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Restaurantes e Bares

A melhor cozinheira do mundo

Ela chega à cozinha por volta das 10 da manhã, elegante, vestindo saia preta de pregas, camisa branca impecável, avental longo e mocassim Todd’s bege. Os cabelos grisalhos contrastam com a pele rosada e o ar jovial. Nadia Santini sorri com suavidade, cumprimenta a pequena brigada, pega uma panela de cobre, uma concha do brodo da nonna e começa a trabalhar. Divide a atenção entre o preparo de uma peça de porco e a entrevista.


Santini foi eleita a melhor chef do mundo pelo 50 Best Award de 2013. FOTO: DivulgaçãoFoto:
Santini foi eleita a melhor chef do mundo pelo 50 Best Award de 2013. FOTO: Divulgação 

A cena, em maio de 2007, ficou gravada na memória, assim como o perfume delicado que foi tomando conta do ambiente conforme se aproximava a hora do almoço no três-estrelas Dal Pescatore. Algumas horas mais tarde, somaram-se o sabor da enguia ao aroma de laranja, dos tortelli de zucca servidos com mostarda de Cremona, do fumegante e restaurador agnoli in brodo e, da cassata – uma musse cremosa de ricotta com frutas cristalizadas, pistache torrado e calda de chocolate amargo Amedei, que encerrou a refeição.

A italiana Nadia Santini foi eleita melhor chef do mundo pelo 50 Best Award de 2013. Há alguns anos, quando um jornalista quis saber por que os franceses andavam dizendo que ela era a melhor cozinheira do mundo, Nadia saiu-se com o seguinte comentário: “Não sou a melhor chef do mundo, mas tenho certeza de que Antonio e eu fizemos o melhor restaurante de Runate Canneto sull’Oglio”. O vilarejo onde fica o Dal Pescatore, nos arredores de Mântua, na Itália, tem apenas 38 habitantes – 33, descontada a família Santini, que vive na elegante sobreloja do restaurante instalado no jardim de uma propriedade de cinco hectares dentro de um parque ecológico às margens do Rio Oglio.

Nadia, a mamma, trabalha com a ajuda de toda a família. Antonio, o marido, recebe os clientes, cuida da adega e administra o lugar, escoltado pela nora Valentina e pelo filho caçula Alberto. Antonio, o filho de 35 anos, faz os pães e a pasta – com ovos, como manda a tradição local. Aprendeu ajudando a nonna Bruna desde menino, e herdou a parte pesada do trabalho dela. A matriarca ainda faz todos os dias seu famoso brodo, que serve de base para muitos pratos do cardápio, e prepara uma memorável frittata com 20 ovos frescos, verduras e legumes, o almoço da brigada. Está sempre por ali, ativa, desde as oito da manhã.

A cozinha do Dal Pescatore combina tradição e frescor. A pasta é feita duas vezes por dia, para que esteja fresca no almoço e no jantar. A abóbora que recheia o tortelli é cultivada pelos pais de Nadia, no Vêneto. Patos, gansos, galinhas e galinhas d’angola são criados ali mesmo, no restaurante. Legumes e verduras crescem na horta da casa. Os peixes vêm do Lago de Garda; o presunto e o parmigiano, de Parma, a 50 quilômetros; o aceto balsâmico é de Módena, ali pertinho – mas no futuro será produzido também no restaurante, Antonio Santini já mantém uma cantina de envelhecimento de aceto em barril.

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Antonio e Nadia se conheceram na universidade, cursando ciências políticas, e não cogitavam trabalhar no Dal Pescatore até que o pai dele, Giovanni, disse que estava muito orgulhoso de ver o filho único na faculdade, porém, iria vender o restaurante. Não se vende a casa em que se nasceu, pensaram Nadia e Antonio. E, resultado, quando se casaram, em 1974, aproveitaram a lua de mel para visitar os melhores restaurantes da Europa. Levaram dois meses viajando, foram a todos os importantes, voltaram para casa e trataram de aprimorar o restaurante, sem esquecer suas origens e a maneira tradicional de fazer as coisas por ali.

Nadia aprendeu a cozinhar na infância, com a mãe. Cresceu em Vicenza, no Vêneto, e, filha de camponeses, percebeu cedo a importância de criar animais saudáveis, cultivar legumes e verduras de qualidade, de fazer em casa queijo, ricota, manteiga, embutidos. Quando se casou, aperfeiçoou os dotes culinários com a ajuda da sogra. Nonna Bruna é uma grande cozinheira e ensinou-lhe tudo que sabia, repetindo o que sua sogra, Teresa, havia feito quando ela própria se casou. A história do Dal Pescatore é uma história de mulheres, três grandes cozinheiras, cada uma em seu tempo. Começou em 1926, com Teresa Mazzi, que se casou com o pescador Antonio Santini e foi morar com ele à beira do Rio Oglio. Nascida no Brasil, filha de agricultores italianos que vinham ao Brasil todos os anos para colher, Teresa fritava lúcios e enguias recém-pescados pelo marido, fazia a pasta, oferecia lambrusco feito em casa. Os vizinhos foram chegando e o lugar acabou virando o restaurante “dos pescadores”. Bruna entrou para a família e a cozinha em 1952. A entrada de Nadia mudou a história. A primeira estrela Michelin veio em 1982; a segunda em 1988; e a consagração máxima de três estrelas, em 1996.

O Dal Pescatore tem apenas oito mesas, recebe 30 a 40 pessoas no máximo, mas tem um heliporto. E precisa. Vem gente da Itália toda apenas para almoçar ou jantar ali. A maioria, no entanto, chega de carro, como o produtor de vinhos Angelo Gaja, frequentador assíduo. Ele sai de Barbaresco, no Piemonte, onde vive, e viaja uma hora e meia de carro até Runate di Canneto sull’Olgio sempre que quer “jantar em casa sem estar em casa”. Faz a refeição no Dal Pescatore e pega a estrada de volta. Por muitos anos, o chef francês Paul Bocuse, hoje com 87 anos, fez questão de reservar o restaurante italiano para ocasiões especiais. E sempre que alguém pergunta o motivo, o mítico chef de Lyon repete a explicação: Nadia Santini cozinha como uma deusa.

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