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Bebida

A nova fronteira da produção de vinhos brasileiros

Chapada Diamantina, serra fluminense, Serra da Mantiqueira... há vinhedos em zonas inimagináveis dez anos atrás; 'Paladar' provou dez deles, alguns ainda produzidos em caráter experimental

Degustação de vinhos da nova fronteira vinícola. Foto: Felipe Rau|EstadãoFoto: Felipe Rau|Estadão

Você aceitaria um tinto produzido na região cafeeira de São Paulo ou de Minas Gerais com o mesmo entusiasmo que receberia um Syrah do Vale do Rhône? Bebericaria um espumante da Chapada Diamantina com a alegria de tomar um Champagne? Se sorver essas taças lhe parece roubada, sugiro despir-se do preconceito e pagar para ver. O mapa do vinho brasileiro está se expandindo e promete boas surpresas.

Neste ano, por exemplo, a Grande Prova Vinhos do Brasil inclui vinícolas de Divinolândia (SP) e de Três Corações (MG) entre seus campeões. Aposto que você nem sabia que era possível encontrar sequer um vinhedo por lá. Mas desde o início dos anos 2000 mudas de cepas francesas vêm sendo plantadas no Sudeste e no coração da Bahia. Hoje, já são cerca de 200 hectares produtivos, que incluem até o Estado do Rio. Já provou-se que a Syrah é uma das estrelas da nova fronteira, junto à Sauvignon Blanc e à Viognier.

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Mas testes continuam sendo feitos e variedades como Petit Verdot, Chardonnay e Pinot Noir também têm florescido. A mais famosa dessa turma de novos produtores talvez seja a Guaspari, em Espírito Santo do Pinhal (SP), boa de vinho e de marketing, nasceu há apenas dez anos e conseguiu introduzir seus rótulos no mercado já com uma aura de consagração. Mas há quem tenha começado até antes e tenha mais rótulos no mercado. 

Nas últimas semanas o Paladar conversou com produtores de casas espalhadas por Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, como a Fazenda Progresso, em Mucugê (BA); a Vinícola Inconfidência, em Secretário, região serrada fluminense; a Casa Verrone, em Divinolândia (SP); a Entre Vilas, em São Bento do Sapucaí (SP); a Estrada Real, em Três Corações (MG); a Luiz Porto Vinhos Finos, em Cordislândia (MG); a Vinhos Maria Maria, da Fazenda Capetinga em Três Pontas (MG); e a Casa Geraldo, em Andradas (MG); além da Guaspari.

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Degustação de vinhos da nova fronteira vinícola Foto: Felipe Rau|Estadão

O perfil delas é semelhante. Nasceram do sonho de famílias que já eram envolvidas com o campo de alguma maneira, muitas com tradição cafeeira. “Onde se faz café bom se faz vinho bom”, diz Murillo Albuquerque Regina, consultor que pode ser considerado o coração da nova fronteira. Foi ele quem introduziu o conceito da dupla poda para a região, desenvolvido durante 12 anos de estudo na França e adotado pela maioria das novas casas, com exceção da Entre Vilas. O que ele faz é alterar o ciclo das vinhas e, em vez de realizar a colheita no verão, quando as chuvas são intensas e podem prejudicar o sabor e os aromas das uvas, colhe-as no inverno, com dias quentes e noites frias, que são ideais para seu amadurecimento. 

Ainda nas primeiras safras, a maioria das vinícolas é cautelosa e opera como “cigana” – ou seja, não vinifica em casa, mas na Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) ou na Embrapa de Petrolina (PE), muitas vezes “compartilhando” o enólogo responsável. Erguer suas próprias cantinas e adegas está nos planos. “Mas ô bichinho caro essa história. O investimento é grande e temos que validar o negócio. Vamos passo a passo”, afirma Marcio Verrone, da Casa Verrone. Algumas vão além e projetam polos enoturísticos, como o da Fazenda Progresso, na Chapada Diamantina, um dos vinhedos mais cênicos do grupo. 

Otimistas, as empresas planejam aumentar sua área plantada ano a ano e já estão se organizando em uma associação, a Aprovin, Associação dos Produtores de Vinhos de Inverno – uma vez que a colheita é realizada em julho. Mas sabem que o caminho para alcançar mercado e fama é longo. “Nossas plantas são extremamente jovens. Para chegar a um ponto de equilíbrio, são dez anos. Tínhamos planos de fazer uma vinícola quando chegássemos a 100 mil plantas, mas hoje pensamos em criar uma vinícola em comum, uma coisa de cooperativismo. O custo é alto e o retorno, de longo prazo”, diz Eduardo Junqueira Nogueira Neto, da Maria Maria.

Para o consumidor, o investimento também não será baixo. Os preços dos vinhos que já estão disponíveis no mercado nacional começam no patamar de R$ 70. 

