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Bebida

Cervejarias apresentam nova safra de rótulos com o pé nas vinícolas

Incursões do mundo de Baco no universo cervejeiro vão da maturação em barricas com residual da bebida a blends que misturam cerveja e vinho

Wine Drop, da Narcose, mistura cerveja a vinho orgânico da Vivente. Foto: Laís KreinFoto: Laís Krein

“Um vinho branco feito com lúpulo.” É assim que se assume a Vin de La Maison, lançada em maio pela cervejaria Narcose. Inusitado? Com um pé na cerveja e outro na vinicultura, o novo rótulo vende a si próprio como sendo a “versão cervejeira de um Chablis”, feita com malte de arroz e adição de mosto de uva chardonnay na etapa de fermentação. O coquetel composto, que não pode ser chamado de cerveja, nem de vinho – coisas da legislação –, ainda envelhece em barris de chardonnay e sauvignon blanc. O resultado é uma bebida elegante, com acidez suave, final seco e notas que remetem à uva branca, damasco, maracujá e limão.

Wine Drop, da Narcose, mistura cerveja a vinho orgânico da Vivente. Foto: Laís Krein

As incursões do vinho no universo das cervejas, que não são de hoje, vale dizer, têm ganhado cada vez mais força por aqui. Elas tomam emprestadas técnicas empregadas em estilos cervejeiros consagrados, como as wood-aged beer, maturadas em barris com resíduos de outras bebidas; as flanders red ales, também envelhecidas em barricas e misturadas a outras cervejas para ajustar a acidez; e as bière brut, que refermentam na garrafa com leveduras de espumante. Chope de vinho? Não, nem de longe. Melhor abafar o caso para não criar inimizade com os mestres cervejeiros.

Nesse rol de inspirações, a Wine Drop, outro lançamento da Narcose, aposta nessa ideia do blend. Mas em vez de combinar uma cerveja – bem seca, com base de arroz para não destacar a cevada – à outra, faz essa miscelânea com 30% de um vinho orgânico da Vivente (com chardonnay e moscato de alexandria). Já na garrafa, a bebida passa pelo processo de refermentação, por um ano, com levedura de saison. Vira uma cerveja-espumante levemente ácida e refrescante, cujo teor alcoólico, de consideráveis 10%, passa quase despercebido. Boa para quem gosta de vinho, mas ainda torce o nariz para as cervejas artesanais, e para quem gosta de cerveja, mas não faz desfeita para o vinho. O rótulo, feito em colaboração com as ciganas Stillwater Artisanal e Morada. Cia Etílica, recebeu ouro dos jurados do Concurso Brasileiro de Cervejas Blumenau em março, na categoria cerveja experimental.

Barris de madeira e tanques de inox na fábrica da cervejaria Dádiva. Foto: Tales Hideki

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A paulista Dádiva, que desde 2018 faz intersecções entre os mundos da cerveja e de Baco, se prepara para lançar, em julho, mais um rótulo híbrido, ainda sem nome de batismo, em comemoração aos sete anos da cervejaria. Os testes partiram de um blend meio a meio de cerveja golden sour com vinho clarete de cabernet sauvignon, natural, produzido pela vinícola Bella Quinta. Com os ajustes necessários para equilibrar a bebida – afinal de contas, o vinho não pode se sobrepor à cerveja e vice-versa –, Victor Marinho, mestre cervejeiro da marca, passou a régua num blend 70/30, com predomínio da cerveja. “Testamos várias diluições até chegar no resultado que a gente queria”, conta.

IPA, APA, IGA

A adição de uva ao mosto da cerveja caiu no gosto de mestres italianos e virou tendência no país lá pelos anos 2000 – daí o surgimento do Italian Grape Ale, reconhecido pelo Beer Judge Certification Program como um dos estilos cervejeiros de alta fermentação, assim como o Indian e o American Pale Ale.

As características desse estilo dependem, claro, da cerveja utilizada como base, mas, no geral, são opções mais secas, ácidas, quase sem nenhum amargor.

Não por acaso, muitas dessas cervejarias italianas têm na vizinhança um vinhedo de onde tiram os cachos de uva para incrementar suas cervejas. Na Região Sul do Brasil, nota-se um movimento parecido. A 4 Árvores, de Porto Alegre, incrementa as edições de sua linha sazonal Abbondanza com mostos de uvas da serra gaúcha. Anual, a próxima versão – com mosto de uva riesling e dez meses de maturação – será lançada em duas semanas. E a cervejaria promete, ainda para este ano, uma edição especial com chardonnay, maturada por dois anos.

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Procura-se barril

Outra forma, mais comum, de emprestar características vínicas à cerveja é deixá-la envelhecer em barril que tenha sido utilizado para envelhecer vinho. A paulistana Trilha, que desde 2017 promove esse tipo de experiência, tem em cartaz um trio feminino de saisons maturadas em barricas de vinho, diretamente arrematadas na vinícola Guaspari. Alice, com flor de laranjeira e semente de coentro, Sara, com cereja, e Luna, com dry hopping.

Trio de saisons da Trilha passa por barricas de vinho que foram da Guaspari. Foto: Tales Hideki

Aqui vale um pequeno desvio na rota para contar que Trilha tem um clube de assinaturas de cervejas maturadas em barris (não só de vinhos), o Barrel Club, que está com inscrições abertas para quem quiser mergulhar nesse universo (R$ 120 mensais; 12 rótulos por ano).

“A qualidade da bebida que passou antes pelo barril tem grande influência na qualidade da bebida que vem depois”, acredita Beto Tempel, mestre cervejeiro e sócio de Daniel Bekeierman na empreitada. Superporosa, a madeira funciona como uma esponja, encharcada de compostos de aroma e sabor, que são passados de uma bebida para outra. Mas é preciso ser rápido para aproveitar o potencial real de um barril. “Os recém-esvaziados são os melhores. Em uma questão de dias, muitos dos compostos voláteis se perdem”, explica Beto. Ou seja, além de encontrar um barril interessante à venda, o que não é fácil, ainda é preciso casar os tempos de produção da cervejaria com a vinícola.

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Spontaneus Nox, da Zalaz, maturada em barris de vinho fortificado. Foto: Arquivo Pessoal

A mineira Zalaz foi buscar, numa vinícola do sul do País, barricas de carvalho francês que continham vinho fortificado para produzir parte do blend da Spontaneus NOX. A quarta edição da cerveja, lançada na semana passada, é, na verdade, uma dark saison, produzida com a cevada e as leveduras selvagens da própria fazenda em Paraisópolis, onde está instalada a cervejaria. “Esse estilo de cerveja é um dos que mais se aproxima de um vinho natural”, afirma Fabrício Almeida.

Eliminando os entraves, a também paulistana Casa Avós prepara os seus próprios barris. Para produzir a Baltic Porto, que retorna ao mercado no mês que vem, Junior Bottura compra barris de carvalho novos em folha, enche de vinho do Porto e espera a madeira absorver a bebida – demora cerca de sete dias. O truque, Junior aprendeu com cervejeiros nos Estados Unidos, que curaram seus próprios barris de cachaça para produzir um cerveja com notas de caipirinha.

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