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Foie gras em Santa Cecília?

Publicado no Paladar 30/10/2008 Luiz Américo Camargo Pergunte a um nativo de Santa Cecília, e eu estou entre eles, sobre suas lembranças dos sabores locais de 10, 20, 30 anos atrás. Muita gente há de citar feijoadas, virados, massas (nunca al dente) em molhos (sempre) carregados. Mas é improvável que alguma reminiscência de fina gastronomia venha à tona. Pois este era o bairro dos botecos de esquina, dos estabelecimentos familiares, das rotisserias, e não dos restaurantes com chef. Por isso, foi quase um espanto encontrar um mestre-cuca como Renato Carioni, recém-saído do Cantaloup, cozinhando com afinco nas acanhadas instalações deste Famiglia Melilli. Carioni trabalhou na Inglaterra, na Itália (inclusive no tri-estrelado Enoteca Pinchiorri) e na França. De volta ao Brasil, ficou dois anos no Cantaloup. E o que um chef desses foi fazer na modesta Rua Barão de Tatuí? Apostar no futuro, num bairro que, na esteira do desenvolvimento gastronômico de Higienópolis, logo ao lado, atrai um número cada vez maior de restaurantes. Seu plano está traçado: com o sócio Leonardo Recalde, ele fecha a casa para reforma em dezembro e a reabre em fevereiro, com novidades no ambiente, no cardápio e no nome, que será Così. Ainda que seu trabalho esteja numa etapa de transição, é importante observar o que o chef está fazendo neste exato momento, promovendo a migração de um menu cantineiro para uma restauração italiana mais fina. Pois o Famiglia Melilli, em sua origem, era o Donat's, uma rotisseria fundada há 50 anos na qual os moradores dos arredores providenciavam o almoço do fim de semana. Um local ? na origem, era o imóvel vizinho ? onde as pessoas chegavam a formar filas, esperando sua vez de sair com quentinhas de alumínio lotadas de bracciola, lombo fatiado, molho à bolonhesa. Muito tempo depois, já sem tanto sucesso, a rotisseria virou cantina, com altos e baixos, até ser rebatizada, em janeiro, de Famiglia Melilli ? a casa foi reestruturada depois de participar de um quadro do programa Caldeirão do Huck, tendo Alex Atala como consultor. No mês passado, ela foi vendida por Mario Melilli para os novos donos. A primeira constatação sobre o cardápio de Carioni: a cozinha de carregação ficou para trás. Os pratos têm agora viés italiano/contemporâneo, com preços camaradas, vários deles abaixo de R$ 20. E na dúvida entre coisas como ravióli de pupunha com camarões e molho de limão, risoto de polvo com azeitonas verdes e outras mais, eu resolvi abrir a refeição com algo que jamais imaginei que comeria no lugar onde meus pais compravam eventuais frangos assados de domingo: ovo com polenta, cogumelos e foie gras (R$ 28), uma entrada de aparência algo rústica e muito bem feita. Continuei com uma paleta de cordeiro simples e saborosa, com feijões brancos no ponto certo (R$ 32,50). Terminei com um tiramisù equilibrado, na textura e na doçura (R$ 9,50). É haute cuisine? Claro que não, mas é cozinha de chef, com notável custo-benefício, que atiça a curiosidade sobre o que será o Così, a etapa definitiva da metamorfose. Com todo respeito às massas, assados e memórias dos anos 70, Santa Cecília não é mais a mesma.

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