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OS VINHOS

Paladar degustou dez vinhos de cinco vinícolas da nova fronteira brasileira, com exemplares da Bahia, de Minas Gerais, de São Paulo e do Rio de Janeiro.  O painel, organizado por Sergio Queiroz, que comanda a Grande Prova Vinhos do Brasil, foi realizado no restaurante Josephine, no Itaim Bibi, e contou com a participação do bicampeão do Concurso Brasileiro de Sommeliers Diego Arrebola; da especialista em vinhos e única brasileira DipWset (diplomada pela Wine & Spirit Education Trust), Bianca Veratti; do diretor de bares e restaurantes do Clube Athletico Paulistano, Bruno Airaghi; e de Humberto Grzybowki, da Ideal Drinks, além da repórter do Paladar Isabelle Moreira Lima.

Durante a prova, levamos em conta que pelo menos dois exemplares ainda não estão no mercado e foram apresentados em caráter experimental. Foram degustados espumantes, um Chardonnay, um rosé e cinco tintos, todos Syrah, comprovando que essa é a principal expoente da nova fronteira.

AS REGIÕES

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SP: Trinca paulista

Em São Paulo, a Serra da Mantiqueira concentra a produção de vinhos. Para explicar onde ficam seus vinhedos, Marcio Verrone, da Casa Verrone, faz até piada: “Fica bem no extremo do estado, onde Judas perdeu o band-aid. A bota ele perdeu muito antes”, diz sobre Itubi e Divinolândia, onde planta. Engenheiro agrônomo cujo principal negócio é a venda de defensivos agrícolas (o que soa polêmico para um produtor de vinhos), ele entrou no mundo das uvas em 2008, quando teve o primeiro contato com a Epamig e conheceu Murillo Regina.

Começou a plantar suas vinhas em 2009, mas diz que nunca sofreu tanto. “Foi uma chuva do cão e eu era marinheiro de primeira viagem.” Superado o trauma, hoje tem 20 hectares onde produz Pinot Noir e Chardonnay, Syrah, Viognier, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Sauvignon Blanc. A vinificação é feita na Epamig e rendeu o prêmio de melhor Chardonnay da Grande Prova Vinhos do Brasil.

A Guaspari, projeto de fôlego instalado em uma antiga fazenda cafeeira, na região de Espírito Santo do Pinhal, é a mais conhecida e celebrada das vinícolas paulistas. Iniciado em 2006, tem à frente da equipe técnica o enólogo norte-americano Gustavo González e a consultoria de vinhedos de Murillo Regina. Os vinhos são bem avaliados e não exatamente baratos – na loja da vinícola vão de R$ 78 a R$ 148.

Completa a trinca de novas vinícolas paulistas a Entre Vilas, de São Bento do Sapucaí, ovelha negra da nova fronteira, uma vez que não adota a técnica da poda invertida. O cabeça do projeto, o agrônomo Rodrigo Veraldi, considera que o método força a barra ao usar de estimulantes. Após uma bem sucedida experiência com coberturas plásticas em suas culturas de framboesa, amora e oliveiras, decidiu montar as miniestufas em vinhas. Em 2009 realizou a primeira vinificação, assinada por ele mesmo e realizada seguindo os preceitos “naturebas” anti-sulfitos e com leveduras selvagens para “evidenciar o terroir”.

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Casa Verrone | em São Paulo no Red Buteco: www.redbuteco.com.brEntre Vilas | www.entrevilas.com.brGuaspari | loja.vinicolaguaspari.com.br

Vinícola Entre Vilas, em Espírito Santo do Pinhal (SP) Foto: Divulgação

MG: Onde dá café dá vinho

Minas Gerais – e mais especificamente a região de Três Corações – foi o primeiro terroir a ser explorado pelos viticultores da nova fronteira. Foi lá que Murillo Regina, engenheiro agrônomo que trouxe a poda invertida para o Sudeste, plantou em 2003 os vinhedos da vinícola de que é sócio, a Estrada Real. Hoje, a casa é conhecida por seu Primeira Estrada Syrah, vencedor da Grande Prova Vinhos do Brasil na variedade. Depois que testou a viabilidade da técnica, o enólogo passou a prestar consultoria a outros interessados.

Duas famílias produtoras de café mergulharam no projeto. A primeira é a de Luiz Porto Júnior, da Luiz Porto Vinhos Finos, em Cordislândia. A vinícola foi iniciada em 2004 por seu pai e teve a primeira safra comercial em 2012. Hoje já conta duas linhas de rótulos, a de entrada e a de guarda, com diferentes varietais, e talvez seja a de maior portfólio e investimento do Estado, uma vez que tem vinícola e enólogo próprio.

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A segunda, a Maria Maria Vinhos, entrou de forma mais emocional, pelo coração, literalmente. Após recuperar-se de um enfarto, Eduardo Junqueira Júnior foi aconselhado pelo cardiologista que substituísse a cervejinha por uma taça de vinho tinto, amigo do coração. Levou o conselho tão ao pé da letra que passou a viajar o mundo para conhecer vinícolas e, um ano depois, encomendou 25 mil mudas que plantou em 2009 em sua fazenda em Três Pontas (MG).

