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Abra a boca, olhos e ouvidos

Publicado no Paladar do dia 13/1/2011 A proposta soa instigante. Apresentar a moderna cozinha espanhola usando alguns produtos brasileiros, buscando inspiração em tradições locais. Tudo isso num ambiente bonito e elegante, sob o comando de chefs com boa formação - a brasileira Ligia Karazawa e o madrilenho Raul Jiménez - e de um restaurateur de sucesso (Marcelo Fernandes, do Kinoshita). Na sinopse, digamos assim, o Clos de Tapas, na Vila Nova Conceição, é bastante atraente. A nova casa, então, já se configura como um espaço para a fruição de um receituário provocante e vigoroso? Ainda não é bem isso. Recapitulando, o nome é Clos de Tapas; e os pratos, servidos em doses individuais, são tratados no cardápio como tapas. Porém, não se trata de um endereço para a prática descompromissada do tapeo, como dizem os espanhóis, mas de um restaurante formal. Contudo, na intenção de recriar à brasileira uma modalidade gastronômica ainda em voga na Espanha, a das pequenas porções abordadas inventivamente, a casa pende mais para a grandiloquência do que para o prazer. O cardápio, de forma geral, dá fome. Há petiscos para compartilhar, como os bocados de milho e carne-seca e o queijo de coalho "em matizes": doce, azedo, amargo e picante. Todos bem apresentados, mas tímidos de sabor. E uma lista de tapas, divididas em frias, quentes e doces, com preços entre R$ 14 e R$ 35, para serem pedidas em unidades. Ou em duas opções de "menu-confiança", com seis (R$ 136) e oito (R$ 185) pratos. Cada item que chega à mesa é solenemente explicado, o que fica cansativo - você dá mais ouvidos aos garçons do que a seus companheiros de refeição. O discurso, o conceito, enfim, se sobrepõem à emoção de comer. Os pratos, esteticamente bem elaborados, servidos em belas louças, parecem ter sido criados de trás para frente, buscando a apresentação como meta final. Claro que é curioso golpear com o garfo a "cenoura" que, na verdade, é terrine de foie gras. E admirar o "tronco" de tubérculos, folhas, cogumelos, que é escoltado por um recipiente com "fumaça do bosque", com musgo e gelo-seco. Mas será que o arrebatamento pelo gosto não causaria mais impacto do que a performance visual? E eu provei com muita expectativa sugestões como lula e ervilhas tortas; risoto de trigo e siri-mole; foie gras de pato no tucupi; leitão de leite; contrafilé à morais... Mas me admirei mais com a execução técnica do que com o sabor. Com exceção talvez das sobremesas, igualmente lúdicas, mas de fato gostosas. Como a rolha (feita de bolo de amendoim) e o vinho e os estratos de chocolate - um "vaso" de vidro com vários níveis, reproduzindo as camadas do solo. Divagando agora sobre o cenário gastronômico de São Paulo, meu receio é que a vertente das modernas tapas espanholas acabe passando por um processo semelhante ao que foi vivido com a nossa cozinha francesa. Um estilo que foi implantado aqui como sendo invariavelmente pomposo, chique, caro - fosse bistrô, fosse haute cuisine. Algo que começou equivocado décadas atrás, um pepino que tentamos desentortar até hoje. Casas como o Eñe, o Arola Vintetres, e agora o Clos de Tapas, cada qual a seu modo, têm o mérito de mostrar a muitos paulistanos que a cocina española não parou em paellas e pucheros. Porém, em vez de importar também a vibração dos restaurantes catalães e bascos, parece que apostaram, digamos, num perfil grã-fino. A ponto de transformarem croquetas, patatas bravas e cia. em itens servidos com salamaleques e explicações extensas. Por favor, menos, menos... Clos de Tapas R. Domingos Fernandes, 548, V. N. Conceição, 3045-2291. 12h/15h e 19h30/23h (6ª e sáb., até 0h; dom., 13h/17h; fecha 2ª). Cc.: A, M e V.

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