Convidado para ser a estrela internacional do Festival do Queijo Canastra, Romain Guibert, 28 anos, não cabia em si de excitação para conhecer ao Brasil. Mas a viagem não saiu como planejada... A greve dos caminhoneiros obrigou a Associação dos Produtores de Queijo Canastra (Aprocan) a mudar a data do evento, que iria acontecer inicialmente de 28 de maio a 3 de junho.
Como a decisão de adiar o festival foi tomada quando o francês já estava dentro do avião, ele não conseguiu ficar até a nova data (de 14 a 17 de junho), mas ganhou uma viagem personalizada para conhecer o queijo canastra. Visitou produtores e ofereceu uma oficina de técnicas de corte de queijo.
Leia abaixo as impressões do francês sobre a nossa terrinha!
Excesso de limpeza não consegue matar a microflora forte da Canastra
"Fiquei impressionado como todos os queijeiros que visitei têm um rigor excessivo com a limpeza, o que é mesmo desaconselhado na França. Eu sei que as normas aqui para fazer queijo são drásticas e estritas, mas os produtores colocam tanto o seu coração na produção que o queijo fica ótimo. Dá para sentir pelo sabor que as bactérias nativas trabalharam bem o leite...
Na fazenda Roça da Cidade, Hugo Leite é obcecado pela limpeza. É tanto rigor e precisão no processo de fabricação, nada é por acaso, tudo é muito caprichado. Vi uma organização impecável em todas as etapas, da ordenha à sala de fabricação.
Outros produtores que visitei, Claudiano do Jota e Andreza, têm um tipo de Geotrichum natural no queijo, um mofo branco. Eu fiquei impressionado como eles conseguem esse resultado sem usar fermentos do comércio. Vocês precisam proteger essa microbiodiversidade e continuar a repicar e cultivar os fermentos e mofos naturais, isso valoriza muito os queijos.
Com o rigor que todos têm na fabricação do queijo na Canastra, o governo não tem nenhuma razão de ter medo. Esse excesso de higiene faz com que o ambiente tenha menos floras interessantes para a acidificação e cura do queijo. E mesmo assim os queijos têm muito gosto, têm uma qualidade gustativa muito interessante, mesmo com todos os constrangimentos da legislação."
Canastra tem sua primeira sala de cura subterrânea
"Visitei a fazenda de Guilherme Ferreira, que construiu uma cave subterrânea, a primeira da região. Foi um grande prazer descobrir essa obra, porque isso pode agregar muito valor e qualidade aos produtos. Ele me fez provar um queijo entre 4 e 6 meses, intenso e picante, foi interessante ver como um queijo evolui em temperaturas naturais tão quentes, entre 15 e 27ºC, isso é impensável na França.
Conheci também a fazenda de Paulo e Paula Matos, eles tem um abordagem poderosa, pois Paula é veterinária. Fiquei muito feliz em saber que eles não dão alimentos fermentados ao rebanho, o que resulta em queijos de sabor bem mais agradáveis."
O queijo preferido "chez Ivair"
"Visitei a fazenda do Ivair Oliveira, uma das raras que fabrica duas vezes por dia, de manhã e à noite. Pude sentir a diferença entre os dois queijos, o da noite é mais cremoso porque o leite tem mais gordura. Eu caí de amores por esse produto, redondo na boca, macio. Eu provei queijos o dia inteiro, mas esse último foi meu preferido, terminei o dia maravilhado.
Eu vi que o resultado desse queijo é reflexo da impressionante organização e cooperação no seio da Aprocan. Vemos que há um plano comum na organização das fazendas, nos vestiários, nas salas de estocagem, na comunicação e embalagem. É maravilhoso que eles conseguem fazer isso tudo juntos! Em algumas AOPs na França também encontramos isso."
Degustações originais
"No norte da França temos o hábito de molhar no café o queijo maroilles, conhecido por ser forte e muito intenso... Na Canastra vi que a tradição é acompanhar o queijo fresco com os cafés daqui, que são espetaculares! Eu descobri também o Romeu e Julieta, um canastra super fresco com goiabada, quero mostrar isso para os franceses."
Queijo sustentando famílias
"Eu visitei a queijaria do Zé Mário, onde seus filhos estão dando seguimento ao trabalho dos pais. Senti que para Valdete, esposa de Zé Mario, a queijaria é um templo. Ela nutre a família. Como na França, os homens se ocupavam da ordenha e animais e os queijos eram feitos pelas mulheres, um produto feminino por excelência.
É incrível ver na Serra da Canastra famílias que vivem com 15, 20, no máximo de 40 vacas. Na França, as pessoas não conseguem um sistema rentável com tão poucas vacas. Aqui na Canastra eles sabem muito bem valorizar, agregar valor aos queijos.
Visitei a fazenda da Solange, que tem o hábito de vender um pouco do seu leite para a cooperativa, ela tem o nome da minha avó. Lá eu descobri a harmonização do queijo e caldo de cana de açúcar, o sal-doce é muito apreciado no Brasil."
Festival do Queijo Canastra
O festival será realizado de 14 a 17 de junho em São Roque de Minas. As atividades são cursos de análise sensorial, degustações, curso de doces e compotas e lançamento da pedra fundamental da escola de Mestre Queijeiro que a Aprocan planeja construir na cidade.