Com a ajuda do filho Eduardo Junqueira Neto, plantou Syrah, Cabernet Sauvignon e Sauvignon Blanc e deu vida à Maria Maria Vinhos, em homenagem ao cantor Milton Nascimento, seu amigo de infância, que considerou uma loucura a plantação de vinhas em Minas. “Meu pai até ofereceu sociedade, mas ele não entrou. No final, ficou a homenagem”, diz Neto. Os rótulos também prestam homenagens às mulheres da família. 

Luiz Porto Vinhos Finos | luizportovinhosfinos.comVinhos Maria Maria | facebook.com/vinhosmariamariaVinícola Estrada Real | www.primeiraestrada.com.br

Fazenda Progresso, na Chapada Diamantina (BA) Foto: Divulgação

BA: Brinde à Chapada

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A opinião dos técnicos envolvidos com a nova fronteira vitivinícola brasileira é unânime em dizer que é na Chapada Diamantina que estão os vinhedos mais cênicos do Brasil e, consequentemente, o maior potencial de um novo enoturismo. Mas, se a década de experiência dos companheiros mineiros e paulistas parecem dias na conversão de tempo do mundo do vinho, o que dizer dos três anos da região? 

“Estamos na fase de pesquisa e de aprendizado, testando variedades para chegar a vinhos de alta gama”, afirma Fabiano Borré, à frente do projeto vitivinícola da Fazenda Progresso, em Mucugê, que tem como carros-chefe a batata inglesa e o café especial. 

“Algumas características do nosso café nós conseguimos ver nas uvas. São questões aromáticas, do equilíbrio, de uma boa acidez e corpo”, afirma. A ligação com o café pode ir ainda além, uma vez que os clientes estrangeiros que compram a produção da fazenda já se interessam pelos vinhos. A expectativa é levar os primeiros rótulos ao mercado em quatro anos.

RJ: Fase de testes

O engenheiro José Claudio Aranha via apenas duas alternativas para sua aposentadoria: ou leria 30 livros ao mês ou plantaria nas terras que possui próximas à região de Itaipava, em Secretário, na serra fluminense. Optou pela segunda e escolheu o café. Mas uma terrível chuva de granizo atrapalhou os planos e o levou a outra direção, a do vinho. Em 2010, plantou os primeiros vinhedos que deram origem à Vinícola Inconfidência: Sauvignon Blanc, Cabernet Sauvignon, Syrah e Cabernet Franc. Neste ano, a novidade é a Viognier. 

Aranha já conta com três safras, todas experimentais, com garrafas doadas para amigos e sommeliers. A partir de setembro a ideia é colocar os rótulos no mercado. “Queremos fazer uma loja e depois uma estrutura para produção de vinho”, afirma. Sua maior dificuldade é encontrar insumos e mão-de-obra no Rio, problema de pioneiro. “Para comprar algo, tenho que me planejar com pelo menos quatro meses de antecedência”, afirma.

Murillo Regina, engenheiro agrônomo, produtor e consultor Foto: Divulgação

Foi ele quem forçou as fronteiras

Murillo de Albuquerque Regina acumula experiência que inclui mestrado e doutorado em viticultura e enologia em Bordeaux, além de um pós-doutorado sobre melhoramento da viticultura no Entav, braço do Instituto do Vinho e da Vinha da França. De lá trouxe ao Brasil, no início dos anos 2000, a técnica da poda invertida para o Sudeste. Encontrou no amigo Marcos Arruda Vieira, dono da Fazenda da Sé, a cobaia. Produtora de café, a propriedade parecia perfeita para o teste da poda invertida. Nasceu a Vinícola Estrada Real. 

Pelo método de Regina, altera-se o ciclo da vinha para fazer a colheita no inverno. Assim, no verão, em janeiro, quando as vinícolas do Sul colhem suas uvas, no Sudeste, poda-se a planta. Em julho, colhe-se quando é seco, as noites são frias e as uvas estão maduras. 

“Não precisamos corrigir o vinho, temos 14%, 15% de álcool que não pesam porque temos acidez. Sem chuvas, não há diluição. As noites frescas trazem a boa acidez e nos dão vinhos equilibrados que podem envelhecer”, afirma.

Hoje, além da Estrada Real, Murillo coordena o núcleo técnico da Epamig, que funciona como uma encubadora de vinícolas experimentais, fornece mudas de cepas francesas para vinícolas do Brasil inteiro, com sua Vitácea Brasil, presta consultoria de manejo de vinhedos e toca a Associação Nacional de Produtores de Vinhos de Inverno, a Aprovin. Conta que segue experimentando, agora com novas variedades: tem plantado Mourvèdre e Grenache. “Queremos dar mais complexidade ao vinho brasileiro.”

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