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Pele e osso

A observação da sempre pertinente Neide Rigo, em seu blog 'Come-se', não deixa dúvidas. Visitando o Mercado da Lapa, ela verificou, na última quinta, como a venda de bacalhau foi intensa. Se a ideia era servi-lo na sexta-feira da Paixão, sua conclusão foi muito interessante: a maioria demolha apressadamente o bacalhau. Destina apenas um dia para a dessalga. Curioso hábito. Há métodos para acelerar o processo. Uma troca de água muito frequente; um filete de água incessante, caindo direto da torneira (neste caso, quase um crime ambiental, tal o desperdício) e por aí vai. Mas, no caso de postas altas, não há muito milagre. O prazo de 24 horas é curto e o pessoal deve mesmo é acabar encarando o sal com conformismo e apetite - quem sabe com a ajuda das batatas. Mas eu acrescentaria à constatação da Neide um outro aspecto sobre os costumes locais de consumo do gadus morhua. Como as pessoas têm aflição de pele e espinhas. Claro, ninguém quer comer espinhas, não estou falando disso. Mas é na pele e nos ossos que se concentra boa parte da deliciosa gelatina do peixe. Fazer um pil-pil com o bacalhau limpinho, sem pele? Até dá, mas com menos riqueza de textura e sabor. Desprezar essas partes simplesmente, portanto, é um pena. Por que não aproveitá-las ao menos em um caldo? O bom destino das sobras, como se viu, foi capa inclusive do último Paladar. Depois que se prova bacalhau em Portugal e principalmente na Espanha, percebe-se que eles valorizam mais a untuosidade peculiar de sua carne, assim como buscam realçar traços de sabor mais piscoso (fishy), algo que não se faz por aqui. O meu bacalhau inesquecivel experimentei no Etxebarri, no País Basco. O cozinheiro Bittor Arginzoniz usa produtos vindos das Ilhas Faroe. Perfeitamente demolhado, foi rapidamente à grelha. Uma peça perfeita, brilhante, gelatinosa, que se desmontava ao toque do garfo. E o da Páscoa deste ano, qual foi? Como de costume, quem fez foi minha mãe. Estava bom e bem dessalgado: com quase três dias de antecedência, como manda o figurino.

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