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Restaurantes e Bares

Foi a camaradagem que impulsionou a cozinha basca

Juan Mari Arzak e Pedro Subijana ajudaram a criar um "ecossistema único de solidariedade". Hoje, a cozinha basca se destaca como incubadora de profissionais qualificados, onde inovação encontra tradição

Estudantes no Centro Culinário Basco: a escola será a primeira em uma universidade europeia a ensinar técnicas vanguardistas. . Foto: Arnau Bach|NYtFoto: Arnau Bach|NYt

The New York Times De San Sebastián, Espanha

Ainda relativamente jovens quando foram para a França, há 40 anos, os chefs Juan Mari Arzak e Pedro Subijana estavam decididos não só a aprender, mas também a dar destaque à culinária basca e compartilhar seus conhecimentos. Na época, apesar da abundância de frutos do mar e a variedade de legumes, frutas e verduras da região luxuriante e montanhosa da costa do norte da Espanha, a gastronomia local não era muito conhecida no resto do mundo.

Estudantes no Centro Culinário Basco: a escola será a primeira em uma universidade europeia a ensinar técnicas vanguardistas.  Foto: Arnau Bach|NYt

"Os chefs não compartilhavam nada uns com os outros; todo mundo morria de medo e protegia o que sabia; nem os aprendizes tinham acesso a tudo", revelou Subijana, 67 anos, em entrevista recente. "Mas percebemos que era através da generosidade que a nossa culinária basca podia crescer. Era importante fazer com que os chefs trabalhassem como se estivessem numa corrida de revezamento, onde alguém tem que abrir caminho e permitir que quem vem depois assuma o processo e traga inovações." E dizer que eles deram certo é pouco. Desde então, a região ganhou uma influência em termos mundiais muitíssimo maior que a área que a limita, graças, em parte, a essa filosofia de generosidade que instauraram: a região, de tradições centenárias e uma queda por ingredientes finos, se destaca como incubadora de profissionais qualificados e inovação. Atualmente, San Sebastián, balneário à beira-mar com uma população de 185 mil habitantes, tem o maior número de restaurantes reconhecidos pelo Michelin per capita na Europa: são 16 estrelas em um raio de 24 km. Quatro restaurantes bascos estão entre os vinte melhores do mundo segundo a revista britânica Restaurant. Juntos, o restaurante de Arzak, que leva seu nome, e o Akelarre de Subijana têm três estrelas. Para Andoni Luis Aduriz, membro da geração mais nova, Subijana ajudou a criar "um ecossistema único de solidariedade" na região basca, que ajudou a destacá-la ao redor do planeta. Aos 44 anos, ele sabe disso por experiência própria: montou seu restaurante, o Mugaritz, considerado o sexto melhor do mundo, nas colinas que cercam San Sebastián, depois de trabalhar com outro chef local famoso, Martín Berasategui. "Ele poderia ter me dispensado, mas, em vez disso, me ofereceu sociedade no Mugaritz e compartilhou sua experiência. O resultado são 25 anos de sucesso", comemora Aduriz. E prossegue, contando que, em 2010, se beneficiou mais uma vez da solidariedade basca, depois de ser forçado a manter o Mugaritz fechado vários meses por causa de um incêndio. "Eu estava ameaçado de falir e os outros poderiam muito bem ter comemorado o desaparecimento de um concorrente, mas não teve um chef que não tenha oferecido ajuda para eu reabrir o mais rápido possível."

O Mugaritz tem uma estufa dentro do próprio restaurante. Aqui, as sementes organizadas para serem plantadas. Foto: Arnau Bach|NYT

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Apesar dessa cooperação toda, porém, os chefs bascos também nutrem uma concorrência saudável, principalmente com apresentações divertidas e inovações. No Arzak, um prato de frutos do mar pode ser servido em uma tela de vídeo onde aparecem as ondas do mar e o chocolate, ganhar o formato de porcas e parafusos. Há um toque de gastronomia molecular, como quando o chef Eneko Atxa, do Azurmendi, seu restaurante tri-estrelado de Bilbao, cozinha um ovo "de fora para dentro", em um processo delicado que usa seringas para retirar uma parte da gema e substituí-la por um consommé de trufas quente. Entretanto, a impressão é a de que as tradições quase sempre são mantidas, mesmo quando subvertidas. Victor Arguinzoniz, o chef de seu restaurante, o Asador Etxebarri, é especialista em grelhados sobre a chama – e criou um equipamento próprio para fazê-lo. Além disso, pode usar um tiquinho de cinza para dar mais gosto até à manteiga servida à mesa. "A língua basca muda a cada dez quilômetros e acho que o mesmo acontece com a nossa comida – mas o que todos nós temos em comum é a infância numa família para quem a vida revolve à volta da cozinha, e não da sala", explica. Sem dúvida, o que não falta na área são opções. Elena Arzak, filha e sócia de Arzak, frequenta o principal mercado de San Sebastián desde a mais tenra idade – mas por mais assíduas que sejam suas visitas, tem sempre alguma novidade ou algo de que se lembrar. Dependendo da estação, é possível encontrar todas as especialidades regionais, como a hake kokotxa, parte carnuda sob a mandíbula do peixe, ou os filhotes de enguias vivos – esses, decididamente não recomendável para quem tem estômago fraco. "Tem tanta coisa aqui que eu sempre esqueço exatamente o que é melhor e em qual temporada", comenta enquanto checa se a maçã verde Errezil, variedade local, está madura.

A chef Elena Arzak no laboratório de seu restaurante, famoso pelas experimentações. Foto: Arnau Bach|NYT

De fato, todos os aspectos da vida em San Sebastián parecem girar em torno de comida – desde as sociedades gastronômicas que são um equivalente menos formal aos clubes masculinos britânicos, onde os membros preparam as próprias refeições – aos bares minúsculos que servem pintxos, a versão basca das tapas, no centro histórico. "É extremamente raro um lugar onde só os pratos mais exclusivos usem ingredientes de altíssima qualidade; a comida do dia a dia também conta com eles, que estão disponíveis em qualquer supermercado", afirma José Avillez, chef português cujos restaurantes incluem o Belcanto, em Lisboa, dono de duas estrelas. "A verdade é que, no momento, a gastronomia basca alcançou tal nível de reconhecimento que é a nossa melhor marca internacional", vibra Joxe Mari Aizega, diretor geral do Centro Culinário Basco, inaugurado em 2011. Sua escola, que será a primeira faculdade de uma universidade europeia ensinando técnicas vanguardistas, vai oferecer até doutorado em Ciências Gastronômicas, no ano que vem. "Estamos atraindo estudantes do mundo todo porque promovemos não só a gastronomia contemporânea, mas também o equilíbrio sempre presente na culinária basca entre tradição e inovação", resume Aizega. Aos 73 anos, e mesmo depois de quebrar a clavícula, Juan Mari Arzak ainda circula entre as mesas e de lá, para a cozinha que comanda ao lado da filha. "Nosso ponto forte é evoluir e inovar sem jamais esquecer que somos um restaurante de família. Recusei todos os convites que recebi para cozinhar nos EUA e não sei mais onde, porque nasci neste restaurante e quero morrer aqui, na minha cozinha."

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