EM MANAUS
Sashimi de tucunaré, tiradito com jambu e cubos gelatinosos de tucupi, tempurá de urtiga, tatsuta age (empanado) de pirarucu, chawan mushi (caldo cremoso) de cogumelo nativo da Amazônia. O cardápio do restaurante Shin Suzuran, em Manaus, não tem equivalente em nenhum outro lugar do País. É comida japonesa feita com ingredientes da Amazônia.
A inventividade é obra do japonês Hiroya Takano, 63 anos, que começou a dar atenção a ingredientes do Norte há dez anos (antes disso, o cardápio era japonês ortodoxo). Primeiro, ele se encantou com o tucunaré. Aproveitou a carne rosada e macia do peixe de rio para fazer o sushi amazônico, em que a carne empanada, além de pepino e manga, são enrolados em lâminas de abacate, no lugar de alga – o prato tem até patente, de 2010. Logo depois, fez o salto do tucunaré, com sashimis servidos sobre a espinha do peixe com cabeça e rabo.
O tucunaré também foi parar no tiradito, versão de ceviche criada pelos japoneses no Peru. Hiroya faz o seu com o peixe marinado no limão e servido com jambu, pimenta dedo-de-moça, gelatina de tucupi e chip de cará-roxo. Ainda tem o tucunaré tataki, com tartar coberto de ovas de peixe-voador e capelin. E o usuzukuri, com fatias finas servidas com molho de pimenta indígena murupi.
O pirarucu – para ele o peixe mais versátil porque tem várias partes aproveitáveis (lombo, barriga) – é servido em tirinhas empanadas e fritas, bem crocantes, acompanhadas de salada de repolho. “Não dá para servi-lo cru, porque a logística dele é ruim. É grande, pescado de arpão, vai para a canoa, ali não tem gelo”, diz ele, que chegou a Manaus ainda criança com os pais, que vieram do Japão para trabalhar na agricultura.
Mais recentemente, Hiroya foi apresentado ao mundo das plantas alimentícias não convencionais (pancs) e ao dos cogumelos nativos. O brócolis japonês, produzido em São Paulo e que chega a custar R$ 50 o quilo em Manaus, foi substituído por urtiga no yakisoba. “Sempre quis ter produto regional, e japonês gosta de folha. Se é verde, japonês come”, diz, aos risos.
A urtiga, panc abundante em suas plagas e de sabor suave, aliás, virou tempurá. A criação, provada pelo Paladar em Manaus, foi apresentada na Feira Internacional de Gastronomia Amazônica (Figa), em novembro, ao lado do pesquisador Valdely Kinupp, autor do livro Plantas Alimentícias Não Convencionais do Brasil (Plantarum).
Já o cogumelo raphanica – cujo cultivo foi domesticado neste ano a partir de parceria entre a pesquisadora Noemia Ishikawa, do Inpa, e o chef Felipe Schaedler, do Banzeiro – foi parar no tradicional chawan mushi, um caldo cremoso salgado, cozido no vapor.
Apesar das pinceladas regionais no cardápio, salmão, atum e robalo ainda estão lá, e são os preferidos – peixes locais não respondem por mais que 20% dos pedidos. Para ter os peixes tradicionais de sushi, um sobrinho do japonês escolhe semanalmente o que mandar (refrigerado) de São Paulo para Manaus. “O peixe viaja quilômetros. Se eu uso o que tem aqui, gero renda local, né?”
* A repórter viajou a convite da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes – Amazonas