-bruxa ainda é muito presente. Mais de 250 mil postos de trabalho foram extintos. O Brasil deixou de ser o 3º maior produtor de cacau e caiu para 6º. No Salon foi exibido o documentário O Nó. de Dílson Araújo, que defende a tese de que a praga foi levada para a região intencionalmente e exibe documentos, como as notas técnicas da Ceplac admitindo a ineficiência das medidas adotadas nas primeiras fases do combate à epidemia e, talvez a mais chocante de todas, a página no site do governo brasileiro que registra a vassoura-de-bruxa como terrorismo biológico.

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CÍNTIA BERTOLINO VIAJOU A CONVITE DO SALON DU CHOCOLAT BAHIA

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