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Bebida

Até que a mesa os separe

Por Guilherme Velloso

Alguma vez na vida você deve ter tomado um drinque com cerveja. Se esqueceu é porque talvez ele tenha sido bebido naquele momento da empolgação, quando alguém sugeriu fazer um submarino, famoso “embriagador” preparado com a cerveja que está à mão e o Jägermeister da prateleira. Essa história mudou. Coquetéis com cerveja estão na moda e evoluíram da empolgação sem juízo para receitas criadas por barmen mundo afora.Foto:

Como qualquer casamento, o de vinho e comida está longe de ser ciência exata. Parafraseando Vinicius de Moraes, é “a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. E pelas mesas, acrescentaríamos, com permissão do poeta. É tentativa e erro. Às vezes dá certo, às vezes acaba em divórcio, nem sempre amigável. A principal causa desses últimos é a mesma a que se atribui o fim de muitos relacionamentos: incompatibilidade de gênios. Por gênios, no caso de vinho e comida, entenda-se o peso, a textura, os sabores (doce ou salgado, mais ou menos temperado), enfim, os componentes e características de um e de outro.

Como na vida, um bom casamento entre vinho e comida tanto ocorre por afinidade (“são tão parecidos, gostam das mesmas coisas”, diz-se de muitos casais) como por diferença (os “polos opostos que se atraem”).

Um exemplo que muitos enófilos já testaram na prática mostra como essas duas possibilidades funcionam. Por ser doce e alcoólico, vinho do Porto combina muito bem com os doces conventuais portugueses (pastel de belém, barriga de freira, toucinho do céu e tantos outros), que levam muitas gemas (as claras eram usadas para engomar os hábitos das freiras) e açúcar em abundância. Além de ser doce e alcoólico, o vinho tem outra característica indispensável para que esse casamento dê certo: excelente acidez. Sem ela, a soma de doce (do vinho) com doce (do doce) seria enjoativa.

FOTO: Fernando Sciarra/Estadão

Alguma vez na vida você deve ter tomado um drinque com cerveja. Se esqueceu é porque talvez ele tenha sido bebido naquele momento da empolgação, quando alguém sugeriu fazer um submarino, famoso “embriagador” preparado com a cerveja que está à mão e o Jägermeister da prateleira. Essa história mudou. Coquetéis com cerveja estão na moda e evoluíram da empolgação sem juízo para receitas criadas por barmen mundo afora. 

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Há muitas regras (técnicas) para orientar a harmonização entre vinho e comida. E muitos livros já foram escritos sobre o assunto. Embora sejam úteis para entender por que algumas combinações dão certo e outras não, a regra mais importante é usar o velho bom senso.

Independentemente das razões técnicas que recomendam não combinar peixe com vinho tinto (há exceções, mas em geral o resultado é um gosto metálico na boca), basta bom senso para perceber que um leve e delicado linguado com molho de manteiga e alcaparras dificilmente se daria bem com um tinto mais pesado e tânico como um Tannat. Da mesma forma, a ninguém ocorreria acompanhar um prato como cabrito com batatas coradas com um Riesling do Mosel, a quintessência do vinho leve e delicado.

A regra é simples: um prato mais pesado (não importa se de peixe ou de carne) exige como acompanhante um vinho (branco ou tinto) igualmente mais pesado. Um prato mais untuoso (o exemplo típico é o foie gras, com toda sua gordura) pede um vinho também mais untuoso, caso de vinhos doces como os Sauternes ou os Tokajis – esses últimos podem ser quase viscosos, dependendo do açúcar residual que contenham.

Mas nem sempre a coisa é tão simples. Se peixe, como regra, pede branco, e carne vermelha, tinto, o que dizer do bacalhau, que, segundo os portugueses, não é peixe nem carne, mas… bacalhau? A resposta é que depende do modo como o prato é preparado. Uma posta de bacalhau grelhada na brasa com um fio de azeite por cima, acompanhada por singelas batatas cozidas, pede branco; mas, se o molho for rico em alho, tomate e pimentão, combinará mais com tinto. O mesmo raciocínio vale para massas. Quem determina se o vinho é tinto ou branco é o molho ou o recheio. Tinto, se o recheio ou o molho for à base de carne (ragu de ossobuco; por exemplo); branco, se, por exemplo, o recheio for queijo tipo brie ou o molho for à base de vôngole.

Nesse jogo de acertos e erros é preciso considerar também os ingredientes, inclusive temperos, do recheio ou do molho. Eles podem funcionar como “casamenteiros”, que ajudam a promover um encontro enogastronômico. A raspa de limão num espaguete feito na manteiga faz a ponte com um vinho à base de Sauvignon Blanc, que em geral apresenta notas cítricas. Quando acrescentadas ao molho branco de um peixe, amêndoas torradas abrem as portas para um relacionamento mais sério com um Chardonnay (e outros vinhos brancos) que tenha passado por madeira, pois essa costuma acrescentar notas amendoadas ao vinho.

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As possibilidades são quase infinitas, tanto de um lado (bebida) como do outro (comida). Mas isso não deve ser motivo de estresse. Ao contrário, tem todos os ingredientes para virar diversão. Que tal escolher um prato, convidar amigos para partilhá-lo e pedir que cada um traga uma garrafa de vinho ou cerveja e ver o que acontece na prática? Foi exatamente isso o que fez a equipe do Paladar, que se reuniu na sexta-feira passada no restaurante Arturito, para testar combinações de vinhos e cervejas com as empanadas da chef Paola Carosella.

Os resultados da prova estão ao lado – e como você poderá conferir, as ervas, temperos e uvas-passas que entraram no recheio das empanadas influenciaram o resultado das harmonizações, favorecendo umas e comprometendo outras. O casamento perfeito se dará quando prato e vinho crescerem juntos (1 + 1 = 3), ensejando o comentário “feitos um para o outro”. Em outros casos, o desastre lembrará aqueles casamentos que acabam antes de começar, ainda que se possa recorrer ao surrado “gosto não se discute”. Afinal, o casamento de vinho e comida só dura “até que a mesa os separe”.

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