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Restaurantes e Bares

O DiverXO e seu antimenu estrelado

Longe do estéril turbilhão da rua da Madri turística, David Muñoz cozinha. De tal modo beneditino, incansável e mudo que fez os versos de Olavo Bilac A um Poeta virem à memória. No salão do restaurante, os comensais comungam do silêncio da cozinha enquanto aguardam surpresas. Ninguém sabe exatamente o que vai comer. Você pede um cardápio e ouve apenas a voz tranquila de Angela, atendente e mulher de Muñoz: “Não temos menu. É tudo criação de hoje. Esperamos que goste”.

O DiverXO e seu antimenu estreladoFoto:

O lugar é antiturístico e contracorrente. Madri está ali, em algum lugar, mas não se sabe onde. Tetuán é um distrito residencial distante da movida e o DiverXO (lê-se “diverso”, como em português) é quase um bangalô de fachada de vidro, cravado entre prédios residenciais e mercearias de imigrantes asiáticos, discreto a ponto de se passar em frente e não o notar.

David Muñoz, aos 27 anos, decidido a voltar para casa após uma bela temporada em Londres (foi estagiário do Nobu), estava jogando para o alto algumas certezas – entre elas, a de conseguir um lugar confortável numa cozinha de ponta em Madri. Vendeu a casa, o carro, pediu cinco empréstimos bancários e, resolvido a fazer tudo sozinho, abriu o DiverXO em 2008. Com poucos meses de atividade, o DiverXO já lotava e Muñoz foi eleito chef do ano no Madrid Fusión 2008. Muñoz é um cozinheiro de fala econômica, focado e obstinado. Tímido, porém sorridente, aceitou participar de alguns congressos de gastronomia, deu entrevistas e recebeu a visita de Anthony Bourdain em 2010 – que saiu encantado. “Amo minha mulher, amo minha filha, e agora amo isto aqui.”

No DiverXO, tudo é arriscado. A comida não tem nacionalidade muito definida. Fala espanhol, japonês e chinês com igual proficiência. Em janeiro, a refeição começava com um caldo espesso coroado com tomate despelado em forma de coração (parecia ser um morango), com cubos de rabo de boi e um cardume de angulas (filhotes de enguia vendidos a400 euros o quilo, iguaria na Europa). Língua de pato à chinesa servida com abacate, cozida lentamente – Muñoz faz a maior parte das compras na vizinhança e se inspira nos compadres chineses, indianos, latinos com quem convive na cidade. Dim sums apimentados com carne de lebre e chocolate. Na sobremesa, falsas “azeitonas negras” que são esferas de chocolate branco – o prato ainda rescende a menta, anis e maçã verde. Uma “Espanha fusión” sem constrangimento que arrebanha detratores e fãs.

O segundo grupo, o dos fãs, está ganhando. Cinco anos depois de inaugurada, a casa tem duas estrelas Michelin e tremenda lista de espera. Entre 2010 e 2011 – um pouco pelo efeito Bourdain – David Muñoz passou meses sem dormir, tentando resolver o problema das reservas. “As pessoas batiam na porta querendo entrar, e havia reservas para dali a quatro, cinco meses. Não sabia como satisfazê-las”, contou ao Paladar (leia entrevista abaixo). Hoje, faz reservas com, no máximo, 30 dias de antecedência. E segue em busca do risco.

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