PUBLICIDADE

Blogs

Um vinho e muitos pratos

Recentemente, resolvi meter o bedelho em questões do casamento entre comida e bebida, não sei se chegaram a ler (está aqui). Pois retorno à questão, reafirmando a posição meio minimalista de privilegiar sempre o melhor vinho. Assim: por que não construir a refeição em torno de um bom exemplar, em vez de ficar num 'muda-e-troca' de rótulos e copos etc e tal? Nada frontalmente contra quem gosta de degustações com dez pratos e dez vinhos. Nem contra as 'micro-harmonizações' ultra-especializadas. Aliás, cada um que faça o que quiser. Meu ponto era apenas contra as verdades absolutas das combinações, contra a harmonização como um fim em si mesmo - não como um meio para se ter mais prazer à mesa. Mas voltando. Faz alguns dias, provei todo um menu bebendo apenas um branco, o Touraine La Tèsniere 2005, um natural complexo, delicioso, com toques de oxidação. O vinho, meio assimétrico, meio mutante no copo, com suas imperfeições gustativas, olfativas e visuais (ele não é filtrado), acabou casando muito bem com os petiscos, com a entrada, os pratos e a sobremesa. Talvez tenha dado certo, ao menos ao meu ver, porque nenhuma escolha colidia com as características da bebida. Ou quem sabe tenha dado certo apenas porque eu e minha mulher quiséssemos que desse certo. Mas enfim, divagando entre o que era percepção técnica, e o que era subjetividade, eu só posso dizer que, no balanço final, funcionou bem. Lembrei de fazer este comentário porque acabei cutucando uma outra memória, de uma reportagem ainda do primeiro ano de vida do Paladar. Cujo personagem central, este sim, é um apóstolo do minimalismo em matéria de vinho. Trata-se do produtor José Bento dos Santos, que passou um longo tempo testando receitas - da entrada à sobremesa - destinadas a combinar com um único branco. O seu estimado Vindima de 7 de Outubro Viognier 2003. Se tudo se desenvolve bem entre os sólidos e o líquido? O cozinheiro/vinhateiro garante que sim, e ele tem argumentos técnicos para isso. Mas, pesquisas e investigações da enogastronomia à parte, eu acho mesmo é que ele deve ter se divertido um bocado. Para quem tiver curiosidade, a matéria segue logo abaixo. TUDO POR UM VIOGNIER (Publicado no Paladar de 6/7/2006)

O português José Bento dos Santos é um homem de vinhos e gastronomias.Mas

José Bento, dono da Quinta do Monte D'Oiro, é antes de tudo o homem de um

vinho em particular: o Vindima de 7 de Outubro Viognier 2003, produzido por

ele mesmo.Foi em devoção a este branco exuberante, feito na Estremadura com

uma casta originária da França, que o vinhateiro realizou um espantoso tour

PUBLICIDADE

de force enogastronômico.Dissecou o Vindima até a última gota, levou ao

limite o que o vinho podia dar em sabores, aromas.E testou-o em mais de uma

centena de combinações com comida.

Engenheiro, empresário e vice-presidente da Academia Portuguesa de

Gastronomia, José Bento fez tudo com tanto critério, registrou os resultados

PUBLICIDADE

com tanta perspicácia que a aventura virou livro.Subtilezas Gastronômicas ?

Receitas à volta de um vinho é uma obra de duas faces: a primeira é um

tratado (bem escrito, elegante e informativo) sobre enologia, obviamente com

foco no xodó de sua Quinta; a segunda, traz cinqüenta receitas escolhidas

nas harmonizações, ilustradas por belas fotos.

PUBLICIDADE

O trabalho duro, ficou para ele mesmo.Para chegar à lista definitiva de

petiscos, entradas, pratos e sobremesas, José Bentou pesquisou e executou

150 receitas, todas preparadas e provadas na Quinta do Monte D?Oiro. ?Tenho

uma cozinha muito bem equipada, na verdade igual à que Alain Ducasse mantém

em sua escola.Foi ali que elaborei receita por receita, experimentando

PUBLICIDADE

tudo, adaptando, mudando?, explicou, por telefone, de sua casa, nos

arredores de Lisboa.Entre as sugestões, estão quitutes de sotaque lusitano

mas principalmente pratos influenciados pela cozinha francesa.

O Vindima de 7 de Outubro Viognier 2003, conta o produtor, é um vinho de

exceção. ?Foi uma safra fora de série.Fez muito sol e conseguimos um vinho

PUBLICIDADE

de muita concentração e complexidade, um branco com corpo e densidade

atípicas, cheio de sutilezas aromáticas e uma doçura peculiar?, diz.Com

tanta potência e nuances de sabor, o Viognier 2003 foi testado ? e aprovado

? até com pratos de carne vermelha. ?Claro que não há como combiná-lo com um

churrasco.Mas como é untuoso, vai bem com um prato com molho à base de

PUBLICIDADE

creme ou de manteiga.? Agora, qual seria, entre tantas possibilidades

experimentadas, a mais bem-sucedida, a que equivaleria a casamentos

duradouros e felizes ao estilo ?foie gras com Sauternes??José Bento

responde prontamente: ?Acho que, de todo o livro, gostei mais do efeito

conseguido com os camarões com castanhas, um prato muito aromático, e do

tomate recheado com alheira?.

O Vindima de 7 de Outubro está quase esgotado no mercado europeu.E só

voltará a ser produzido, adianta José Bento, num ano em que as condições

climáticas forem excepcionais como as de 2003.Mas os demais vinhos da

Quinta do Monte D'Oiro podem ser encontrados no Brasil, na importadora

Mistral (3372-3400) ? inclusive seu outro branco afamado, o Madrigal 2004,

também feito com a Viognier.Já o livro, dá para comprar pela internet, em

sites como o www.somlivre.pt (custa 19 euros, mais taxas de entrega), e vale

a pena ? independentemente de você dispor ou não de uma garrafa deste vinho

que já virou objeto de culto em Portugal.

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE