
Um café para dividir
Histórias e experiências sobre o café
Às cegas se enxerga melhor
A barreira de qualidade entre cafés de diferentes espécies está desmoronando.
Esta semana foi marcada pela execução de um ambicioso projeto de mapeamento sensorial de cafés da espécie Coffea canephora do Brasil. A espécie apresenta uma multiplicidade de variedades, de Conilon e Robustas cultivadas em Rondônia, Espírito Santo, Bahia e (pasmem!) São Paulo.
Um grupo de experientes provadores, sob a batuta do pesquisador Enrique Alves, da Embrapa RO, e com coordenação dos trabalhos a cargo do professor do IFES – Instituto Federal do Espírito Santo, Lucas Louzada, e da coordenadora do CPC – Centro de Preparação de Café do Sindicafé SP, Camila Arcanjo, fez frente a uma maratona de avaliação de mais de 400 amostras de café.

Preparação das Amostras. Foto: Divulgação.
Um trabalho como esse, bem como o de qualquer avaliação sensorial formal, envolve um minucioso trabalho de codificação dos lotes para que os profissionais avaliadores não sofram qualquer influência ou tenham pré-julgamento sobre determinados lotes. É o que se chama de avaliação ou prova “às cegas”.
Num projeto dessa envergadura, é fundamental que os profissionais que fazem as avaliações estejam calibrados, ou seja, que passem por um processo de, digamos, ajustes finos do paladar quanto à quantificação de determinados atributos, como se todos passassem a utilizar um “tradutor” comum, permitindo discursos e descrições que todos entre si possam compreender.
A verdade é que os resultados mostraram a impressionante evolução na produção de Robustas e Conilon no Brasil, com cafés de bebidas elegantes e surpreendentes, onde notas de sabor e aroma de caráter serelepe como florais remetendo a pétalas de rosa ou de frutas vermelhas similares aos vinhos de uvas pinot noir. É claro que alguns lotes apresentaram bebidas defeituosas como o que se encontra com frequência, porém o fato é que existe um movimento entre produtores para se produzir cada vez mais e melhor.
No entanto, vale destacar que muitos produtores definitivamente aprenderam que as frutas do cafeeiro devem ser colhidas maduras, tingindo os terreiros com os matizes do vermelho, garantindo-se, assim, o primeiro passo para a qualidade da bebida.

Terreiro coberto, ES. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.
Descrições comuns atribuídas ao Robusta e Conilon como “bebida inferior, sem acidez e gosto amadeirado” simplesmente ficaram no passado, pois eram resultado de manejo inadequado no momento da colheita e secagem, tal qual aconteceu durante muito tempo com os cafés da espécie arabica. Deve-se reconhecer e incentivar o transformador trabalho de capacitação dos produtores pela EMBRAPA, em Rondônia, e o INCAPER, no Espírito Santo.
Aproveitei para promover uma degustação pública às cegas neste final de semana com alguns cafés que selecionei e torrei dentre os que estiveram no painel, além de outros de diferentes projetos.
Foi uma degustação comparativa às cegas com lotes de cafés arabica e canephora de excelente qualidade no Café Hotel Espresso Bar.
A resposta dos consumidores foi simplesmente reveladora, pois ia da surpresa ao sorriso de felicidade, além da estupefação ao saber que havia Robusta e Conilon entre os cafés.

Conilon Torrado, Clone 153. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.
Fazer às cegas, constituiu-se num excelente exercício para testar a memória sensorial afetiva e de aprendizado recente, não importando se a descrição seria tão perfeita quanto a de um profissional. O fato é que, nesta degustação entre consumidores, o compromisso com o resultado é pessoal. Lembre-se que estamos em aprendizado constante e dar abertura às novas experiências, independente do resultado, é que nos faz crescer.
A lição que fica é que, ao serem vencidas barreiras do preconceito, geralmente movido pela falta de conhecimento ou por querer impressionar seus pares, a linha da qualidade que separa as espécies de café simplesmente está desmoronando.
No final, tudo será apenas café.
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